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Morreu Fernando Lemos, o artista completo que deixou Portugal para escapar à ditadura

Este artigo tem mais de 4 anos

Pintor, artista gráfico, fotógrafo e poeta ligado, Fernando Lemos morreu em São Paulo, onde residia, soube o Observador. O artista ligado ao movimento surrealista vivia há 66 anos no Brasil.

Fernando Lemos mudou-se para o Brasil quando tinha 27 anos. Só voltou a Portugal depois do 25 de Abril
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Fernando Lemos mudou-se para o Brasil quando tinha 27 anos. Só voltou a Portugal depois do 25 de Abril

ANDRÉ DIAS NOBRE / OBSERVADOR

Fernando Lemos mudou-se para o Brasil quando tinha 27 anos. Só voltou a Portugal depois do 25 de Abril

ANDRÉ DIAS NOBRE / OBSERVADOR

Fernando Lemos, artista e poeta português ligado ao movimento surrealista, morreu esta terça-feira aos 93 anos, na cidade de São Paulo, onde residia, soube o Observador. Lemos estava internado no hospital. O português vivia há 66 anos no Brasil, para onde se mudou aos 27 anos para escapar à ditadura salazarista.

A ministra da Cultura lamentou “profundamente” em comunicado a morte de Fernando Lemos, “artista multidisciplinar, com uma linguagem poética e multifacetada que marcou o panorama artístico português e brasileiro na segunda metade do século XX e início do século XXI”. “A Cultura portuguesa deve-lhe a experimentação na palavra, na imagem, na edição, mas igualmente na resistência à ditadura e na ousadia de não se submeter a formas, num compromisso artístico e ético inabalável”, considerou Graça Fonseca.

Em comunicado, a ministra da Cultura apontou o “percurso artístico longo e diverso nas abordagens” de Fernando Lemos, cuja obra “nunca coube numa única definição”. “Dizia ser a soma de ‘atividades que têm vários nomes’, fotógrafo, pintor, desenhista, designer, mas também escritor, poeta, pensador, num permanente desejo de experimentar linguagens, técnicas e expressões. São suas algumas das mais icónicas fotografias de artistas portugueses, muitos dos quais seus amigos, ‘gente de que gostava’, como o próprio dizia, ‘gente que tinha um sentido político, de ausência. Eram caras que estavam proibidas’.”

O escritor Valter Hugo Mãe, que coordena a coleção de poesia da Porto Editora que lançou uma antologia de Fernando Lemos, reagiu à morte do artista no Faceboook, agradecendo a sua amizade com que o honrou “muito” e partilhando uma fotografia tirada no mês de setembro. “Meu querido Fernando, que maravilha me deixaste, o teu sorriso, tua alegria mesmo diante das coisas tristes”, escreveu Hugo Mãe. “Serás sempre lindo, Fernando, serás sempre o meu amigo generoso, inteligente e genial. Obrigado por tudo. Obrigado por me teres vindo buscar a amizade. Honraste-me muito.”

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Exilado por escolha e artista que “nunca coube numa única definição”

Nascido em 1926, em Lisboa, Fernando Lemos partiu com todo o seu espólio artístico para o Brasil em 1953, por considerar insustentável a vida sob o regime de Salazar. Levando consigo cartaz de recomendação de Jorge de Sena e Adolfo Casais Monteiro, que o introduziram no meio cultural brasileiro, cedo se fez notar do outro lado do Atlântico, realizando pouco tempo da sua chegada duas exposições no Rio de Janeiro e em São Paulo.

Artista multidisciplinar, ficou conhecido em Portugal sobretudo pelo trabalho fotográfico de cariz surrealista, que produziu entre 1949 e 1952 e que surgiu na sua vida “como uma necessidade da criação de uma identidade, de uma imagem, que, na sua ótica, Portugal não tinha na altura”, refere a biografia disponível no site da Fundação Calouste Gulbenkian, assinada por José Oliveira.

“De facto, no fim da década de 40 e início de 50 a fotografia portuguesa dividia-se entre a foto-reportagem, o pitoresco, e a propaganda, patrocinada pelas publicações do Estado Novo, e a imagem veiculada pelos salões fotográficos, com preocupações de concurso, e que espelhavam a estética dos foto-clubes amadores, entretanto formados”, pode ler-se na página da Gulbenkian. “Os artistas politicamente mais ativos, organizados em torno do neorrealismo, não tinham na fotografia uma forma de expressão plástica consistente”.

