A expressão “bad hombres“, usada por Donald Trump num debate em vésperas da sua eleição — para falar dos imigrantes que, na opinião do candidato, era preciso expulsar do país — tem, finalmente, um concorrente à altura no que diz respeito ao uso de vocábulos latino-americanos quando o Presidente dos EUA quer reforçar uma mensagem.

Durante a campanha eleitoral, Trump criticou o banco central norte-americano — a Reserva Federal — por manter as taxas de juro demasiado baixas para beneficiar Barack Obama, Hillary Clinton e o partido democrata –, mas agora que está na Casa Branca já por várias vezes se disse “dececionado” com o ritmo mais rápido a que as taxas de juro estão a subir. Na quarta-feira, porém, foi mais longe nas críticas: o banco central está a ficar “loco“, ou seja, endoideceu.

Os investidores refugiaram-se na dívida pública e as bolsas afundaram, arrastando consigo todos os mercados globais não só na quarta-feira mas, também, esta quinta-feira. As bolsas estão “locas” ou será uma queda temporária?

O índice norte-americano S&P 500 caiu para os valores mais baixos desde fevereiro e o índice Nasdaq teve o pior dia dos últimos sete anos, segundo a Bloomberg. As perdas alastraram-se para as bolsas europeias e o PSI-20 derrapou mais de 2% na quarta-feira — esta quinta-feira, as perdas foram mais contidas, cerca de 0,6%, mas o índice esteve a cair mais 1,5% durante a sessão. Para explicar a queda das bolsas de ações, os analistas apontaram para outro mercado: as obrigações.

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Um dos riscos que mais preocupam os especialistas em mercados financeiros, nesta fase, é que, com a normalização da política monetária nos EUA, as taxas de juro no mercado possam subir de uma forma mais brusca do que seria desejável. A Reserva Federal define as taxas de juro de referência e, ao fazê-lo, influencia as taxas da dívida pública — mas não as consegue controlar por completo, porque dependem de muitos outros fatores além da política monetária do banco central.

Se as taxas de juro no mercado subirem demasiado rapidamente, isso significa custos de financiamento mais caros para as empresas (daí o impacto sobre as respetivas ações) e, entre os outros vários impactos, leva a que mais investidores vejam na dívida pública dos EUA — os Treasuries — uma rentabilidade mais apetecível, capaz de fazer com que saia mais dinheiro dos mercados de ações em direção aos mercados de obrigações.

A subida das yields [taxas de juro]das obrigações a 10 anos norte-americanas despoletou este “sell off” no mercado acionista. Com esta queda brusca aumentou a volatilidade, levando a que os gestores de fundos e modelos automáticos de negociação fossem ‘obrigados’ a vender, aumentando o tamanho da queda dos índices acionistas. Ao subirem as yields há, também, uma transferência de investimento de ativos de risco, ou seja, ações para obrigações, consideradas menos arriscadas e agora com uma rentabilidade mais elevada”, explica a corretora XTB em comentário enviado aos clientes esta quinta-feira.

Sobretudo na primeira parte do mandato, foi frequente ouvir (ou ler, no Twitter) Donald Trump a reclamar para a sua liderança política os louros da subida das bolsas. Note-se que o S&P 500 acumulava uma valorização anual de 10% até à sessão de quarta-feira e o Nasdaq de cerca de 19%. Confrontado com a descida dos principais índices, Donald Trump recusou a ideia de que possa estar relacionada com as tensões comerciais com a China e com a Europa. “O problema que eu tenho é com a Fed, que está a enlouquecer. Não sei qual é o problema deles, que estão a subir as taxas de juro e é ridículo”.

EUA preparam fim da era do “dinheiro barato”

Além da subida dos juros anunciada em dezembro, os analistas estão a antecipar mais uma mexida em dezembro, de forma a conter as possíveis pressões inflacionistas que podem gerar-se devido ao crescimento da economia. O produto interno bruto (PIB) subiu 4,2% no segundo trimestre, em termos anualizados, quase o dobro do que tinha sido registado no primeiro trimestre. E a taxa de desemprego — a segunda componente do mandato da Fed — também está no valor mais baixo desde 1969, nos 3,7%.

Estes indicadores explicam que a Fed esteja empenhada em não manter os juros demasiado baixos por demasiado tempo, caso contrário poderá formar-se uma espiral inflacionista que, depois, será mais difícil de controlar. Na opinião de Trump, e porque há economistas que não excluem o risco de uma recessão nos EUA nos próximos anos, estas subidas de taxas de juro são completamente desnecessárias — portanto subi-las tão rapidamente é, no fundo, “going loco”.

Várias figuras de relevo da alta finança e da economia mundial saíram em defesa de Jerome Powell que, recorde-se, foi nomeado pelo próprio Donald Trump para substituir Janet Yellen no início do ano (que tinha sido severamente criticada pelo então candidato Trump). A voz mais influente a defender Powell foi Christine Lagarde, diretora-geral do Fundo Monetário Internacional (FMI): “Não o associo a loucura. A imagem que ele passa é de ser extremamente sério, sólido e empenhado em basear as suas decisões em dados concretos e em comunicar essas decisões da forma adequada. É isso que tenho observado”.

“Ainda é cedo para perceber se a aceleração das perdas nas bolsas é uma correção saudável ou apenas a ponta do icebergue”, comentou esta quinta-feira o Commerzbank, em nota enviada aos investidores. A agência Bloomberg, contudo, fez uma sondagem rápida junto de investidores e concluiu que, apesar da dimensão impressionante da queda das bolsas, não era palpável uma sensação de “pânico” na bolsa de Nova Iorque.

A área de investimento do Bankinter Portugal parece estar confiante de que as bolsas vão estabilizar. “A pergunta que todos fazemos hoje é: o ciclo inverteu e estamos a entrar em recessão? A resposta é: não. A não ser que se torne numa profecia autorrealizável — o que não deveria ocorrer acaba por ocorrer porque a maioria do mercado acredita que irá ocorrer — ainda não estamos nesse ponto”.

A gestora de ativos Fidelity acrescenta que “a forte derrapagem nas ações dos EUA não terá apanhado ninguém de surpresa”. “Tendo em conta que as perspetivas de médio prazo para a economia mundial continuam robustas e a retirada gradual dos estímulos são um sinal de regresso a condições mais normais, a resposta correta que os investidores devem dar é ‘caçar’ valor em áreas onde possa estar a ocorrer uma venda demasiado agressiva”.

Também a XTB acredita que não se trata de um enlouquecimento da Reserva Federal ou das bolsas — a descida dos mercados esta semana não será, portanto, mais do que um episódio de insanidade temporária, ou seja, uma correção normal e previsível sempre que os preços sobem muito em pouco tempo. “Esta queda fortíssima de ontem faz lembrar as quedas dos mercados de fevereiro e coloca muito boas empresas a preço de saldo. O mercado norte-americano tem registado uma estratégia vencedora, que é ‘buy the dip‘, comprar na queda”, aconselha a corretora.