Mário Centeno foi ouvido esta manhã no Parlamento, o último dia para os partidos apresentarem propostas de alteração à proposta do Governo de Orçamento do Estado para 2019. Os partidos já apresentaram mais de 500 propostas de alteração e mais deverão chegar até às 19h00, prazo final. Na audição, o ministro das Finanças disse aos deputados que cabe à Assembleia da República aprovar ou rejeitar estas propostas, mas deixou uma mensagem clara: “Estes aditamentos e alterações devem manter e respeitar o equilíbrio orçamental”. Da esquerda à direita, as queixas multiplicam-se, com as cativações de despesa no centro do debate.

Na audição que fecha o processo de audições na especialidade dos ministros no Parlamento, Mário Centeno começou por deixar um aviso aos deputados de que o trabalho que foi feito para colocar as contas públicas em ordem não pode ser colocado em causa, apesar de estar nas mãos dos deputados aprovar as propostas de alteração ao orçamento. “Não podemos, no entanto, deixar de expressar a nossa firme convicção: para contarem com a aprovação dos portugueses, esses aditamentos e alterações devem manter e respeitar o equilíbrio orçamental. A colaboração do Governo tem como limite a responsabilidade pelo futuro do país, que não colocaremos em causa em nenhuma circunstância”, disse.

“O debate na especialidade tem que manter estes compromissos. Não o fazer é colocar em causa o esforço de recuperação de rendimento, de reforço da confiança e respeito pelos direitos e conquistas que são, hoje, de novo de todos os portugueses. Não contem connosco para isso. Os portugueses não merecem que se coloque em causa tudo aquilo que conseguimos nesta legislatura”, acrescentou. E havia de o repetir mais tarde, em resposta a João Almeida, quando o deputado do CDS atirava ao crescimento do país, garantindo que “está a crescer menos do que os países que com que se tem de comparar. Estamos a crescer menos e temos cada vez mais países à nossa frente”, atirou a Centeno e às metas de crescimento traçadas pelo Governo.

Na resposta, o ministro disse que o OE foi “construído com números que são conservadores do ponto de vista económico” e que é essa prática que tem permitido “nunca ter havido um retificativo ao longo da legislatura”. E voltou a alertar que “as medidas que vão ser discutidas, todas elas devem ter os dois lados da balança porque senão vamos induzir os portugueses por um caminho que a seguir nos vai levar a um travão. E não é isso que está neste Orçamento”, garantiu.

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O ministro das Finanças explicou ainda, em resposta ao deputado socialista João Paulo Correia, que no ano passado, o conjunto das propostas de alteração que foram apresentadas para alterar o Orçamento do Estado para 2018, que está em vigor, teriam duplicado o valor do défice. “No ano passado, o conjunto dessas propostas representava mais de 1400 milhões de euros de aumento de despesa ou de receita não realizada”, disse.

O défice previsto para este ano é de 1490 milhões de euros, ou 0,7% do PIB. Se as propostas tivessem sido todas aprovadas, o défice poderia aumentar para cerca de 1,5% do PIB, face ao valor que se espera atingir no final do ano.

Esta linha havia de manter-se até ao fim — com vários temas pelo meio (ver o texto abaixo) — com o PCP, na última intervenção a dizer o Governo este ano “podia ter acomodado no Orçamento as propostas justíssimas do PCP, mesmo assim teria conseguido cumprir a meta do défice que propôs para 2018”. Paulo Sá disse mesmo a Centeno que “está preocupado que as propostas possam pôr em causa a consolidação. E nós desconfiamos que para o ano o défice vai ficar abaixo do que o Governo prevê. Há espaço para acomodar as medidas que o PCP apresentou”. Centeno falaria a seguir para manter que a “responsabilidade” do Governo quando “encontra um equilíbrio entre as medidas tomadas e projetadas para o futuro é ter capacidade de precaver o humor das flutuações económicas”.

“Mário, o cativador”. PSD quer saber quais as cativações de 2019 e BE também

O PSD foi o primeiro a questionar o ministro, nesta audição, para colocar um “cognome” a Mário Centeno: “Centeno, o cativador”. Duarte Pacheco disse que os sociais-democratas não vão “desistir de melhorar” o Orçamento, através de propostas de alteração que já apresentaram mas também diz que “não tem esperança de ainda poder melhorar a situação”. E isto porque o PSD considera que tudo o que o ministro das Finanças anuncia, “o investimento que anuncia, tudo isso é ficção porque o que conta é a execução. O seu cognome é Mário, o cativador. No final não vai ser o que o senhor anunciou, mas o que é necessário para alcançar a meta que pretende atingir”, disse Duarte Pacheco dirigindo-se a Centeno.

