Em setembro, quando foi apresentada a programação do primeiro ciclo da nova vida da Culturgest com direção de Mark Deputter, Norberto Lobo, Marco Franco e Bruno Pernadas subiram ao palco vestidos de Montanhas Azuis. Não era a primeira apresentação pública do trio, mas ali mostrava-se um desenho quase final da música que estariam a desenvolver para o álbum de estreia, Ilha de Plástico, editado em CD e cassete nesta sexta-feira, 15 de fevereiro, pela Revolve.

A música que os três desenvolveram é contemplativa e, ao longo do álbum, está em constante mutação, com uma narrativa imagética carregada de sentido e com proporções de uma espécie de romantismo japonês que poderia estar presente num filme de animação dos estúdios Ghibli. Na entrevista, Bruno Pernadas diz que não gosta de pensar na música assim, numa banda-sonora para algo que não existe, mas as cores dos sons de Montanhas Azuis ocorrem em constantes explosões visuais que pedem uma imagem na cabeça do ouvinte.

A apresentação de Ilha de Plástico neste sexta-feira no Grande Auditório da Culturgest (21h00) contará com a presença de Pedro Maia, realizador português, com muita estrada, experiência e visão em trabalho visual para concertos, tendo já trabalhado com Craig Leon, Demdike Stare, Lee Ranaldo e Fennesz, entre outros. Foi na Culturgest que nos encontrámos com Marco Franco e Bruno Pernadas sobre a música impossível-possível dos Montanhas Azuis, o seu álbum de estreia e o concerto de apresentação em falso quarteto com Pedro Maia.

[“Faz Faz”, do álbum “Ilha de Plástico”:]

Como é que nasceram os Montanhas Azuis?
Marco Franco (MF): Antes de ter esta definição, até como nome, existia em duo comigo e com o Norberto Lobo, fazíamos sessões em casa, praticávamos temas, chegámos a fazer três concertos, isto tudo espaçado ao longo dos últimos quatro, cinco anos. Queríamos alargar o formato de duo para trio; eu e ele partilhamos esta ideia de gostarmos formações em trio, por ser uma espécie de santíssima trindade ou uma pirâmide, tem uma configuração mais energética.

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A terceira pessoa puxa outras ideias?
MF:
Neste caso não há hierarquia de vórtices, mas uma simbologia, sim, e é ímpar.

Sou grande fã de grupos ímpares.
MF:
Eu também. E tínhamos pensado num terceiro elemento ao longo dos tempos e de repente surgiu a possibilidade do Bruno Pernadas entrar na equação. Fui eu que falei nele e o Norberto disse-me que também já tinha pensado nele. A partir daí começámos a tocar, fizemos um concerto há um ano, dia 3 de Fevereiro de 2018, na Zé dos Bois. Foi a primeira aparição real de Montanhas Azuis. E, agora, gravámos um álbum.

Como é que o aliciaram?
Bruno Pernadas (BP):
Antes deste convite fiz uma sessão espontânea com o Marco e o João Hasselberg. Sempre que encontrava o Marco, propunha tocarmos juntos, fosse o Marco a tocar bateria ou outro instrumento qualquer. O Norberto, já o conheço há muito tempo e já o vi tocar muitas vezes. Já estava há montes de tempo para combinar isto com eles, fizemos uma sessão, correu bem e percebemos qual era o caminho sonoro a desbravar.

Há um lado paisagístico/banda-sonora para um filme que não existe no vosso som. Isso foi imediato ou tiveram que partir muita pedra?
BP:
Não foi imediato, foi o caminho que mais sentido fazia para o Ilha de Plástico, que era mais contemplativo e as músicas encaixavam umas nas outras. Foi o caminho mais certo. Nos dois concertos que fizemos anteriormente, tínhamos temas bem mais arrojados e não tão contemplativos, que não colocam o ouvinte nesse contexto de banda-sonora, a meu ver. Acabou por ser o culminar do processo que levou a esse resultado, de música contemplativa.

