Enviado especial a Xangai

Mesmo no coração financeiro da cidade que é o símbolo máximo de uma China virada para os negócios, há uma marginal com vista para os modernos arranha-céus que tornaram famosa a skyline de Xangai. Tão famosa que é um dos cenários frequentemente escolhidos pelos casais de noivos para, cumprindo um hábito típico por estes lados, se fazerem fotografar já vestidos a rigor para o álbum de fotografias que estará pronto quando chegar o dia do casamento.

Casal de noivos durante a produção fotográfica para o álbum de fotografias que estará pronto a tempo do casamento

Marcelo ficou surpreendido por ver tanta noiva na rua no mesmo dia, até que lhe explicaram a tradição. É uma pequena ironia, esta surpresa do Presidente português que se tem fartado de repetir que os dois países se conhecem há quase cinco séculos e que já não têm segredos um para o outro. “Uma empatia natural”, diz o Presidente.

Tal como tem feito sempre, Marcelo centrou na relação histórica o discurso no fórum económico com empresários portugueses e chineses. Sem os argumentos de peso de algumas das maiores economias do mundo que estão em força na China, Marcelo insiste que a empatia também pode funcionar e exorta os empresários a irem longe, depressa, e a preencherem os vazios: “O talento está em podermos entrar naqueles nichos de mercado em que a concorrência com os grandes não exista, mas que ainda assim são nichos de mercado enormes para nós”.

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Basta conhecer a China, e para quem não conhece, o professor Marcelo faz o resumo. “A  China descreve-se assim: 1400 milhões. Classe média, 450 milhões. Quer dizer, portanto, que estão aquém da classe média 900 milhões, dos quais 150 milhões no nível mais baixo. Esses 450 milhões têm um poder de consumo muito significativo e a um nível pouco comum no mundo”. Ou seja, Portugal está à espera de quê?

Peter Gao, é um empresário de Xangai que já explora o potencial de nicho no mercado chinês com produtos portugueses há 25 anos. Depois do têxtil virou-se para os vinhos, onde o volume de negócios tem duplicado a cada ano. No ano passado valia quase 5 milhões de dólares, mas isto, acredita Peter, é só o começo: “O PIB da China está a crescer, as pessoas estão a enriquecer, os mais jovens começam a aprender hábitos ocidentais porque viajam mais, e vêem na televisão e nos filmes que as pessoas apreciam vinho. Então, vão começar a experimentar e a próxima geração já será apreciadora. O futuro é promissor”.

Peter Gao é um empresário chinês que trabalha com vinhos portugueses. Acredita que a próxima geração já vai saber apreciar a qualidade de um vinho

Mais otimista ficaria se não houvesse o problema dos transportes: “O mais difícil é a distância entre a China e Portugal. Isso faz com que as transações demorem 2 meses a concretizar. É demasiado tempo para os chineses aceitarem. Se conseguíssemos reduzir o tempo de dois meses para um mês, já seria uma grande ajuda”.

Lisboa e Pequim estão longe uma da outra e ficaram ainda mais desde que a linha aérea direta foi suspensa. Portugal quer retomá-la e quer o Presidente quer o ministro dos Negócios Estrangeiros, insistiram num assunto que é vital, por exemplo, para aumentar as remessas de turistas.

É nesse mercado que Philip Wei opera. A empresa que representa, que tem hotéis no Japão, ou nas ilhas Fidgi, está a estudar a possibilidade de abrir um hotel em Portugal: “Os chineses estão agora a viajar por toda a parte no mundo, depois de terem feito os percursos clássicos tipo Paris ou Itália. Agora procuram qualquer coisa de único, para terem experiências diferentes. Acho que Portugal pode tornar-se um destino muito popular”.

Philip Wei quer abrir um hotel: “Acho que Portugal pode tornar-se um destino muito popular”.

E se as negociações com as autoridades nacionais só começaram há meses, Wei está confiante:”Estes dois países já se conhecem há muito tempo, sabe? E isso torna as conversas mais fáceis do que com outros países europeus”. Ou seja, parece ter comprado a tese da empatia que o Presidente também quer aplicar aos negócios: “A empatia faz a diferença, facilita o relacionamento institucional. Isso é importante para o quadro empresarial”.

Santos Silva não usa a mesma cartilha no discurso, mas bate nas mesmas teclas: aumentar exportações, desenvolver parcerias com outras empresas e aproveitar a língua e a cultura, até para captar estudantes chineses para as universidades portuguesas.

Jacinta, por exemplo, está a caminho da Universidade de Aveiro. Ela e outros os estudantes do mestrado de português na Universidade de Estudos Internacionais de Xangai. Escolheu a língua portuguesa porque ouviu dizer que já há muitos negócios entre a China e Portugal: “Se eu souber falar português posso arranjar um bom trabalho. Aqui na China há muitas empresas com oportunidades para os jovens. E também era bom numa empresa chinesa em Portugal”. Ao seu lado está Verónica, “muito nervosa porque vou conhecer um Presidente”.

Verónica Zeng, Renata Peng, Sílvia Tu e Jacinta Shao. Os nomes foram”ocidentalizados”, todas são estudantes de português na Universidade de Estudos Internacionais de Xangai

Verónica, Jacinta, Phillip ou Peter não são, obviamente, nomes chineses. Mas quem lida com os ocidentais pode adotar um nome cuja sonoridade seja compreendida pelos estrangeiros. Entre os 60 alunos de português desta Universidade (serão menos de 5 mil em toda a China) cada um terá tido os seus critérios na escolha do “nome ocidental”. Mas nenhum como Li Longjing.

“Chamo-me Cristiano e sou estudante do 4.º ano”. Se a referência parecia evidente, o jovem estudante confirmou as suspeitas: “Para ser honesto, eu gosto muito de futebol. Escolhi o curso na universidade por causa do Cristiano Ronaldo, o melhor jogador de futebol do mundo”.

“Eu queria falar a mesma língua que o meu ídolo fala, e foi esse o motivo que me fez entrar no mundo português”, continuou.

Como (ainda) não é habitual falar-se de futebol na China, Marcelo aproveita a deixa para mostrar como  Xangai é um bom exemplo da ligação que existe entre Portugal e a China: “O treinador chama-se Vitor Pereira e é um português que ajuda talentosos chineses a ganhar campeonatos”.

O momento em que dois estudantes de português em Xangai cantam o fado “Lisboa Menina e Moça” para Marcelo

Terminada a fase de perguntas e respostas, o convívio com os estudantes termina ao som de uma guitarra, com dois alunos a cantar uma versão bilingue, em português e mandarim, do fado de Carlos do Carmo “Lisboa Menina e Moça”. O Presidente aplaude entusiasticamente a exibição que encerra um encontro que cumpriu o guião à risca. Ou quase.

À saída, o Presidente que passou estes dias na China a garantir que não há surpresas entre dois povos que se conhecem bem, resolve fazer uma despedida informal – e à portuguesa – e começa a distribuir beijinhos. Ao primeiro que deu, ouviu-se uma reação sonora coletiva dos alunos que exprimiam desconforto, embaraço, divertimento e admiração, tudo ao mesmo tempo. Claramente não estavam preparados para este tipo de proximidade. Talvez ainda haja, afinal, uma ou outra surpresa nesta relação antiga entre a China e Portugal.