Donald Trump anunciou esta terça-feira (à tarde nos EUA, ao final da noite em Portugal) que os EUA vão suspender o financiamento à OMS. “Hoje [terça-feira, 14 de abril], dei instruções à minha administração para suspender o financiamento à Organização Mundial de Saúde, enquanto decorrer uma investigação para avaliar o papel da OMS na profunda má gestão e ocultação da propagação do coronavírus”.

Os contribuintes americanos pagam entre 400 e 500 milhões de dólares por ano à OMS — por oposição à China, que contribui com 40 milhões de dólares por ano ou talvez até menos. Como principal patrocinador da organização, os EUA têm o dever de insistir na sua total responsabilização. Uma das decisões mais perigosas da OMS foi a decisão desastrosa de se opor a restrições nas viagens a partir da China e de outros países”, apontou Trump.

O Presidente norte-americano, que anunciou a decisão durante o seu “briefing” diário à imprensa, puxou dos galões de ter ignorado as recomendações da OMS e ter colocado restrições às entradas nos EUA de viajantes provenientes da China, o que, no seu entender, terá salvo “um número incontável de vidas”.

As restrições de viagens não abrangeram, como lembra o britânico The Guardian, todos os cidadãos provenientes da China ou a todos os que tinham estado potencialmente expostos ao vírus, mas sim cidadãos estrangeiros que tivessem estado na China nas duas semanas imediatamente anteriores às restrições entrarem em vigor. Isto é: cidadãos norte-americanos, residentes nos EUA ou familiares de primeiro grau de cidadãos norte-americanos, independentemente do território em que tinham estado nas duas semanas anteriores puderam continuar a entrar em território norte-americano.

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Também as restrições a viagens a partir de países europeus não se aplicaram inicialmente nem a visitantes oriundos do Reino Unido e Irlanda nem a norte-americanos que tivessem estado em viagem na Europa nos dias anteriores.

A suspensão do financiamento à OMS foi decretada na sequência de outras ações da administração Donald Trump relativamente a outras organizações internacionais. Por motivos distintos, o Presidente dos EUA já tinha anunciado, em alguns casos, e levado a cabo, noutros, cortes nas contribuições dos EUA a entidades como a NATO, ONU e Unicef.

Trump diz que salvou “um número incontável de vidas”

Segundo Trump, a “OMS opôs-se bastante” às restrições de entradas no país decretadas pelos EUA, ainda assim. “Felizmente não fiquei convencido e suspendi viagens da China, salvando um número incontável de vidas. Milhares e milhares de pessoas teriam morrido [se não o tivesse feito]. Se outros países também tivessem suspendido as viagens a partir da China, um número incontável de vidas teriam sido salvas. Em vez disso, olhem para o resto do mundo, para regiões da Europa…”

Donald Trump esta quarta-feira, no seu “briefing” à imprensa (@ MANDEL NGAN/AFP via Getty Images)

Os EUA são o país com mais casos de infeção e vítimas mortais por Covid-19, mas atendendo à dimensão da população norte-americana — mais de 320 milhões de habitantes, um número mais de cinco vezes superior ao de Itália e mais de seis vezes superior ao de Espanha, os outros dois países mais afetados — não foram o território no qual a doença incidiu sobre uma percentagem maior da população.

Outros países e regiões seguiram as instruções da OMS e mantiveram as suas fronteiras abertas à China, acelerando a propagação da pandemia em todo o mundo. Muitos países disseram: vamos ouvir a OMS. Agora, estão com tantos problemas que nem acreditam. A decisão de outros grandes países de continuar a permitir viagens [a partir da China] foi uma das grandes tragédias e oportunidades perdidas da fase inicial” da propagação da pandemia, disse Trump.

O Presidente norte-americana acusou ainda a Organização Mundial de Saúde de ter “colocado o politicamente correto à frente das medidas que salvariam vidas” e vincou: “As restrições de viagens resultam pela mesma razão que as quarentenas resultam, as pandemias [para se propagarem] dependem de transmissão entre humanos e o controlo de fronteiras é fundamental para controlar o vírus”.