Como foi, Marco? Imagino que o Bruno esteja mais treinado a pensar nos álbuns assim…
BP:
O Marco na minha opinião não está longe desse formato. Não sei se conheces os discos que ele tem de Mikado Lab…

Não, esses não conheço.
MF:
São mais antigos.
BP: Ele faz a música toda para todos os instrumentos, quase, e são dos melhores álbuns portugueses, que foram lançados, mas a banda já não existe. Mas a música existe.
MF: Mas para responder à pergunta…

Se procuraram criar música contemplativa.
MF:
Nós procurámos várias abordagens distintas para cada tema, peça, composição, como se quiser chamar. Estamos a falar de música instrumental, onde não há uma narrativa literária a acontecer. O campo da música instrumental é sempre mais permissiva a ocupar um espaço diferente. Esse plano todo ficou em aberto e fizemos questão de experimentar várias coisas, desde o som, o primordial disto tudo, e depois as estruturas, temas, o tempo que se repete certa parte, a pulsação, se são mais rápidos, lentos, se podem ser mais rápidos ou não. E depois de integrarmos essas diferenças, íamos chegando a esta forma de cristalizar cada peça do álbum. O alinhamento foi importantíssimo para criar uma narrativa num álbum que não tem uma sugestão literária.

Nos vossos títulos e até no nome do vosso projeto há todo um imaginário de paisagem.
MF:
Há.

A colaboração com o Pedro Maia surge de alguma necessidade em terem um suporte visual para os concertos?
MF:
O Pedro Santos, programador do concerto, sugeriu o Pedro Maia para trabalhar neste concerto em concreto e explicou-nos o porquê desta ideia dele. Ouvimos, pensámos e achámos que poderia ser interessante. Tentar fazer da música que ele já conhecia um evento diferente em que pudesse haver alguma imagética associada à própria imagética que o álbum pode transmitir.

Agora que existe, ou irá existir, é importante para vocês ter essa componente visual associada à vossa música?
MF:
Será importante e certamente existirão outros concertos em que o Pedro Maia poderá colaborar connosco. Mas podemos tocar num formato puramente instrumental. Só há uma coisa que não podemos fazer, se um de nós não poder tocar, não há concerto. Essa é a única coisa.

Como é que veem Montanhas Azuis no futuro? Tendo vocês todos carreiras a solo, projetos paralelos…
BP:
Esta sonoridade inerente ao disco não é um capítulo fechado. Eu imagino este grupo a fazer um disco completamente diferente na próxima vez, com outros instrumentos, mais acústico. É um projeto bastante experimental, pode não soar para quem está a ouvir. Encaro o projeto de uma forma bastante instrumental que está aberta a qualquer tendência, aventura musical. Imagino esta banda a fazer um disco só de noise, ou só de canções. Vejo como um grupo que não está à deriva, mas aberto a ir em qualquer direção musical.

Quando vos vi aqui, na apresentação do programa da Culturgest, em setembro, fiquei com a sensação que estavam todos fora do vosso habitat natural. Mas quando começam a tocar, o som se desenvolve, e ouve-se o que estão a tocar, completa-se com o vosso trabalho a solo e não só.
BP:
Como um peixe fora de água?

Não. Quando se olha, à primeira, parecem peixes fora de água, mas quando começamos a ouvir, estão todos dentro de água. Ou seja, pareciam muito confortáveis em palco.
BP:
Esse concerto foi tranquilo, correu bem. Tocámos algumas músicas que estão no Ilha de Plástico.

Tinham o álbum gravado, pensado?
BP:
Não, mas sabíamos que essas músicas, quase de certeza, iam fazer parte.
MF: Nessa altura as coisas já estavam pré-definidas, quais seriam os temas. Até gravamos mais temas do que incluímos no álbum.

