O Estado português deixou nas mãos do fundo de investimento Lone Star o acervo cultural do Banco Espírito Santo (BES), avaliado em 50 milhões de euros. A coleção de moedas raras, fotografias contemporâneas, pinturas, mapas portulanos e livros quinhentistas pode agora ser vendida pelos norte-americanos mas não pode, pelo menos para já, sair do país.

De acordo com o jornal Público, a coleção de numismática é de longe a mais valiosa do conjunto cultural que pertence agora ao Novo Banco, estando avaliada em 29 milhões de euros. Ao somar o peso de cada uma das coleções, é possível subentender que as parcelas valem todas juntas cerca de 50 milhões de euros, ou seja, 5% dos mil milhões que o Lone Star injetou para controlar 75% do Novo Banco: aos 29 milhões das moedas raras, juntam-se 10 milhões de euros em fotografias contemporâneas, dez milhões em 94 pinturas e quatro mapas portulanos e 900 mil euros que correspondem à Biblioteca de Estudos Humanísticos.

A coleção de moedas raras, a mais valiosa do acervo cultural, inclui 13 mil moedas e cédulas antigas, de onde se destacam alguns exemplares anteriores à fundação do Reino de Portugal, em 1139, e peças dos períodos suevo, visigodo, árabe ou até da época dos descobrimentos. Segundo o Público, uma das peças de maior valor será uma moeda de ouro com um diâmetro de 32 milímetros e 14,32 gramas de peso, cunhada por D. Pedro I, rei do Brasil, para assinalar a sua coroação.

Quanto à coleção de numismática, o jornal conta que Ricardo Salgado, então presidente do BES, terá sugerido ao Banco de Portugal a aquisição das moedas e cédulas antigas que permanece em cofres expositores desenhados especialmente para o efeito na sede do Novo Banco, em Lisboa. Segundo uma fonte próxima do processo, o supervisor terá recusado adquirir a coleção por já possuir exemplares idênticos àqueles detidos pelo BES.

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Mas se a numismática é a coleção com maior valor monetário, a de fotografia contemporânea será a de maior notoriedade pública. A coleção inclui quase mil fotografias de 300 artistas portugueses e estrangeiros e em janeiro o seu destino quase certo era o Convento de São Francisco, em Coimbra. Na altura, Ministério da Cultura e Câmara Municipal de Coimbra confirmaram o negócio mas o acordo terá caído por terra já que, sete meses depois, não se conhecem quaisquer desenvolvimentos.

Banquete da Aldeia, do pintor holandês Pieter Brueghel, é a obra mais valiosa da coleção de pintura do Novo Banco. Avaliada em cinco milhões de euros, estava na sala particular de Ricardo Salgado, ao lado do seu gabinete, onde o então presidente do BES recebia clientes e convidados. No conjunto de artistas nacionais representados no acervo de pintura agora detido pelo Lone Star incluem-se Vieira da Silva, José Malhoa, Josefa de Óbidos, Silva Porto ou Júlio Pomar. Cerca de vinte destas pinturas – como Ao cair da Tarde e um Coleccionador, de José Malhoa – estão emprestadas a museus nacionais e estão a decorrer novos depósitos em instituições públicas.

As constantes valorizações das coleções não permitem que o Governo português, se agora o quisesse, decida reforçar o património cultural do Estado com o acervo do BES: de há seis meses para cá, as moedas, fotografias, pinturas e outros valorizaram quatro milhões de euros. O valor do património cultural agora nas mãos do fundo de investimento norte-americano ajudou António Ramalho, líder do Novo Banco, a valorizar o ativo do banco e a melhorar o capital de forma a facilitar o negócio. E se os bens artísticos e culturais não tivessem sido incluídos nas negociações, as coisas poderiam ter sido diferentes, tal como explica Luís Máximo dos Santos, do Fundo de Resolução, ao Público. “Se estes ativos fossem retirados do balanço do Novo Banco, teria que existir a devida compensação”, afirma o líder do vendedor do Novo Banco.

Ainda assim, o contrato assinado em novembro de 2017 e que garante ao fundo de investimento o controlo de 75% do Novo Banco inclui dois impedimentos em relação ao património cultural: as peças não podem sair do país sem autorização do Estado português e não podem ser partidas, para que não desvalorizem.

O património cultural do antigo BES pode então ser vendido mas apenas em Portugal: regra que, porém, pode não ser permanente. O contrato assinado no ano passado não é vinculativo a mudanças de executivo e pode ser alterado caso um novo Governo decida permitir a saída dos bens artísticos e culturais do país.