O social democrata admitiu que o défice no final do próximo ano possa ser mesmo o que o Govenro aponta: “Até lhe dou o benefício da dúvida e que possa ser os 0,2%, vai cortar na despesa o que for necessário cortar para alcançar essa meta. Era útil que dissesse de forma transparente e clara onde pensa cortar, quais as cativações que pensa fazer”, desafiou.

Já toda a gente percebeu que o Governo inscreve uma meta para cumprir”, disse também Mariana Mortágua

Na resposta ao deputado social-democrata Duarte Pacheco, o ministro das Finanças deixou uma dura crítica ao PSD. No entendimento de Mário Centeno, as propostas que foram apresentadas esta quinta-feira pelo partido — 104 propostas de alteração ao Orçamento — “são propostas desesperadas” e nas quais “se vê um espelho de outros partidos”. A explicação, diz, é que estas propostas são “contrárias aquilo que o PSD sempre defendeu”. “Temos que nos entender. O que é que temos afinal de contas? Que PSD temos aqui ao longo das próximas duas semanas de especialidade?” questionou o ministro.

“Ficamos à espera de que com a listagem das medidas o PSD possa colocar o impacto para 2019, como para os anos seguintes. Aliás, devia ser assim” que deviam ser feitas as propostas, disse o ministro mais à frente. No entanto, na proposta de Orçamento, e como disse o Conselho das Finanças Públicas, o próprio Governo não dá indicação de quanto irão custar as medidas que está a tomar no Orçamento para 2019 a partir de 2020 em diante.

Mas as queixas sobre a despesa que não é executada e as cativações do ministro não vêm apenas da direita. Os parceiros também falam no assunto, caso do Bloco de Esquerda onde Mariana Mortágua disse que “já toda a gente percebeu que o Governo inscreve uma meta para cumprir outra e à custa do investimento. Já toda a gente compreendeu isto”.

A deputada do Bloco colocou mesmo como principal questão a esclarecer no Orçamento “se os reforços orçamentais serão efetivamente gastos. Sabemos que os que são aprovados não são normalmente gastos”. E acusa Centeno de estar submetido a uma meta de défice que pressiona a gestão dos dinheiros públicos: “É difícil perceber porque há margem para o  défice, mas não há margem para contratar profissionais para o INEM, psicólogos para o SNS, para medidas que apoiem mais a cultura, se mantêm défices na justiça”. Por isto mesmo, Mortágua pede números sobre as cativações executadas no último ano e as que são previstas pelo ministro para o ano que aí vem.

Mário Centeno não tinha respostas concretas para dar e prometeu ter as contas feitas às cativações nos próximos dias para poder apresentar no Parlamento. No entanto, quando respondia ao CDS e falava nas metas conservadoras que lhe têm permitido nunca apresentar um retificativo disse que “nunca houve um pedido adicional de despesa feito ao longo do ano”.

Regularização de precários: há mais de 15 mil pareceres “prestes a ser concluídos”

No Bloco, Mariana Mortágua ainda perguntou sobre o programa de regularização extraordinária dos vínculos precários na Administração Pública, em que “há 13 mil pareceres positivos, mas não há concursos abertos”. E depois dela, Rita Rato, do PCP, havia de perguntar o mesmo ao ministro das Finanças que ainda não tinha dado uma resposta sobre o assunto na audição. Centeno acabou por passar a bola à secretária de Estado da Administração Pública, Maria de Fátima Fonseca, que atualizou os números.

“Existem muitos concursos abertos, 14 mil pareceres favoráveis e quase 12 mil com homologação completa. E neste momento, mais de seis mil postos de trabalho estão em concurso na Administração Central. Se se juntarem os dados da administração local, são mais de 15 mil pareceres concluídos ou prestes a ser”, disse a secretária de Estado da Administração Pública em modo de balanço do programa.

Maria de Fátima Fonseca também aproveitou para responder às reivindicações de Rita Rato sobre aumentos salariais na função pública, dizendo que “o trabalho negocial está longe de estar concluído este ano”. O Governo — e o PCP também — tem remetido para a negociação com os sindicatos a questão dos aumentos salariais na administração pública.

