A coordenadora do BE, Catarina Martins, acusou este sábado António Costa de usar os votos no PS em 2015 para fazer “sobre o sistema financeiro exatamente o mesmo que fez Passos Coelho, limpar bancos com o dinheiro de todos”.

No comício comemorativo dos 20 anos do BE, que decorreu sábado em Lisboa, Catarina Martins recordou que o partido, ao longo destas duas décadas, fez “inimigos poderosos” numa elite financeira que “se incomoda” com a presença bloquista.

“Essa elite teve no Partido Socialista um aliado ao longo desta legislatura porque sabemos hoje que se cada voto à esquerda protegeu as pensões e os salários, também sabemos que cada voto no Partido Socialista em 2015 foi usado por António Costa para fazer sobre o sistema financeiro exatamente o mesmo que fez Passos Coelho”, condenou.

Esta comparação entre o primeiro-ministro atual e o anterior prende-se com o facto de António Costa, segundo a líder bloquista, “limpar bancos com o dinheiro de todos e entregá-los limpos ao negócio de alguns”.

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“Já percebemos nestes anos porque insistem em manter Carlos Costa como Governador. Não é pela sua competência, mas pelas suas costas largas, que muito jeito têm dado a PSD e PS”, criticou.

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Catarina Martins rejeita “lugar simbólico” porque partido mudou a política

Catarina Martins afirmou ainda que o BE sempre rejeitou “um lugar simbólico” ou ser “uma flor na lapela da política domingueira”, defendendo que o partido, ao longo dos 20 anos, mudou o país e a política. A coordenadora bloquista percorreu ao longo do comício as “lutas plurais, emancipadoras e urgentes” do partido que não aceita “a rendição ao liberalismo” nem se conforta com a proclamação das suas razões.

Desde o primeiro dia que nos dizem que o melhor seria que a esquerda se contentasse em ser simbólica, um lugar simbólico no parlamento, um lugar simbólico nas eleições, um lugar simbólico na vida, uma flor na lapela da política domingueira. Estão desde sempre enganados, somos força, somos luta, somos convicção e somos raiz”, avisou.

Para a líder bloquista, o BE não é simbólico quando defende “quem vive do seu trabalho”, quando combate a precariedade, quando luta pela contratação coletiva ou pelos direitos de quem trabalha por turnos. “Há 20 anos, em Portugal, entre marido e mulher não se metia a colher, morria-se em abortos de vão de escada, gays e lésbicas só no armário. De racismo não se falava, porque não combina com os livros de história. A toxicodependência era tratada com prisão, do ambiente quase não se tratava, o cavaquismo batizava os eucaliptos de petróleo verde e no parlamento reinava o cinzentismo formal”, enquadrou.

Na opinião de Catarina Martins, o BE foi à luta e por isso vive-se “hoje num país diferente”. “Mudámos o país e a política, construímos, acrescentámos luta à luta, aprendemos com cada derrota e sabemos da luta em cada vitória”, sublinhou, reafirmando o BE como um partido anticapitalista, socialista, eco-socialista, feminista, anti-racista e internacionalista.

Apesar do caminho percorrido, a coordenadora do BE admite que “está tudo por fazer” e que o BE precisa “de mais força”. “As mortes das mulheres não são simbólicas, o protesto contra as mortes também não é simbólico. As sentenças vergonhosas dos Netos Mouras desta vida não são simbólicas”, atirou. A voz em defesa das mulheres não é uma queixa, “é um trovão”, avisou Catarina Martins, considerando que vai ser possível “mudar a justiça, mudar a cultura, criar igualdade e respeito”.

“Chega de acordos nunca cumpridos, é tempo da mudança: descarbonização da economia, reconversão energética, da indústria e dos transportes, empregos para o clima”, elencou, lembrando assim as linhas programáticas que o partido defenderá nas eleições deste ano.

Loução: BE “nunca teve causas fraturantes” e opôs-se sempre a “gangsterismo financeiro”

O ex-líder bloquista Francisco Louçã rejeitou este sábado “a ideia irritante” de que o BE é defensor de “causas fraturantes” e contrapôs que “só teve causas unificantes”, garantindo que o partido nunca foi cúmplice “com o gangsterismo financeiro”.