Entre as várias figuras da cultura portuguesa que Lemos fotografou, contam-se nomes como Sophia de Mello Breyner Andersen, Arpad Szenes, Maria Helena Vieira da Silva ou Mário Cesariny. Depois da redescoberta da sua fotografia, no final dos anos 70, esta recebeu grande valorização em Portugal. Em 2001, foi galardoado em Prémio Nacional de Fotografia, atribuído pelo Centro Português de Fotografia.

Os estudos de desenho e pintura foram feitos, primeiro na Escola de Artes Decorativas António Arroio, e depois na Sociedade Nacional de Belas Artes, onde frequentou um curso livre. Em 1952, antes do seu exílio, participou numa exposição que reuniu trabalhos seus de artistas como Marcelino Vespeira e Fernando Azevedo, na Casa Jalco, em Lisboa. No mesmo ano dirigiu, com José-Augusto França, a Galeria de Março. Em 1959, quando já residia no Brasl, participou numa mostra de artistas independentes promovida pela Sociedade Nacional de Belas-Artes e, em 1961, na II Exposição de Artes Plásticas, da Fundação Calouste Gulbenkian.

Poema: "nos meus pensamentos sempre"

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nos meus pensamentos sempre
as palavras lutam duas a duas pela verdade

palavras se metem dentro
de outras palavras querendo ideias

sou uma caixa de vários lados
com vários cantos
com duas sombras

uma escura que nasce da clara
outra clara que nasce da escura

a luz cintila e a sombra dorme
a sombra estatela-se e a luz ergue-se

nasce cada palavra dentro de outra palavra

Da antologia "Poesia", de Fernando Lemos, publicada pela Porto Editora (2019)

Em solo brasileiro, dedicou-se sobretudo à exploração do desenho e do grafismo, ficando conhecido pelas pinturas e desenhos abstratos. Em 1957, recebeu o prémio de Melhor Desenhista Brasileiro, na IV Bienal de S. Paulo. Entre os anos 60 e 90, trabalhou em várias instituições públicas brasileiras, ao serviço das quais desenvolveu design gráfico modernista, muitas vezes experimental, e chegou a ser professor na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo e presidente da Associação Brasileira de Design Industrial.

Fernando Lemos oi agraciado com o grau de Comendador da Ordem do Infante D. Henrique e elevado ao grau de Grande-Oficial, em 2018.

“Estou satisfeito, estou feliz, sinceramente, estou feliz”

O artista esteve pela última vez em Portugal no verão passado, para a inauguração da sua primeira exposição antológica, no MUDE, em Lisboa. Pela mesma altura, foi lançada, pela Porto Editora, uma antologia poética do artista que pretendeu igualmente celebrar as várias décadas de vida artística de Lemos e apresentado um documentário de Víctor Ferreira Rocha, “Retratação”, sobre a vida e obra do pintor, artista gráfico, fotógrafo e poeta.

[Excerto do documentário “Retratação”, de Víctor Ferreira Rocha:]

Numa entrevista concedida ao Observador em junho, Fernando Lemos admitiu ser teimoso e que, por causa disso, era feliz. “Sou teimoso. Basta olhar para mim, de cadeira de rodas, alguma teima eu tenho. Tenho ligado ao meu princípio de trabalho a própria crise física que a natureza me deu. É difícil falar isso, mas não tenho dificuldade. Graças à minha deficiência, me encaminhei para ser artista. Precisei de mostrar que era capaz de fazer tudo o que os outros faziam, não para ser melhor, mas para ser capaz de fazer. Isso me deu força”, afirmou.

Fernando Lemos aos 93 anos: “Estou satisfeito e feliz porque sou teimoso”

Lemos teve poliomielite quando era jovem, sofrendo posteriormente de síndrome pós-poliomielite. Em junho, surgiu em Lisboa visivelmente debilitado. Sobre o seu estado de saúde, o seu filho explicou que tomava “muitos remédios”. “Tem problemas de coração, de diabetes, de tensão. A cabeça dele é que o faz estar vivo.” Aos 93 anos, continuava a desenhar e a escrever todos os dias, apesar do cansaço constante, que o obrigava a dormir muito.

“Estou satisfeito, estou feliz, sinceramente, estou feliz”, disse o artista ao Observador. “Mesmo quando aconteceram coisas que não queriam deixar-me feliz, não deu certo, porque sou teimoso.”

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