As críticas à OMS prosseguiram. “Com o surto da pandemia Covid-19, temos grandes dúvidas e preocupações quanto a se a generosidade americana foi canalizada para o melhor uso possível”, apontou. Não podendo confiar na OMS, Trump diz que os EUA “serão forçados a encontrar outras maneiras de trabalhar com outros países para atingir objetivos de saúde pública, não teremos outra hipótese que não fazer isso”.

Continuaremos a trabalhar com a OMS para ver se conseguem fazer reformas significativas. Até lá, vamos redirecionar [os investimentos em] saúde pública e trabalhar diretamente com outros. Vamos discutir com outros países e parceiros de saúde pública: o que fazemos a todo aquele dinheiro que vai para a OMS? Talvez a OMS se reforme, talvez não o faça, mas poderemos vê-lo”, apontou ainda o Presidente dos EUA.

epa08363150 US President Donald J. Trump listens during a news conference in the Rose Garden of the White House in Washington, DC, USA, 14 April 2020. Trump announced that he has instructed his administration to halt funding to WHO, the World Health Organization. EPA/Stefani Reynolds / POOL

@ Stefani Reynolds / POOL/EPA

Os erros apontados à OMS (mas com um tweet comprometedor)

Foram muitos os erros que Donald Trump atribuiu à OMS, que ainda não reagiu (mas deverá fazê-lo esta quarta-feira). Boa parte deles, contudo, passou pela confiança que a organização manifestou pela informação inicialmente veiculada pelo Governo chinês relativamente ao novo coronavírus.

A estação CNN, contudo, lembra que a 24 de janeiro Donald Trump publicou a seguinte mensagem na rede social Twitter: “A China tem estado a trabalhar arduamente para conter o coronavírus. Os EUA apreciam muito os seus esforços e a sua transparência. Vai correr tudo bem. Em particular, em nome do povo americano quero agradecer ao Presidente Xi [Jinping]!”

Mensagem publicada por Trump na rede social Twitter, a 24 de janeiro

Apesar de também ter manifestado confiança nos “esforços e transparência” das autoridades chinesas em janeiro, Donald Trump considera que a OMS falhou rotundamente por “não ter denunciado a falta de transparência da China” e por não ter percebido um mês antes, em dezembro de 2019, que “já existia informação credível o suficiente para suspeitar que houvesse transmissão [do vírus] entre humanos”. Esta é uma lista dos erros atribuídos pelo Presidente norte-americano à OMS esta terça-feira:

  • “Falhou em obter (…) e partilhar informação no momento certo e de forma transparente”
  • “Falhou no dever básico” de “dizer a verdade ao mundo com independência” e portanto “tem de ser responsabilizada”
  • “Falhou ao não investigar relatos credíveis de fontes em Wuhan que contradiziam diretamente os relatos oficiais do Governo chinês” — e em dezembro de 2019, diz Trump, “já existia informação credível o suficiente para suspeitar que houvesse transmissão entre humanos”
  • Falhou por “ter apoiado publicamente a ideia”, em meados de janeiro, “de que não havia transmissão entre humanos, apesar de relatos e provas evidentes do contrário”
  • Falhou pelo atraso em “levar uma equipa de especialistas internacionais [à China] para examinar o surto — o que nós queríamos fazer e o que eles deveriam ter feito”
  • Falhou pela “incapacidade de obter amostras do vírus que privaram até hoje a comunidade científica de ter acesso a dados essenciais “
  • Falhou pelo “silêncio” perante o desaparecimento de “investigadores e médicos” na China
  • Falhou por “não ter denunciado a falta de transparência da China” e por ter até “defendido as ações do Governo chinês e elogiado até a China pela sua transparência — não me parece [que se justificasse]”.

O presidente dos EUA já tinha feito várias críticas à Organização Mundial de Saúde no passado e deixara previamente no ar a hipótese de o país suspender o financiamento à organização. “Damos-lhes aproximadamente 500 milhões por ano… Mas vamos falar desse tema para a semana. Eles têm estado muito centrados na China. Não gosto disso”, dissera o Presidente norte-americano na última sexta-feira.

Trump reflete sobre “o feitiço terrível” do “monstro” Covid-19 e já fala no passado: “Estivemos bem”