Nos tempos livres, Francisco Sebastião é cuidador de bonsais. Tem vinte no quintal da casa da mãe, para alimentar um gosto que começou a desenvolver há cerca de dois anos e que o liga à Natureza, que aprecia particularmente. Começamos por aqui para abordar a ideia de horas vagas, algo que nem sempre teve, a história comum do crescimento diferente de um bailarino: “Sim, foi diferente, foram muitas horas no Conservatório e como vivia na Margem Sul era, muitas vezes, sair de manhã e chegar à noite, já tinha tudo jantado. Não temos assim tanto tempo e tanta liberdade para fazer outras coisas que não aquilo, porque também é muito cansativo, muitos dias tinha dançado tanto que não tinha vontade de fazer outras coisas”, conta. Ao mesmo tempo, é aquela lengalenga da paixão, o estar-ali-para-aquilo. De alguma maneira, o que viveu na adolescência viveu no Conservatório, com os amigos com quem passou grande parte da vida. “A puberdade e essas coisas, todas foi tudo lá, com aquelas pessoas, nesse sentido tive muito boas experiências e hoje já tenho tempo para ter os meus hobbies, portanto não foi assim tão mau”, atira.

Aos 23 anos, e na Companhia Nacional de Bailado (CNB) desde 2016, Francisco Sebastião já faz papéis principais. Como neste “Dom Quixote”, que se estreia esta sexta-feira no Teatro Camões, e onde interpreta Basílio, um barbeiro de guitarra ao ombro, mulherengo de sucesso irregular, que tenta conquistar Kitri, uma jovem bela e por todos adorada. Um bailado rico em interpretação, a troca de olhares, a carga cómica da história de Miguel Cervantes, guitarras, castanholas, animação, vida boémia. Se pensarmos que Francisco Sebastião tem apenas 24 anos e, além de ser um dos bailarinos com mais destaque da CNB, já obteve um oitavo lugar no importante Prix de Lausanne, lugar que lhe valeu uma bolsa para integrar a companhia júnior do prestigiado Ballet de São Francisco, é caso para dizer que este rapaz é um caso sério.

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“Escolhi a companhia júnior do Ballet de São Francisco, onde estive dois anos e depois o meu último ano foi como estagiário na companhia principal. Adorei a experiência, sempre tive uma enorme curiosidade em relação aos Estados Unidos, vi filmes e séries, a coisa do ‘american dream’…havia outras companhias muito boas, mas pensei que esta seria a minha melhor possibilidade de ir à América. São Francisco é uma cidade incrível, as pessoas têm uma mentalidade super aberta, em relação à sexualidade, por exemplo”, explica.

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A escolha deveu-se, portanto, a uma ideia mais pessoal do que profissional, o desejo de viver nos Estados Unidos cumpriu-se, mas não só. Como a escola, a companhia júnior, habita o mesmo prédio que a sénior, há sempre a possibilidade de subir um piso para ver os melhores do mundo, para ambicionar ir lá parar. Algo que Francisco conseguiu, num estágio de um ano. Partilhou palco com os maiores, mas terminado esse ano só restava um contrato para seis estagiários e o sonho americano foi à vida.

Dessa circunstância menos positiva – “foi um bocado difícil receber essa notícia, na altura”, confessa – geraram-se novas etapas. Foi saber que não continuava em São Francisco e quase ir a correr para o computador enviar um mail à CNB. Estrutura a quem só pode estar agradecido pela confiança: “Estou muito grato pelas oportunidades, dá-me confiança no trabalho que tenho feito, é uma prova de que sou um bom bailarino, tento crescer como bailarino e como pessoa a cada bailado”.

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Embora não esconda o desejo de voltar a partir, a conhecer outras pessoas e formas de trabalhar, talvez mais na Europa, desta vez, Francisco Sebastião está muito bem por aqui. Foi uma das imagens que guardámos do ensaio a que assistimos. Francisco a ensaiar com a sua parceira (neste caso falamos de Miyu Matsui), com uma certa dificuldade em concretizar um lift. Prontamente, João Pedro Costa – outro dos bailarinos da CNB, que por indicação da mestre de bailado, Barbora Hruskova, estava ali a assistir ao ensaio – levanta-se para ajudar na execução daquele passo, isto porque já o fazia muito bem. Este espírito de entreajuda solidifica um ambiente de partilha e amizade, conta.

“É super normal, é recorrente aqui na companhia, a maior parte das pessoas não tem problemas nenhuns sem ajudar, estamo-nos sempre a ver e a ajudar uns aos outros, damos dicas, e isso é muito positivo”, afirma Francisco, ele que, por nossa provocação, se aventura a fazer uma espécie de auto-classificação: como é que é enquanto bailarino, o que procura? “Sempre tive facilidades técnicas, sempre tive jeito, tenho sorte ou o que quer que seja que me fez assim, tenho muita musicalidade e acho isso muito importante nos bailarinos porque a maior parte do tempo dançamos com música. Também sou atento aos estilos, faço auto-análise, tento arranjar uma maneira de fazer com que o meu trabalho seja algo mais do que técnica, até mesmo na execução da técnica tento que exista algo que me diferencie dos outros”.

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Como dissemos no arranque, nos tempos livros, Francisco Sebastião trata dos seus bonsais. Claro que nem sempre foi assim. Claro que nem sempre houve tempo. Claro que esta é uma profissão que exige enorme investimento, cuidado com o corpo, com a alimentação, avalanches de stress nos prémios e competições a que se concorre, o eterno desejo de ser melhor. Tudo elementos com os quais Francisco se sabe relacionar, sem grande questão. Sim, ser bailarino é duro, mas no final está tudo bem. Não se pense que é uma escravatura, nada disso. É uma paixão. E até se pode comer fast-food: “Sim, podemos comer. Acaba por ser um bocado como toda a gente, podemos ser saudáveis – no nosso caso ter força, estar em forma – e comer mal e ser magro ou atlético. É claro que temos de ter alguma inteligência em relação a isso, o nosso corpo é o nosso instrumento de trabalho, mas comer mal, de vez em quando, não me parece prejudicial”, conclui.