O Parlamento regressou e, desta vez, para fechar a legislatura (que termina em 2019). As legislativas já se veem lá ao fundo da reta e António Costa entendeu chegar a este debate quinzenal a cantar vitória. “Poucos acreditavam que chegaríamos aqui”. Distribuiu louros pelos parceiros e entrou num debate marcado por diversas fugas para a frente. Tantas que até segurou uma ministra que não está (estaria?) para cair.

Exemplos: Recuo no Infarmed? Houve, mas porque ninguém queria. Revogar a lei Uber? Não cabe ao Governo, foi aprovada pela Assembleia da República e promulgada pelo Presidente. Construir a ala pedátrica do Hospital de São João? Projeto foi contratado a um privado, o Estado está fora. Saúde? Logo se vê, depende da totalidade das exigências da esquerda. E o ministro da Defesa, aguenta a pressão do caso Tancos? Pelo menos, Costa aguenta-o no Governo. E não só ele, também a ministra da Justiça (ainda que ninguém lhe tenha perguntado por ela).

Geringonça põe pé na porta no Orçamento

Quem abriu o debate foi Catarina Martins que trazia alinhadas exigências sobre a Lei de Bases da Saúde. O primeiro-ministro garantiu-lhe que o grupo de trabalho liderado por Maria Belém (que esteve a estudar o assunto) já tinha apresentado conclusões e que o Governo está agora a avaliar o que fazer. Uma certeza: isto acontecerá “seguramente a tempo de cumprir o objetivo de nesta legislatura podermos ter uma nova lei de base do SNS”. Foi aqui que a líder do Bloco de Esquerda aproveitou para avançar direta para a mesa das negociações do Orçamento do Estado, onde o seu partido está sentado com o Governo. Pediu que, já que não há tempo de aprovar a lei de bases da saúde antes do OE, então que se deem garantias a esses cuidadores no Orçamento. Costa foi claro na nega: “É uma matéria que exige estudo muito cuidado independentemente da bondade da intenção. É preciso medir o custo da concretização para que não nos fiquemos pelas intenções. Presumo que seja muito prematuro neste Orçamento ter ideia do custo”.

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O PCP, pela voz de João Oliveira (Jerónimo de Sousa estava ausente por motivos familiares), foi aquecendo o discurso eleitoral contra um Governo “que não dá resposta aos problemas do país” e que investe pouco nos transportes, saúde e educação, mas que o PCP tem apoiado no Parlamento. Uma quadratura do círculo que António Costa não deixou escapar, provocando o deputado comunista: “Tenha confiança em si, homem! Foi capaz de fazer mais e vamos ser capazes de fazer mais porque há mais caminho”. Também “fez justiça” aos comunistas, ajudando à retórica que vai tomando conta do discurso do parceiro, ao reconhecer que o PCP “nunca teria permitido que o Governo não rompesse com a política de direita”.

Com o Orçamento à vista e as exigências à esquerda a subirem de tom, Costa deixou, no entanto, alguns avisos sobre a necessidade de manter o rumo seguido até aqui: “O Orçamento visa mais rendimentos, melhores serviços públicos, mais condições para investimento e contas certas” — o bold é nosso, mas a intenção de sublinhar isto mesmo é de Costa. E houve outra frase elucidativa, trocada com Catarina Martins ainda sobre o estatuto do cuidador informal, com Costa a dizer que se essa fosse a única proposta do BE para aumento da despesa orçamental a “conversa era uma” — mas “sabemos que não é a única”.

Infarmed tira PSD do sério. Costa reconhece “teimosia”

O líder parlamentar do PSD apareceu no primeiro confronto com o primeiro-ministro pós-férias com uma agressividade reforçada, protagonizando mesmo o momento mais tenso do debate. Fernando Negrão pegou no caso da suposta deslocalização do Infarmed para o Porto para provar como “as pessoas não podem confiar na palavra” de António Costa. Disse que o episódio minava a credibilidade de Costa como político e exigiu ao primeiro-ministro que admitisse se “faltou ou não à palavra aos portugueses”. Mas António Costa não aceitou “lições — suas [de Fernando Negrão] — sobre a palavra”, e disse que responderia por escrito: através de carta. Promessa feita.

