Na nossa vida moderna, crescemos com a ideia de que mudar é sempre sinónimo de melhoria. Esperamos que a transfiguração de algo seja sempre para melhor. No entanto, quando tentamos aplicar essa lógica aos videojogos com iterações anuais percebemos que é muito difícil mudar, de forma constante, de ano para ano. Que o diga a série FIFA, a milionária franquia de videojogos de futebol.

Com as expectáveis poucas mudanças de ano para ano, há muito que defendemos um sistema de subscrição anual para este tipo de jogos, que permita aos consumidores receberem a nova iteração automaticamente por sistema de update. Especialmente porque os jogos de futebol são aqueles que têm uma maior desvalorização em revenda, após a saída de um novo título, tornando-se em todos os aspetos obsoletos. Esse sistema acabou por ser criado pela EA e tem o nome de Origin Access Premier (disponível em exclusivo em PC). Um serviço que subscrevemos recentemente e cuja análise detalhada já foi publicada.

Apesar do mercado dos videojogos de futebol não ser muito concorrido, existem dois gigantes que andam há muitos anos a competir entre si para perceber qual é o melhor videojogo da modalidade, e que ocupam quase todo o mercado sozinhos. Se o PES (cuja edição 2019 já foi analisada por nós há algumas semanas) foi a primeira a ser lançada, FIFA 19, este ano com Cristiano Ronaldo na capa veio mais uma vez confirmar que a série da EA aposta em cimentar a sua posição de campeã dos jogos de futebol.

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As diferenças entre os dois jogos continuam a ser claras. Onde o PES é futebol mais compassado, criando uma putativa simulação do desporto-rei, o FIFA é na realidade futebol-espectáculo, com um irrealismo frenético dos jogadores serem uma espécie de carros de alta-cilindrada pelo relvado. FIFA sempre quis simular futebol, mas fá-lo com uma interpretação própria, com jogadores em quase constante alta velocidade a excederem os seus limites de resistência física com grandes incursões pelo meio-campo adversário. Esta talvez seja uma das razões pelas quais é tão diferente ver um jogo de FIFA e um de PES a serem jogados por outras pessoas. Uma diferença que é percetível de imediato quando somos nós a pegar no comando e a controlar os jogadores. O segredo para o sucesso mediático de FIFA enquanto eSport pode também residir aqui, no facto de que a abordagem “quase jogo de arcada” da série é mais apetecível de se assistir do que a abordagem do seu concorrente.

As últimas edições de FIFA foram um sucesso, cada uma delas a trazerem alterações quase impercetíveis aos jogadores casuais, com o intuito de afinar e equilibrar algumas das fraquezas que o jogo podia possuir. Não seria de esperar que entre a edição 18 e a 19 existissem alterações de fundo àquilo que é o jogo, o que não significa que alguns pormenores adicionados este ano não façam do FIFA um jogo ligeiramente diferente do que conhecemos.

Na primeira edição, reside uma camada do jogo de ser uma espécie de party game para amigos. Nem toda a gente compra FIFA pela visão hardcore da modalidade ou com a intenção de tentar progredir profissionalmente até estar a jogar nas competições recém-criadas pela Federação Portuguesa de Futebol. Muitos dos jogadores que compram FIFA anualmente têm uma relação casual com o jogo, encarando-o como o título ao qual recorrem para momentos de entretenimento curto. Utilizando-o também como a resposta para “o que jogar?” quando têm vários amigos em casa. Para esses jogadores, a EA Sports introduziu um sistema de regras caseiras à partida, que nos permite configurar diversos modos mais festivos sobre a clássica partida de futebol. Seja desativar todas as regras de futebol, como faltas, cartões, foras-de-jogo e afins, ou um modo de Sobrevivência, em que cada equipa tem de eliminar um jogador sempre que o adversário marca um golo. Esta camada de casualidade do FIFA foi uma excelente adição para todos os jogadores que começavam a criticar a aposta quase total nos modos competitivos online.

Há poucos meses, a EA revelou que tinha conseguido “roubar” os direitos de utilização da Liga dos Campeões e da Liga Europa à sua rival Konami, o que acabou por enfraquecer, e muito, a posição do PES, que as tinha como um dos grandes selling points. FIFA 19 acaba por dar uma grande atenção a estas recentes “contratações” especialmente no modo “narrativo” The Journey, onde vamos viver a terceira e última parte da vida do jogador ficcional Alex Hunter, desta vez a chegar às grandes competições europeias.

Mecanicamente, existem alterações subtis, que segundo o que os jogadores profissionais portugueses de FIFA nos afirmaram fazem toda a diferença a nível competitivo. Mudanças de game design que pouco impacto terão em jogadores casuais mas que podem alterar a forma como o jogo se comporta no campo dos eSports. São as alterações ao sistema de remate, que agora funciona com uma barra de timing, em que temos de pressionar o botão para rematar no momento certo sob pena de a bola não ter a intensidade ou trajetória ideais. Ou a possibilidade de colocar apenas os passes em modo manual, imputando algum realismo à movimentação e troca de bola dos jogadores em campo.

Para os treinadores de sofá, as componentes táticas estão também mais complexas. FIFA 19 permite-nos uma micro-gestão do comportamento dos jogadores em momentos específicos da partida, como contra-ataques, recuos para a defesa e lances de bola parada. Permite-nos também definir antes do jogo alguns planos táticos que podem ser rapidamente postos em prática a meio das partidas, sem termos de perder muito tempo a fazer as alterações posicionais manualmente.

Mas uma das grandes mais valias deste FIFA 19 é que jogá-lo traz-nos uma ideia de fluidez crescente em relação aos seus antecessores. Sem praticamente nenhumas alterações em grande parte dos modos de jogo, FIFA soube alterar-se em pequenos pormenores na missão única de melhorar a experiência de futebol. Procurando um realismo de simulação que poderá nunca vir, mas que tem no seu lugar uma forma brilhante de viver a modalidade nos videojogos.

Ricardo Correia, Rubber Chicken