Além de poder ser um médico dos serviços militares e não um simples civil, como chegou a afirmar Vladimir Putin, o segundo suspeito da tentativa de envenenamento ao ex-espião Sergei Skripal e à sua filha Yulia terá sido condecorado pelo presidente russo em 2014, alegadamente por atividades desempenhadas na Crimeia (anexada pela Rússia nesse ano) ou relacionadas com o antigo presidente ucraniano Viktor Yanukovych, que saiu do poder nesse ano. A informação é revelada pelo site de investigação Bellingcat, que já tinha identificado o primeiro suspeito do ataque e que cita agora fontes “próximas da família” do segundo suspeito.

O site fundado pelo britânico Eliot Higgins, que recorre a cidadãos-jornalistas para investigar casos criminais e episódios ocorridos em zonas de guerra, tinha revelado esta segunda-feira a identidade do segundo suspeito da tentativa de envenenamento ao ex-espião russo, que trabalhou como agente duplo para o Reino Unido e a que Putin chamou “um espião, um traidor da pátria”.

Alexander Mishkin, um médico dos serviços militares russos, será, segundo o Bellingcat, a verdadeira identidade de Alexander Petrov. O relatório da investigação à identidade de “Petrov” foi publicado na íntegra às 13h desta terça-feira e inclui a revelação de que, tal como o primeiro, também o segundo suspeito terá sido agraciado com o título “Herói da Federação Russa”, a distinção mais elevada existente no país. O título honorífico reconhece “serviços de valor heróico prestados ao estado e à nação”.

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“Já produzimos provas de que ‘Alexander Petrov’ não é uma pessoa verdadeira, mas um nome de disfarce para um funcionário de uma agência de segurança russa. Num relatório posterior, revelámos que ‘Petrov’ estava a trabalhar especificamente para a GRU, agência militar russa”, refere o Bellingcat, na publicação desta terça-feira.

O site de investigação avança que, quando receberam as condecorações — que são atribuídas por ordem e decisão direta do presidente russo –, Anatoly Chepiga e Alexander Mishkin, apontados por este site como os verdadeiros suspeitos do envenenamento, mudaram-se para novos apartamentos, avaliados respetivamente em 500 e 350 milhares de euros. O jornal acredita que os apartamentos terão sido remunerações “em espécie”, paralelas mas motivadas pelas condecorações.

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O cargo militar de Aleander Mishkin e a sua importante atual nos serviços russos é desconhecida. Baseando-se, contudo, na hierarquia de evolução de posto na Academia Militar russa e no tempo passado desde que nela entrou, o Bellingcat estima que o homem que acusam de estar por por detrás do disfarce “Alexander Petrov” seja atualmente coronel ou tenente-coronel.

Nascido na aldeia de Logya, em 1979, povoação “tão remota que não tinha nenhuma estrada de acesso ao resto da Rússia”, Mishkin terá vivido na sua terra natal pelo menos até 1995, segundo o Bellingcat, época em que teria 16 anos. Algures entre 1995 e 1999, ter-se-á mudado para São Petersburgo.

Não conseguimos determinar o que levou a essa mudança [para S. Petersburgo], embora algumas pessoas próximas da família tenham mencionado que ele entrou numa academia militar. Estabelecemos, isso sim, com certeza, que antes de 2001 entrou como estudante na Academia Médica Militar de S. Kirov, popularmente conhecida na Rússia como VMEDA.”

Mishkin terá estudado na quarta divisão da academia, que “treina médicos militares para as Forças Armadas navais [marinha] russas”. Especializou-se em medicina submarina e hipobárica (em cenários inferiores à pressão atmosférica) e ter-se-á licenciado com sucesso entre 2003 e 2004, tornando-se médico militar.

“Não se sabe ao certo” quando Mishkin terá sido recrutado para a agência GRU, “se antes, durante ou depois dos seus estudos médicos e militares”. Contudo, afirma o Bellingcat, “entre 2007 e 2010 mudou-se para Moscovo e recebeu uma identidade alternativa para atuar sob disfarce”, com novos documentos como “um segundo cartão de cidadão e um segundo passaporte para viajar, que o identificavam como Alexander Petrov”.

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O apelido dos familiares terá sido também mudado para Petrov e o local de nascimento para Kotlas, cidade situada a aproximadamente 100 quilómetros daquele que o Bellingcat aponta ser o verdadeiro local de nascimento.

Utilizando a nova identidade, Mishkin registou uma morada de Moscovo ocupada por diferentes indivíduos que dificilmente estarão ligados a si ou terão conhecimento da sua existência. O verdadeiro Mishkin viveriaa com a sua mulher e duas crianças numa outra morada também em Moscovo”, refere o site.

O Bellingcat terá acedido “a dados cruzados da fronteira” que, embora “incompletos”, mostram que “entre 2010 e 2013, Mishkin viajou múltiplas vezes até à Ucrânia, sob o disfarce de Alexander Petrov”. A sua última viagem a este país terá ocorrido “a meio de dezembro de 2013”.

Até setembro de 2014, ano em que a Rússia anexou a Crimeia, a morada de Mishkin em Moscovo seria “Khoroshevskoye Shosse 76B”, que é na verdade a sede da agência russa GRU. O site britânico acrescenta que confirmou que também o Coronel Chepiga, que acusam de ser o primeiro suspeito da tentativa de envenenamento, teria essa morada como residência registada. Isto não significa que “ambos vivessem fisicamente na sede da GRU”, mas sim que o seu verdadeiro local de residência foi “mantido confidencial”.

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