A questão foi novamente levantada por Isabel Pires do BE e desta vez foi Mário Centeno a justificar que o PREVPAP se trata de um processo complexo e onde “as decisões têm de ser todas muito bem pesadas. Não podemos querer resolver um problema criando centenas. A litigância laboral é o fenómeno mais disruptivo de todas as relações laborais”, alertou Centeno. “Não podemos criar problemas de trabalhadores contra trabalhadores”.

O ministro garantiu que o PREVPAP é “uma enorme aposta comum e que tem de ser atingido, mas sem colocar em causa a relação do trabalhador com a Administração e entre os trabalhadores”.

IRS. Governo avisa que propostas comunistas “têm efeitos nos escalões mais elevados”

Paulo Sá do PCP, interveio no debate para “valorizar” medidas de reposição de rendimentos, mas queixou-se uma proposta de Orçamento que diz ser “limitada pelo Governo e pela União Europeia. É possível ir mais longe”, advertiu o deputado comunista que acrescentou ao debate o tema da fiscalidade.

Os comunistas terão “cerca de duas dezenas de propostas na área da fiscalidade”, anunciou Paulo Sá que insistiu na continuação da atualização dos limites dos escalões de IRS à taxa de inflação: “É assim que deve ser”. O PCP propõe ainda a criação de um 8º escalão no imposto sobre os rendimentos.

Na resposta, o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, António Mendes, disse que “a alteração do número escalões do IRS foi a maior mudança da legislatura. É isso que faz um enorme alívio fiscal das famílias”. Ainda assim, o governante socialista que a proposta comunista tem “efeitos marginais” e “só tem efeito nos escalões mais elevados” do IRS.

A política fiscal não é uma questão de gosto

Depois da questão muito debatida em torno da redução do IVA para as entradas nos espetáculos culturais prevista no Orçamento, que tem gerado polémica sobretudo pela ausência das touradas — que se mantêm nos 13% –, o secretário de Estados dos Assuntos Fiscais veio deixar mais uma interpretação: “a política fiscal não é uma questão de gosto”, disse.

As suas palavras surgem depois de várias reviravoltas neste processo. A ministra da Cultura disse que a taxa se mantinha nos 13% e não iria ser alterada não por uma questão de gosto, mas por uma “questão de civilização”. Os deputados não gostaram, incluindo os do PS, e o próprio Partido Socialista vai apresentar uma proposta para reduzir o IVA para as touradas, mas vai dar liberdade de voto nesta matéria. O primeiro-ministro insurgiu-se contra a proposta e instou ao chumbo da proposta pelo seu próprio partido.

“A política fiscal não é definida em relação ao gosto, é definida em relação a outros critérios”, disse ainda o secretário de Estado, que defendeu que as mudanças que o Governo quer fazer já representam uma melhoria face ao que está previsto no que diz respeito às entradas nos espetáculos culturais. António Mendonça Mendes explicou ainda que, no caso dos cinemas, o Governo quer garantir primeiro que os cinemas independentes têm maior capacidade de dedução, não afastando a possibilidade de esta redução se alagar aos restantes cinemas comerciais. No entanto, estes cinemas comerciais, diz, têm outros serviços além dos cinematográficos e por isso têm maior capacidade de dedução.

Governo não vai descongelar 400 a 500 milhões de verbas alvo de cativações

O ministro já o tinha dito durante a audição e o secretário de Estado do Orçamento concretizou. No final do ano, o Governo espera manter cativadas entre 400 e 500 milhões de euros de verbas que o Governo fez depender a sua utilização da autorização prévia do ministro das Finanças.

Este valor, disse João Leão, será mais baixo do que o valor que ficou congelado no final de 2017, que precisou que esse caminho já está a ser feito e que em setembro deste ano já estavam congeladas apenas 700 milhões de euros.

O secretário de Estado do Orçamento fez questão ainda de precisar que durante a anterior legislatura as taxas de cativação eram “muito mais elevadas que as atuais”, isto porque as cativações são aplicadas não em valor, mas em percentagem do valor do orçamento. Ou seja, os orçamentos eram menores na anterior legislatura, logo as taxas eram mais elevadas. Na atual legislatura, as taxas podem ser mais baixas, mas os valores cativados por Mário Centeno foram sempre mais elevados.