O fundador do partido com a candidata do BE às Europeias, Marisa Matias, e com José Manuel Pureza, no comício do BE (@ JOSÉ SENA GOULÃO/LUSA)

O BE comemora este sábado os 20 anos do partido, assinalados em 28 de fevereiro, com um comício em Lisboa que junta os fundadores Francisco Louçã, Luís Fazenda e Fernando Rosas, a coordenadora Catarina Martins e a eurodeputada Marisa Matias.

“Se me permitem um ‘marcelismo’ em assembleia tão seleta, o BE nunca teve causas fraturantes, ideia, essa sim, irritante. O BE só teve causas unificantes e mobilizantes”, defendeu Louçã.

Para o antigo líder do BE não há causas mais unificantes do que “a defesa dos direitos das mulheres contra o assédio, contra a violência, incluindo dos tribunais”, a dos jovens precários, a defesa dos idosos contra os despejos ou a luta “contra o racismo ou do direito de se amar quem se quer”.

“O BE disputou tudo, sempre com a mesma coerência. Recusou a armadilha do euro, nunca aceitou os tratados de mal a pior, rejeitou as aventuras financeiras e pode ter orgulho de dizer agora ao nosso país que estas mãos nunca mergulharam na cumplicidade com o gangsterismo financeiro”, enalteceu.

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Rosas avisa que “o Bloco veio para ficar e para vencer”

O fundador bloquista Fernando Rosas avisou que o BE “veio para ficar e para vencer”, considerando que “têm razão para inquietação” aqueles que elegem o partido como um “alvo de estimação”. O primeiro dos fundadores a discursar foi Fernando Rosas, que lembrou que o partido, ao longo destas duas décadas, criou “inimigos de estimação” e que ainda não existia como Bloco e já diziam que “não aguentavam um ano”.

Como este foi um caminho feito de vários sucessos e alguns insucessos, transformaram cada um destes na catástrofe iminente e quando a inanidade desses ataques se revelou total vêm queixar-se, imaginem, que o Bloco se tornou num partido social-democrata em desagregação”, atirou.

Se estes vaticínios tivessem razão de ser, prosseguiu Rosas, “então não teriam razões para tamanha inquietação”. “E, no entanto, têm razão para inquietação e têm razão para nos elegerem como alvo de estimação. Somos uma esquerda socialista e anticapitalista que não desiste do propósito de mudar o mundo. Viemos para ficar e para vencer, para fazer a luta toda e como se dizia nas lutas do meu tempo daqui ninguém arreda pé”, avisou.

O historiador também recordou que foi dito que quando se esgotasse o acordo que permitiu a viabilização de um Governo minoritário do PS, o BE acabaria. “E o programa não se esgotou e a luta continua e nós também”, contrapôs.

No palco do comício, que se realizou no Mercado de Culturas, em Lisboa, seguiu-se Luís Fazenda, que também se dirigiu àqueles que acusaram os bloquistas de terem baixado “a bola e cabeça à Comissão Europeia” com a aprovação de orçamentos. “Nós não confundimos etapas na luta. Nós sabemos porque é que fizemos um acordo com o PS, sabemos como estamos a sair desse acordo com o PS, sabemos por onde continua a luta e ela tem um nó górdio”, respondeu.

A Europa, para o fundador do BE, “é o nó górdio do desenvolvimento social e político de Portugal” e os bloquistas sabem-no. “Estão a menorizar todo aquele conjunto de direitos sociais, de direitos económicos e até alguns direitos políticos que o BE fez valer nesta aliança política, conjuntural e momentânea com o PS e com a companhia do Partido Comunista. Às vezes há uma certa dificuldade em definir aqui o papel convergente do Partido Comunista, mas creio que este é simpático para o efeito”, disse.

Para Fazenda, “não vale a pena desdenhar das pequenas conquistas que o BE conseguiu ensejar e materializar nesta aliança política que suporta um Governo minoritário”. “Disse para aí uma esfinge que foi Presidente da República: “eles agora já não piam”. A verdade é que vamos piando mais e talvez seja por causa disso que estamos a ser mais contestados e talvez seja por causa disso que há uma redobrada atenção naquilo que possam ser as ideias, os conceitos, o caminho que o BE deve ter”, ironizou, referindo-se a Cavaco Silva.