“No mínimo era ilegal, inconcebível e inadequado”. Foi nestes termos que o antigo presidente do INAG (Instituto Nacional da Água) descreveu o processo político, e as alterações legislativas que tiveram de ser introduzidas para dar “respaldo” legal à decisão do Governo de José Sócrates, de estender o domínio hídrico das barragens exploradas pela EDP em 2007, sem a realização de concurso público.

Orlando Borges, que foi ouvido esta quarta-feira na comissão parlamentar de inquérito às rendas excessivas da eletricidade, considerou mesmo que o Estado — e os ministros que o representaram — “não esteve à altura da defesa do interesse público”. A condução do processo esteve nas mãos Ministério da Economia, liderado por Manuel Pinho, que “minorizou o papel do Ministério do Ambiente que tinha a tutela dos recursos hídricos. A adjudicação foi feita por 759 milhões de euros, mas a isenção do pagamento de taxa de recursos hídricos — que segundo Orlando Borges nunca ficou explícita no despacho que fixou o valor — baixou a fatura da EDP para 705 milhões de euros. O processo foi realizado à revelia do parecer negativo e “violento” que o INAG deu na altura, mas que não impediu o então ministro do Ambiente, Nunes Correia, de ter assinado ao lado de Manuel Pinho.

A oposição do ex-presidente do INAG ficou logo clara nas respostas às primeiras perguntas feitas por Hélder Amaral do CDS onde reafirmou o teor do parecer dado pelo instituto a que presidia. O parecer já foi noticiado, mas os deputados ainda não o têm, porque a Agência Portuguesa do Ambiente (APA), organismo que absorveu o INAG, não o entregou à comissão de inquérito. De qualquer modo, sublinhou:

“Não disse nada aqui que não tenha escrito. Hoje é fácil dizer estas coisas, mas na altura não era fácil dizer nem escrever”.

Instituto da Água alertou: alargamento da concessão de barragens à EDP não fazia “qualquer sentido”

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O ex-presidente do INAG referiu que a extensão do domínio hídrico das barragens exploradas pela EDP estava já indiciado no decreto-lei que aprovou a passagem dos CAE (contratos de aquisição de energia) para os CMEC (custos de manutenção do equilíbrio contratual). Mas para Orlando Borges, foi a cessão dos CAE e a sua substituição pelos CMEC , — feita em 2005 ainda no Executivo de Santana Lopes — que “consolidou” a posição da EDP, destacando que na altura estes contratos não eram conhecidos, seriam mesmo confidenciais, afirma.

Ainda assim, considerou, ao abrigo da lei da água então em vigor não teria sido possível entregar s exploração das centrais hídricas à EDP por mais 25 anos sem concurso público. Por isso, o Ministério da Economia introduziu alterações que procuraram “dar respaldo” ao que já estaria garantido nos CMEC, defendeu.

“No mínimo, era ilegal, inconcebível e inadequado e punha em causa os princípios de uma lei da Assembleia da República” e não cumpria os valores da transparência e equidade. “O governo entendeu submeter uma autorização legislativa onde se colocaram as propostas de prorrogação dos contratos de concessão, o que permitiu passar de uma ilegalidade a uma legalidade”. Esta alteração, feita ao abrigo de uma autorização legislativa, terá permitido ultrapassar os constrangimentos legais apontados à tentativa inicial do Ministério da Economia de prolongar a extensão do domínio público por decreto do Governo.

Orlando Borges lembrou contudo que a Comissão Europeia ainda está a investigar o cumprimento das regras da contratação pública neste procedimento, tendo pedido esclarecimentos a Portugal até ao final deste mês. Isto apesar de Bruxelas já ter aceite o valor dos 705 milhões de euros.

EDP e REN fizeram o seu trabalho, o Estado é que não esteve à altura

O antigo presidente do INAG levantou dúvidas sobre a isenção do pagamento da taxa de recursos hídricos — 55 milhões de euros — e sobre a forma como foi fixada essa contrapartida a pagar pela EDP para explorar por mais 25 anos 27 barragens.

Estas prorrogações foram feitas com base em dois estudos — dos bancos de investimento Caixa BI e Crédit Suisse .”Não sei quem os encomendou, quem os pagou, nem quem os validou”. Orlando Borges lembrou que esta seria uma competência do Ministério do Ambiente, mas que o ministro à data — Nunes Correia — teria tido dificuldades em obter os estudos apesar de ter assinado o despacho que validou o valor da contrapartida que veio a ser paga pela EDP ao Estado. Orlando Borges referiu que disse ao ministro que estava em causa o interesse público e até pediu a intervenção do ministro das Finanças, numa altura em que estava a ser preparada uma privatização da EDP.

E qualificou de “espantosa” a isenção da taxa e porque não se percebe nem faz sentido que os “Srs. ministros” (referência a Manuel Pinho e Nunes Correia) tenham decidido não usar o valor mais alto proposto pelos estudos independentes, mas sim o valor médio para determinar a contrapartida a pagar pela EDP que foi definida sem considerar a taxa de recursos hídricos.

O estudo apresentado pela Caixa BI demorou apenas três dias a ser feito, considerando a data da adjudicação, referiu o deputado Jorge Costa do Bloco de Esquerda.

Para o antigo presidente do INAG, quem falhou neste processo não foram as empresas, mas sim o Estado, neste caso os ministros que o representaram neste processo. Os interlocutores do lado da EDP, referiu João Manso Neto (atual presidente da EDP Renováveis) e da REN não tiveram uma postura pressionante. “A EDP e a REN fizeram o trabalho que lhes competia. Quem estava no Estado — os ministros — é que não esteve à altura”, da defesa do interesse público.

Orlando Borges defendeu ainda a competência de Miguel Barreto, enquanto diretor-geral de Energia com quem teve várias reuniões de trabalho. E destacou as pessoas de “alto nível e capacidade” como Manso Neto e António Mexia.

“É preciso é que da parte do Estado haja quem esteja à altura de responder a essa excelência da defesa dos interesses acionistas”.

Quando questionado sobre o racional da decisão então tomada pelo Governo, responde: “Temo que não haja racional, mas a questão deve ser colocada aos ministros”. Para além do resultado, Orlando Borges considerou ainda que não deveria ter sido possível desencadear um procedimento tão ligeiro de salvaguarda dos interesse do Estado, saltando várias etapas previstas na lei, nomeadamente no que toca à fixação das contrapartidas a pagar pela EDP.