Os contratos de autonomia das escolas não estão a funcionar e, por isso, o Tribunal de Contas recomenda ao Ministério de Educação “que pondere a sua manutenção”. Depois de realizar uma auditoria aos resultados destes contratos — que deveriam passar pela promoção do sucesso escolar e pela redução do abandono escolar — o tribunal concluiu que 60% dos objetivos não foram cumpridos, ou seja, não promoveram melhorias nas aprendizagens dos alunos. Apesar disso, e mesmo sendo este motivo suficiente para a sua suspensão, a auditoria revela que todos eles tiveram luz verde para avançar, sem que fossem propostas quaisquer medidas corretivas.

Outro problema apontado é que o sistema de controlo, que passa por três níveis diferentes de avaliação, incluindo um parecer da Inspeção Geral da Educação e Ciência (IGEC), falhou em toda a linha. Mesmo quando havia motivos de incumprimento contratual, lê-se no relatório do Tribunal de Contas, os contratos foram promulgados. Assim, a auditoria conclui que “o sistema de controlo é ineficaz” e que este “é um instrumento que urge reformular”.

Em última análise, e caso a tutela decida manter os contratos de autonomia, o Tribunal de Contas recomenda “que pondere a revisão do regime jurídico vigente e a alteração dos contratos em vigor”, em particular no que respeita aos objetivos operacionais. “O exame efetuado a uma amostra de 30 contratos evidenciou que o cumprimento dos objetivos operacionais foi limitado, não chegando a 40%”, lê-se nas conclusões da auditoria do Tribunal de Contas.

Os contratos — em 2007 foram assinados os primeiros, em 2017/18 vigoravam 212 — são celebrados entre as escolas da rede pública e o Ministério de Educação e permitem aos estabelecimentos de ensino ter maior autonomia a nível pedagógico e curricular, algo que o Tribunal de Contas considera ser “um dos principais temas da política de educação, sendo consensual a existência de uma relação direta entre autonomia e qualidade de ensino”.

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Ou seja, no documento, o tribunal não se insurge contra os contratos de autonomia per se, mas antes aponta erros à forma como estão a ser elaborados e avaliados.

Objetivos a mais, cumprimento a menos

Para os contratos de autonomia serem celebrados, sempre com uma duração mínima de três anos, é necessário que a escola apresente um plano educativo à tutela, que vise melhorar o serviço público de educação. Nesse plano surgem objetivos operacionais que incidem, em especial, na redução do abandono escolar e na melhoria do sucesso escolar. Estes são os obrigatórios (OOO) a que as escolas podem acrescentar os específicos (OOE). E é o seu grau de cumprimento, como relembra o Tribunal de Contas, que determina a sua renovação. Mas não foi isso que aconteceu, segundo as conclusões da auditoria.

Os objetivos operacionais, em especial os específicos, são em número elevado, genéricos e inadequados à orientação estratégica projetada para os contratos”, lê-se no documento do Tribunal de Contas, o que também “inviabiliza a sua avaliação”.

Para se perceber, o documento dá vários exemplos: “Mais de 75% dos objetivos operacionais específicos não são mensuráveis, nem têm metas associadas” (fomentar a autonomia e o gosto pelo conhecimento); a sua definição apresenta “ambiguidades”; surgem conceitos diferentes para a mesma temática (abandono escolar, exclusão por faltas, absentismo); e há objetivos que não foram ajustados a novas alterações legislativas o que lhes “retirou pertinência e utilidade”, como apontar para os resultados das provas do 4.º ano que já não estão em vigor.

Há escolas, por exemplo, em que não se apontam valores de partida, sendo impossível verificar se cumpriram as metas propostas, mesmo que apresentem um valor de chegada. Por outro lado, embora o sucesso e o abandono escolar sejam objetivos obrigatórios, e que têm necessariamente de estar previstos nos contratos, em dois dos 30 documentos analisados eles não aparecem.

As suas definições também variam de escola para escola, o que “prejudica análises comparativas e globais”: o sucesso escolar, por exemplo, é definido como “taxa de qualidade de sucesso, taxa de sucesso pleno, taxa global de sucesso, taxa de conclusão, de retenção ou de transição”.

Em alguns casos, nos objetivos relacionados com o sucesso escolar, não foram considerados os resultados das avaliações externas. E isso, considera o tribunal, “condiciona o pleno exercício das funções de controlo” pela IGEC.

“Além de os objetivos considerados nos contratos não reunirem as características suficientes para serem considerados como tal, a circunstância de serem em grande número [em média 18 por contrato] dificulta, ou mesmo inviabiliza a sua monitorização e avaliação”, escrevem os relatores da auditoria. E sublinham que “não obstante as deficiências e insuficiências identificadas, todos os contratos foram objeto de homologação” pelo Governo.

