A escritora portuguesa Lídia Jorge afirmou esta terça-feira em Paris que a Europa sempre teve “uma crise identitária” e que a identidade europeia oscila entre o lado “luminoso” e o lado “obscuro”.

Por um lado, a Europa criou o sistema filosófico mais generoso do mundo, as raízes do Humanismo, os ideais mais elevados, e, ao mesmo tempo, no mundo dos negócios e da economia, foi exatamente o contrário. É uma pátria mortal. Não compreendemos a Europa e os seus países sem compreender estes diferentes lados: um luminoso e outro obscuro”, afirmou a escritora

Lídia Jorge falava na delegação da Fundação Calouste Gulbenkian na capital francesa, na conferência “Cultura, Identidade, Democracia”, debatendo estes temas com a politóloga francesa Catherine Wihtol de Wenden. A escritora considera que a ideia de uma identidade nacional ou europeia fixa é “uma doença”.

“A Europa teve sempre uma crise identitária, agora calha-nos a nós vivê-la. O mesmo acontece em todos os séculos. E uma identidade é formada por várias identidades. Uma identidade fixa é uma doença”, disse Lídia Jorge. A escritora portuguesa referiu que as eleições europeias, em maio, podem trazer “menos discussão e mais destruição” ao seio das instituições europeias, mas confia, acima de tudo, na cultura europeia.

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A Europa culturalmente tem tanta força, é tão importante e a troca tem sido tão forte entre as cidades, entre as universidades, que continuo com esperança no futuro da identidade europeia”, salientou

Catherine Wihtol de Wenden, diretora emérita do centro de investigação na Sciences Po Paris, considera, por seu lado, que a identidade europeia está em permanente evolução: “Uma identidade europeia é necessariamente evolutiva e, no debate atual, parece que a identidade devia ficar cristalizada num sonho ou num passado que era melhor”, disse a investigadora.

Para Wihtol de Wenden, o ressurgimento dos nacionalismos está ligado ao medo. “Muita gente tem medo da mundialização, de novos modos de vida. Estamos a avançar para uma configuração que não conhecemos e isso faz-nos voltar ao que conhecemos, como as fronteiras, o Estado e até aos sistemas autoritários”, explicou a politóloga, indicando ainda que em França abundam os mitos criados para gerar coesão nacional no século XIX.

“França vive no mito da autoctonia, porque quisemos definir a história da França entre pessoas que não tinham muito que ver umas com as outras e que nem partilhavam a mesma língua. Assim, no início da escola republicana, inventámos o mito dos gauleses”, assinalou Catherine Wihtol de Wenden, referindo que, em França, um em cada quatro franceses tem pelo menos um avô ou bisavô de outra nacionalidade, o que devia ser o suficiente para destruir os argumentos de quem se opõe à imigração como argumento de destruição da sociedade francesa.

Esta conferência aconteceu no âmbito do ciclo “Débats croisés” proposto e organizado por Álvaro Vasconcelos, antigo diretor do Instituto de Estudos de Segurança da União Europeia.