Dito isto, passou à fase do mea culpa. O processo do Infarmed foi “mal conduzido”, uma “teimosia” que, perante o facto de “ninguém concordar com a ideia” (dos trabalhadores à presidente do instituto), levou o governo a optar por “aguardar pelos trabalhos da comissão de descentralização”. As formulações usadas foram várias, mas sempre para resumir a mesma ideia: “não se governa por capricho”, e é preciso ter “humildade” para reconhecer quando é preciso dar “um passo atrás para tomar uma boa decisão em vez de dar um passo à frente para tomar um decisão porventura errada”. Acontece que, se o país não fosse uma democracia mas sim uma “autocracia do António Costa”, o Infarmed já estava no Porto. Mas o país é uma democracia. Desculpas de “mau pagador” que Fernando Negrão não engoliu: “incompetência”, resumiu na segunda ronda — que Costa apelidou de “ronda de insultos”.

Além do Infarmed, a bancada parlamentar do PSD só tinha mais um tema em carteira. Mas não era nem a nomeação da nova PGR, nem o caso do assalto a Tancos: era a construção de uma nova ala pediátrica no Hospital de São João, no Porto, que está num impasse por causa do concurso internacional para a adjudicação da obra — para o PSD, a situações excecionais correspondem soluções excecionais, pelo que o Governo devia avançar para um ajuste direto. Mas também aí, Costa empurrou com a barriga. “Quem nos dera a nós, mas o projeto foi contratado por entidade privada, o Estado não pode adjudicar um projeto que não é do Estado”. Ao que Fernando Negrão responde: então, António Costa “não tem sensibilidade social”.

Com os táxis à porta, Costa recusa mexer na lei Uber

Enquanto decorria o debate, os taxistas faziam barulho à porta. Mas nem por isso, António Costa disse que ia mudar o que quer que fosse. Com o Bloco de Esquerda e os Verdes a pedir que revogasse a chamada lei Uber, Costa não só disse que não lhe cabia a ele revogar uma lei que já foi aprovada na Assembleia da República e promulgada pelo Presidente da República, como até achava que se havia desigualdade entre táxis e as outras plataformas, essa desigualdade era “a favor dos táxis”.

Heloísa Apolónia ainda acusou Costa de “fazer batota” quando elencou as vantagens dos táxis, por se ter esquecido de elencar também as vantagens das plataformas como a Uber. É “concorrência desleal”, disse. Relativamente à formação dos taxistas, Costa disse que era “exigida para todos”, enumerando vantagens como o acesso a corredores bus e os benefícios fiscais. “A situação de desigualdade existe, mas é a favor do táxi”, disse.

Ministro da Defesa defendido (e até uma ministra por quem ninguém perguntou)

O assunto Tancos entrou de mansinho no debate, por Catarina Martins que desafiou Costa com o fim da Polícia Judiciária Militar. Não pediu responsabilidades políticas e Costa também não falou nisso, só recusou tomar “decisões institucionais perante problemas pontuais”. Seguiu até Assunção Cristas voltar a trazer o tema ao debate, pedindo responsabilidades políticas. Aí, Costa assumiu que “não é responsabilidade política de nenhum ministro estar à porta de um paiol a guardá-lo”. O que é da sua responsabilidade continua, “é quando é alertado para as condições de segurança ter reposto essas condições. E depois de se constatar que havia problemas nos paióis ordenar a revisão geral e a operação de recuperação de todo o armamento”. E o ministro, tem a confiança do primeiro-ministro? “Não só mantenho o meu ministro como a ministra da Justiça, mantenho todos os membros do governo”, disse, com Assunção Cristas a notar que ninguém tinha falado da ministra neste caso.

Cristas só tinha perguntado se Costa manteria a PJ Militar, o ministro da Defesa e o chefe do Estado Maior do Exército. Mas o primeiro-ministro achou por bem incluir aí Francisca Van Dunem, ainda que não estivesse no discurso do CDS. Fonte do Governo esclareceria a seguir que o primeiro-ministro se referia à Polícia Judiciária Militar, que tem tutela partilhada da Defesa (orçamento e logística) e da Justiça (procedimentos judiciais).