Enquadram-se dentro do “Ilha de Plástico”?
MF:
Sim, completamente. Vamos tocar alguns deles no concerto…

Estiveram sempre a experimentar com diferentes instrumentos?
MF:
Não nos cingimos apenas aos instrumentos a que tocamos. Todos tocamos teclados/sintetizador, há um piano acústico, também, no álbum, há a guitarra que é partilhada pelos guitarristas da banda. Eu não toco guitarra no disco, mas posso tocar no próximo.
BP: Sim, podemos tocar com três guitarras.
MF: Como o Bruno dizia, podemos fazer álbuns diferentes, com diferente instrumentação.

Quando estava a ouvir o vosso disco pela primeira vez, ocorreu-me logo ao início que Ilha de Plástico poderia ser uma banda-sonora possível para “Stranger Things”.
BP:
Teclados com efeitos phaser lentos, a mudar, vão sempre lembrar coisas desse género. É uma característica desse género, “Stranger Things” é um remake de música antiga, muito bem conseguido, por sinal. Eu não vejo bem como banda-sonora, tenho dificuldade em ouvir música como banda-sonora. Não querendo colocar isto que eu vou dizer no sentido altivo, mas há muitas pessoas que têm tendência em dizer “banda-sonora para um filme não feito” com muita facilidade. Vejo isso muitas vezes, em críticas a discos, não só na imprensa nacional, mas no geral. Tornou-se num termo que serve um propósito mas no verdadeiro sentido não é isso. Banda-sonora… chamar-lhe música contemplativa, ou dreamland, ou daydreaming, acho que faz mais sentido. Quando as pessoas dizem banda-sonora, associo a cinema, mas posso estar errado. Pode ser a banda-sonora do teu dia, quando estás a andar de metro, de phones.

MF: Vejo isso como um elogio para mim, porque adoro bandas-sonoras. E há muitas coisas incríveis, musicalmente, que não se ouvem em lado nenhum, a não ser que vás ouvir determinado cinema autoral, documentário, filmes de animação então… há coisas incríveis que se passam só num momento em específico: acontecimentos musicais, inéditos, que são feitos para servir o filme, e que depois se tornam coisas incríveis. Esse álbum pode-se estender a uma banda-sonora, se alguém quisesse fazer um filme para isto. A minha sugestão seria um filme de animação, futurista, com botânica, biologia, marítima também. Mas isso… nós fizemos primeiro a banda-sonora, porque normalmente é feita depois, ou paralelamente com o autor do filme. A música vai servindo a narrativa visual.

As texturas, à primeira, parecem muito simples. Mas depois percebe-se que é muito rico. O que parece uma paisagem simples, não é, são várias a acontecer ao mesmo tempo. Há vários níveis, várias frases…
BP:
Sim, eu acho que definitivamente é um álbum que coloca o ouvinte num sítio calmo e contemplativo. Não é para se ouvir no carro, durante o trânsito. Quer dizer, até pode ser, mas tem que se pôr muito alto. Tem que se ouvir com tempo e faz sentido ouvir o disco todo. Ouvir só uma faixa não caracteriza bem a música que ali está.

No concerto de apresentação irão tocar Ilha de Plástico na ordem do alinhamento?
BP:
Ainda não decidimos isso. Mas vamos tocar as músicas todas.

Já estão a pensar no que vão fazer a seguir?
MF:
Eu tenho feito música para Montanhas Azuis. Provavelmente para a próxima gravação.
BP: Há um tema que nós gravámos, e que não ficou no disco, e que vou tentar convencer o Marco e o Norberto a tocarmos ao vivo com outra instrumentação. É um tema que acho que vale a pena explorar. O concerto tem como ponto de partida a apresentação do disco, mas tem ramificações para fazermos passagens longas, momentos de improvisação, ligarmos camadas de som e diferentes camadas de som com as imagens do Pedro Maia e criar uma narrativa com ele através desses momentos que separam as várias faixas do álbum e as que ficaram de fora.

Concerto na Culturgest de Lisboa às 21h, bilhetes a 12 euro. Mais info aqui