Para um jovem adepto de futebol, um jogador que representa o clube que se defende é o mais perto que existe de um super-herói. Logo depois do pai, na maioria dos casos, a verdade é que as crianças que gostam de futebol olham para os jogadores dos clubes pelos quais torcem como autênticos ídolos. São tudo aquilo que eles querem ser um dia, vestem as cores que eles vestem aos sábados e domingos quando vão ao estádio e correm e suam e gritam dentro de campo pelo clube pelo qual também eles suam e gritam nas bancadas. Para essas crianças, conhecer um desses super-heróis é um sonho tornado realidade. Entrar no relvado que costumam ver de longe de mão dada com um desses super-heróis está para lá de ser um sonho.

A verdade é que a presença de dezenas de crianças no túnel de acesso ao relvado e no próprio relvado, durante a apresentação das equipas, tem dado origem nos últimos anos a vários momentos memoráveis, entre o ternurento e hilariante: desde a reação dos jovens adeptos que têm a sorte de ficar emparelhados com Messi ou Ronaldo, os cumprimentos de alguns jogadores mais extrovertidos e até a proteção de outros, que despem os próprios casacos para dar às crianças quando está a chover. Para uma criança que gosta de futebol, entrar no relvado de mão dada com um jogador é uma memória para a vida: o problema é que, em Inglaterra, essa memória pode custar bem mais do que as famílias podem pagar.

O West Ham é o caso mais gritante: cada criança chega a pagar 700 libras para poder acompanhar um jogador na entrada no relvado

Uma investigação do Telegraph revela esta terça-feira que alguns clubes da Premier League e do Championship, a segunda liga inglesa, cobram várias centenas de libras pelo momento da entrada em campo ao lado da equipa. Os clubes justificam o valor com o facto de esta ser uma experiência — inclui bilhetes para o jogo, um equipamento completo e, em alguns casos, acomodação num hotel da zona — mas Julian Knight, o presidente do recém-criado Comité para o Digital, Cultura, Media e Desporto do governo de Boris Johnson, garante que não há explicação para a prática de preços tão elevados e que a atitude está a desvirtuar o desporto.

“Se um clube como o Southampton pode fazer isto sem cobrar, não entendo porque é que os outros clubes não o fazem. Podem argumentar a favor de um pequeno valor para a organização mas cobrar este tipo de preços torna acompanhar a equipa um privilégio de alguns e está completamente contra as raízes operárias do futebol”, explicou Julian Knight, que garante que o objetivo é pressionar os clubes que cobram este tipo de valores e erradicar a prática nas duas principais ligas inglesas. Na Premier League, só sete clubes não pedem dinheiro para que jovens adeptos entrem com jogadores — Liverpool, Manchester United, Manchester City, Arsenal, Chelsea, Southampton e Newcastle. Dos restantes, o caso mais grave é o do West Ham, que chega a cobrar 700 libras por cada criança, algo como 829 euros.

O clube de Londres — ao qual se junta, por exemplo, o Aston Villa, o Norwich e o Tottenham, que chegam a pedir 500 libras — encaixa anualmente um valor próximo das 500 mil libras só com o negócio dos acompanhantes dos jogadores. Algo que para Malcolm Clarke, presidente da Associação de Adeptos de Futebol de Inglaterra, acaba por ser “irónico”. “Enquanto que muitos clubes doam dinheiro a associações de caridade, parece-me um pouco irónico que essas mesmas associações trabalhem com comunidades locais em dificuldades: as mesmas comunidades locais em dificuldades que os clubes exploram com estes preços”, explicou ao Telegraph.

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