“Há um problema” na internet e a “Google é uma doença para a democracia”. As frases não são da gigante tecnológica norte-americana, mas foram ditas na terça-feira pelo filósofo francês Bernard-Henri Levy, no evento de inauguração do novo Centro Global de Engenharia de Segurança (GSEC) da Google, em Munique. Das três torres de edifícios, a empresa ocupa, desde 2016, duas torres e meia e tem cerca de 800 pessoas a trabalhar para os serviços de privacidade e segurança de ferramentas como o browser Chrome. Agora, com o GSEC, a Google prometeu duplicar para “mais de duzentos” o número de engenheiros informáticos focados na “programação para a privacidade”.

As críticas de Levy à Google não foram ditas em vão: na primeira fila do pequeno auditório estavam executivos como Kent Walker, diretor máximo de assuntos jurídicos da Google, ou Kristie Canegallo, responsável de confiança e segurança da tecnológica. Além disso, estes comentários iniciais do filósofo convidado pela empresa tinham um propósito: afirmar que a gigante tecnológica “pode reparar os danos que fez”.

Para resolver problemas como o abuso indevido de dados pessoais online à perda de confiança em plataformas da internet, o dia foi dedicado aos esforços da empresa para “reparar” os “danos”, dos quais também é responsável. Parte da solução? “Um centro global de engenharia informática para a privacidade no coração da Europa”, como referiu Sundar Pinchai, presidente executivo da Google, em comunicado, e, como disse Levy, a Google continuar a “revolução” que criou, ao “permitir que toda a memória do mundo esteja acessível”.

Na semana passada, a Google mostrou em São Francisco — no evento anual para programadores — algumas mudanças nas definições das contas Google [serviço pessoal da Google que agrega os dados e controlos das app da empresa para cada utilizador] e no Chrome para poder melhorar a privacidade online.

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Algumas das alterações anunciadas quanto novo layout (aparência) da privacidade da empresa, como a forma como o browser guarda as passwords, foram desenvolvidas em Munique. Contudo, mesmo com um centro europeu que junta “algumas das melhores mentes” que trabalham nestas áreas, os executivos afirmaram: “A conta Google é um produto que nunca está realmente acabado”.

Sejam gestores de palavras-passe embutidos no browser ou definições para um testamento digital dos dados que a Google detém, no fim, o produto que a maioria das pessoas utiliza para navegar na internet está destinado a sofrer alterações. Nalguns casos, como com a implementação do Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (RGPD), a imposição para as alterações das empresas é legal, já noutros, é um passo para a Google estar à frente das leis.

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Como referiu Walker numa resposta a jornalistas “a maioria dos produtos anunciados não foi exigido por lei e fizemo-los de qualquer forma”. Atualmente, a Google tem estado debaixo de um forte escrutínio pelas práticas concorrenciais e de tratamento de dados com que opera na União Europeia. No último ano, a Comissão Europeia aplicou coimas de milhares de milhões de euros  à empresa norte-americana. Numa primeira sanção recorde em julho de 2018, a Google foi multada pela forma como utiliza a informação dos utilizadores para obter receitas.

Noutro processo, em março, a Comissão voltou a sancionar a empresa pela forma como disponibilizou o Android, o sistema operativo móvel da Google, a algumas empresas de forma a incentivar que os utilizadores utilizassem apenas os programas informáticos da multinacional norte-americana nos smartphones.

Com as portas abertas do novo centro em Munique, a Google quis passar a mensagem — em plena época de eleições europeias — que, na Europa, está a investir na privacidade. Contudo, não houve escapatória a algumas perguntas que ainda deixam dúvidas. “Como é que a Google utiliza os dados que recolhe?”, perguntou um jornalista. À semelhança de Mark Zuckerberg, fundador do Facebook, no Congresso norte-americano, a resposta foi: “a principal maneira como temos resultados é através de pesquisas e anúncios”. E da publicidade, a empresa afirma que “apenas monetiza cerca de 6% das pesquisas feitas”.

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Durante a manhã, a Google quis mostrar o trabalho que faz nos escritórios de Munique. Este hub tecnológico na Alemanha funciona em coordenação com outros espaços da empresa nas cidades de Tel Aviv (Israel), Zurique (Suíça), Nova Iorque e Mountain Valley (Estados Unidos da América). Houve espaço na agenda para ouvir dos programadores quais foram as alterações feitas definições da conta Google, além de um mini-workshop sobre o método da empresa — o Sprint — para transformar ideias em alterações reais nos produtos. Contudo, sobre que ideias é que já não passaram ou quais sofreram alterações quanto a estes métodos, os funcionários da Google mantiveram a privacidade nas respostas.

Ao todo, há 57 nacionalidades entre os 800 funcionários destes escritórios da Google em Munique. Da construção do Google Chrome a novas ferramentas focadas na privacidade digital, há bastante trabalho a ser desenvolvido na Alemanha.

Numa curta visita, a Google mostrou um pouco destes espaço: o ginásio, a cantina com comida diária diferente feita por um chef residente, copas com refrigerantes à descrição e uma sala jogos. Aqui não faltam comodidades para os trabalhadores. Já ver os espaços de trabalho, aqueles com secretárias e ecrãs de computador, foi mais difícil: aí foi preciso passar ao lado pelo corredor e não tirar fotografias com a justificação de manter a privacidade de quem ali programa e trabalha.

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*O Observador esteve em Munique na inauguração do Centro Global de Engenharia de Segurança a convite da Google