O desfile da dupla Marques’Almeida estava prometido para a Casa de Serralves, onde inaugurou esta sexta-feira a exposição “Paula Rego. O grito da imaginação”. Mas o tempo trocou-lhes as voltas, no melhor dos sentidos. A apresentação acabou por decorrer no jardim, junto ao edifício. A simetria da paisagem formou o cenário matinal perfeito. A coleção, inicialmente apresentada em Londres, juntou duas referências que outros considerariam inconjugáveis. Outros, mas não Marta Marques e Paulo Almeida. O glamour dos anos de ouro em Hollywood foi submetido a uma dose considerável de rebeldia.

Nesta passagem pelo Porto, o criadores portugueses, radicados no Reino Unido, anunciaram o lançamento de um novo serviço na plataforma online onde já vendem as suas coleções. O aluguer de peças passará a estar disponível em breve, bem como a compra de roupa e acessórios em segunda mão. Prolongar o ciclo de vida das peças e fomentar uma economia de partilha é o intuito dos dois criadores. Ainda sem valores, a possibilidade de aluguer funcionará através de uma subscrição mensal, ou à peça. No que toca à moda em segunda mão, será a própria Marques’Almeida a comprar as peças a clientes que já não as queiram e a vendê-las novamente a preços mais reduzidos.

Marques’Almeida © Cristóvão Costa/Observador

Quem também aterrou de um voo internacional foi Alexandra Moura. Depois da segunda passagem por Milão, durante a semana da moda, a coleção “Gadidae” poisou na Sala do Arquivo, prova de que o streetwear da criadora portuguesa conserva o seu toque romântico, obtido através de bordados, folhos vaporosos e delicados padrões florais, ainda que na base da coleção esteja a dureza da pesca do bacalhau, bem como a da espera de quem fica em terra. No final, os manequins percorreram uma última a passerelle, ao som de Gisela João. O desfile aconteceu duas semanas após a passagem da designer pela ModaLisboa. Nessa plataforma, Alexandra apresentou uma coleção desenhada para a Decenio.

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O dia fez-se de outros nomes, sobretudo ligados às indústrias nacionais do vestuário e do calçado. As marcas Meam e Concreto levaram o seu pronto-a-vestir para a passerelle. A Galp apresentou uma nova edição de fardas, com a assinatura do criador Pedro Pedro. Ao início da tarde, o desfile Portugal Kids reuniu cinco marcas portuguesas — Cherry Papaya, Laranjinha, Patachou, Phi Clothing e Risca de Giz. Com a chegada da noite, veio também a habitual apresentação coletiva de tendências de calçado e acessórios. O momento reuniu a Eureka, a Fly London, J.Reinaldo, MLV Shoes, Nobrand, Rufel e The Baron’s Cage.

Susana Bettencourt: alguém pediu uma coleção quatro estações?

Stop the clock — a mensagem de Susana Bettencourt, em março deste ano, prometia algo mais. Uma continuação, segundo a própria criadora, que fez questão de alertar para facto de o desfile de outubro (o deste sábado), ser a concretização de uma nova estratégia. Dito e feito. It’s time to change foi o segunda página de um novo capítulo escrito pela designer, uma coleção sem estação, ou melhor, com as quatro estações. Daqui em diante, será assim — a marca Susana Bettencourt fará um desfile anual, intercalado com uma apresentação performática em jeito de teaser.

Susana Bettencourt © Cristóvão Costa/Observador

“Metade desta coleção, que na verdade é uma fusão entre inverno e verão, já existia e já era vendida nas lojas desde o final de agosto. Basicamente, escondi-a durante meio ano. Estava com medo do risco que estava a correr, mas tem funcionado super bem. Foi uma surpresa”, reforça a criadora, à conversa com o Observador. A nova lógica obrigou a Susana a planear as suas criações anualmente, alterando também os timings da produção.

“Acredito que estamos em tempos de mudança. Esta estratégia não começa só nas vendas, começa internamente, com uma necessidade minha. Ia produzir quando todos os grandes estavam a fazê-lo e entregava mal e tarde algumas encomendas, tudo por causa de algo que não estava ao meu alcance resolver. Agora, peço as amostras quando é altura baixa para eles e produzo tudo ao mesmo tempo. Mas foram dois anos a ouvir não”, explica.

Eficiência na produção, ousadia comercial e uma mensagem de que mudar, seja em que frente for, é uma necessidade premente. Também dentro da própria coleção, Susana fez opções. As gangas foram um novo desafio, as peças em mesh surgiram como alternativas (mais finas) às malhas que, sem dúvida, continuam a ser o carro-chefe do trabalho da designer. “Quis experimentar outras coisas e acho que funcionou. Também gosto de me expressar de outras formas, não tem de ser sempre tudo só malha”, conclui.

Susana Bettencourt © Cristóvão Costa/Observador

No mesmo dia, Susana Bettencourt e a atriz e apresentadora Ana Guiomar juntaram-se na Alfândega para lançar uma coleção cápsula de nove peças, uma edição limitada a dez exemplares de cada modelo. Com preços entre os 50 e os 100 euros e à venda na loja online da criadora, a cada peça vendida, 25 euros revertem para a ATA (Associação Telefone da Amizade), que apoia e ouve vítimas da depressão e ansiedade e está sediada no Porto.

Gambina e Manéis. Eles que fechem a porta

Futebol e música trouxeram Maria Gambina a apresentar a coleção da próxima estação quente à Alfândega do Porto. “Gambina F. C.” teve como referência “Novos Baianos Futebol Clube”, documentário realizado por Solano Ribeiro, em 1973. Ambas as bases foram devidamente exploradas pela linguagem gráfica da criadora — tons pastel, plissados, sobreposições, versões pessoais das clássicas camisolas de clubes, peças em macramé e, claro, os próprios emblemas da designer que, há precisamente um ano, regressou à passerelles portuguesas, após ter estado afastada durante seis anos.

A dupla Alves/Gonçalves fechou com pompa e arrojo esta edição do Portugal Fashion. A receita que segue é original e enche as medidas, como se o desfile fosse um cortejo de objetos de desejo imediato. Acabamentos envernizados, retalhos, brilho, alfaiataria e a arte de bem plissar — uma mulher poderosa tanto surge com uma cintura bem marcada como com um vestido caótico que mais parece ter vida própria. Findo o desfile, ficou a pergunta: como voltar ao casual wear, depois deste espetáculo de moda fetichista?

Alves/Gonçalves © Cristóvão Costa/Observador

Assim terminou a 45ª edição do Portugal Fashion, no Porto. Durante os últimos quatro dias, realizaram-se cerca de 30 desfiles de criadores portugueses e internacionais. Pela Alfândega do Porto, passaram à volta de 180 manequins. Nos bastidores, trabalharam dezenas — qualquer coisa como 40 aderecistas, além das equipas de cabelos e maquilhagem, cada uma delas com cerca de 30 elementos. O evento regressa em março do próximo ano, altura de antecipar as tendências para o outono-inverno 2020/21. Até lá, veja as imagens que marcaram o último dia, na fotogaleria.

O Observador viajou para o Porto a convite do Portugal Fashion.