Existe uma rivalidade ancestral entre ingleses e germânicos no futebol mas longe vão os tempos em que, caso não saísse nada melhor, lá aparecia o título do “São 11 contra 11 e no final ganha a Alemanha” – uma das frases mais icónicas que se prolongou durante décadas no léxico desportivo. Ou melhor, se já iam longe, nesta Liga dos Campeões desapareceram de vez. E por causa dos conjuntos britânicos. O que, no caso do Schalke 04, até foi levado com algum humor à mistura.

À 30.º batalha, Jürgen Klopp não perdeu contra o eterno rival (ou como Liverpool e Bayern empataram a zeros)

Rebobinemos o filme à fase de grupos: por ser um dos países com melhor ranking, entraram quatro conjuntos alemães na fase de grupos da Liga dos Campeões. O B. Dortmund, sem ingleses, passou em primeiro para os oitavos; o Schalke 04, sem ingleses, passou em segundo para os oitavos (por causa do FC Porto); o Bayern Munique, sem ingleses, passou em primeiro para os oitavos (à custa do Benfica); o Hoffenheim, que cruzou com uma equipa inglesa (Manchester City), ficou na quarta e última posição, sem qualquer vitória e sem conseguir sequer a passagem à Liga Europa. One down, three to go.

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Chegados aos oitavos de final, o sorteio motivou uma autêntica cimeira entre representantes de Alemanha e Inglaterra. E os resultados desses encontros a duas mãos foram sempre os mesmos, um pouco como o que tem acontecido a propósito das votações do Brexit. O Tottenham ganhou por 3-0 em Wembley e venceu de novo na semana passada o Borussia em Dortmund pela margem mínima. Two down, two to go. O Manchester City passou em Gelsenkirchen com 3-2 e atropelou esta terça-feira o Schalke 04 por 7-0. Three down, one to go. A única esperança da Bundesliga ter um representante nos quartos passava pelo Bayern, que tinha arrancado um empate sem golos em Anfield Road, mas os bávaros caíram com uma derrota por 3-1.

Na véspera, e respondendo a um tweet de Gary Lineker a meio do jogo que dizia que os germânicos podiam sofrer um desaire “tão pesado como as derrotas da Primeira-Ministra”, o Schalke 04 tinha respondido com graça “Gostávamos de ver Theresa May a defender o Leroy Sané”, em alusão à exibição inspirada do ala germânico dos citizens. Esta noite, como se percebeu pelas caras dos jogadores e adeptos bávaros no decorrer da segunda parte, o ambiente não estava propriamente para grandes brincadeiras. E as conversas entre atletas em pleno relvado no final do encontro evidenciavam que os próximos dias não serão muito fáceis naquele balneário em Munique. No entanto, bem que podiam ter escrito no seu Twitter “Gostávamos de ver Theresa May a defender Sadio Mané”. Afinal, o senegalês acabou por ser o fator desequilibrador da partida.

Apesar de ter perdido Jordan Henderson logo nos primeiros minutos (entrou Fabinho), e de Jürgen Klopp ter chamado à atenção por mais do que uma vez os seus jogadores por estarem a defender demasiado baixo para o que queria, pertenceu ao Liverpool o primeiro remate do encontro, com Firmino a atirar forte mas ao lado. Era um jogo onde parecia mais importante não cometer erros para manter o nulo do que propriamente arriscar para chegar ao golo, mas bastou um lapso para a eliminatória começar a ficar desequilibrada: Van Dijk teve um passe em profundidade para a velocidade de Sané, o africano dominou de forma orientada, “sentou” Neuer com uma finta e rematou para a baliza deserta, inaugurando o marcador aos 26′.

Pouco depois, em mais um lance de envolvimento onde a velocidade dos reds deixou os bávaros para trás, o guarda-redes corrigiu essa saída em falso e teve uma grande defesa a remate colocado de Robertson (35′). O jogo estava para o Liverpool mas voltou a ficar em aberto a seis minutos do intervalo, quando na sequência de uma boa investida de Gnabry pela direita, Matip quis tanto evitar que a bola fosse para Lewandowski que acabou por cortar para a própria baliza. O intervalo chegou com um empate e Alaba, de livre direto, a deixar o aviso para aquilo que poderia ser um grito de revolta do Bayern no segundo tempo.

Em resumo, aconteceu o contrário: enquanto os comandados de Niko Kovac entraram mal e pior foram ficando, a equipa do técnico alemão Jürgen Klopp, que no ano passado chegou à final da Liga dos Campeões (derrota com o Real Madrid por 3-1), ia conseguindo criar perigo por Salah – bem até ao último toque ou passe, onde se mostrava perdulário – e nas bolas paradas, situação através da qual veio o 2-1 que quase sentenciou a eliminatória por Van Dijk, subindo mais alto após canto (69′). O Bayern acusou em demasia o golpe e afundou-se no discernimento e qualidade ofensivas que já não eram muitas, sofrendo o terceiro golo de novo por Sané, a seis minutos do final, após cruzamento de Salah numa transição rápida.

Pep Guardiola, pelas amizades que deixou na Baviera e pelo gosto que guarda do anterior clube, tinha assumido estar a torcer pelo Bayern nesta eliminatória frente ao grande rival do Manchester City na luta pela Premier League mas acabou por imperar a lei do mais forte. E o mais forte foi, mais uma vez, o Liverpool. Porque na presente temporada da Liga dos Campeões, o futebol resumiu-se a uma simples frase: “São 11 contra 11 e no final ganha a Inglaterra”.