O Tribunal de Contas aponta mais uma falha: “Todas as escolas apresentam objetivos operacionais não atingidos, mas não foram adotadas quaisquer medidas corretivas.” E isso leva os relatores a apontarem o dedo à avaliação.

Falhanço nos três níveis de avaliação

Para avaliar os contratos de autonomia foram criados três níveis de controlo. O primeiro passava por uma autoavaliação da escola que deveria produzir um relatório anual de progresso (RAP), encaminhando-o à Comissão de Acompanhamento (2.º nível de avaliação) que, por sua vez, emitia um parecer. Por último, no 3.º nível, entrava em campo a IGEC.

Na auditoria do Tribunal de Contas, defende-se que só uma parte ínfima desta estrutura funcionou. De facto, as escolas produziram os RAP, e a “autoavaliação funcionou”, mas as deficiências dos relatórios “condicionaram a monitorização do grau de cumprimento dos objetivos operacionais”. Houve desde insuficiência de informação a discrepâncias entre os objetivos iniciais e os apresentados.

No 2.º nível, e entre os 30 contratos auditados, só em 4 é que as comissões de acompanhamento funcionaram como deveriam, lê-se no documento. Na maioria dos casos, ou não foram constituídas as equipas ou não exerceram adequadamente as suas competências. Só quatro elaboraram pareceres, três deles com propostas de alteração aos contratos, e, no final, todas as existentes se pronunciaram a favor da renovação dos contratos de autonomia.

Por último, no 3.º nível, “a avaliação global da IGEC é positiva independentemente do nível de cumprimento dos objetivos operacionais”. O relatório aponta que dos 44 contratos analisados pela IGEC, havia cumprimento de objetivos que variavam entre 22% e 100%. “Não obstante, a apreciação global é invariavelmente positiva.”

Deste modo, conclui-se que um baixo grau de cumprimento dos objetivos não levou à modificação do sentido de avaliação, nem conduziu à adoção de quaisquer medidas que poderiam consistir na reformulação e, no limite, na suspensão ou rescisão do contrato, não tendo, por isso, o resultado da avaliação da IGEC, enquanto 3.º nível de controlo, produzido impacto relevante.”

Em outubro de 2016, e por se considerar que a estrutura de avaliação não estava a funcionar, o 2.º e 3.º nível de controlo foram dispensados e foi criada a Equipa de Projeto dos Contratos de Autonomia das Escolas. “Os contratos de autonomia foram sucessivamente prorrogados a partir do ano escolar 2017/18, sem qualquer avaliação da IGEC”, sublinha o documento do Tribunal de Contas, que acrescenta que assim se irão manter até ao final do ano letivo 2019/20.

Ministro não quis fazer contraditório

A juíza relatora da auditoria, em cumprimento do princípio do contraditório, enviou o documento para várias entidades, entre elas o Ministério da Educação, “que não se pronunciou”. Apenas apresentaram alegações a IGEC e a Equipa de Projeto.

Na resposta, a IGEC refere que, tal como escrevem os relatores do Tribunal de Contas, o facto de os objetivos operacionais serem em número elevado e, em alguns casos, não mensuráveis condicionou a sua avaliação. Em relação ao contrato que apenas cumpriu 22% dos objetivos, lembra que o agrupamento em causa foi sujeito a mudanças, recebeu novas escolas, passando a abranger um contexto educativo mais amplo o que dificultou a execução do contrato. E essas dificuldades, lê-se na resposta da IGEC, não podiam ser ignoradas. Apesar disso, naquele agrupamento diminuiu o abandono escolar, o absentismo e a indisciplina.

Já a Equipa de Projeto, lembra que nasceu exatamente por se ter percebido que o sistema de avaliação era deficiente, tendo sido esta equipa a propor a dispensa das comissões de acompanhamento, enquanto trabalhava numa solução alternativa. Acontece, lê-se na resposta, que antes de isso poder acontecer, no ano letivo 2017/18 apareceu o projeto piloto de Autonomia e Flexibilidade Curricular. Decidiu, então, a equipa que deveria esperar pela avaliação da OCDE deste projeto piloto que, tendo sido positiva, culminou no decreto lei 55/2018 que alargou a autonomia curricular a todas as escolas.

Neste momento, as indicações da Equipa de Projeto, lê-se na resposta, são de que os atuais contratos de autonomia não voltem a ser renovados, devendo começar a pensar-se em contratos de segunda geração, que deveriam ir além da autonomia de 25% do currículo.