Na véspera do Dia Mundial da Língua Portuguesa, que se assinala nesta terça-feira pela primeira vez com o reconhecimento da UNESCO, António Sampaio da Nóvoa disse ao Observador que é preciso “mobilizar energias, recursos e políticas públicas” para fazer face à crise do setor cultural provocada pelas medidas de combate ao novo coronavírus.

O representante permanente de Portugal junto da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura acrescentou: “Há muitos tipos de recursos e de iniciativas possíveis, mas a UNESCO, num encontro virtual com ministros da Cultura [a 23 de abril] já chamou a atenção para isso: a necessidade de também mobilizarem recursos financeiros, seja a partir de fundos de organizações internacionais, seja a partir de fundos nacionais sempre que possível, no sentido de assegurar que atravessamos este momento difícil sem que ele deixe marcas para o futuro”.

Sampaio da Nóvoa, de 65 anos, antigo reitor da Universidade de Lisboa e candidato às eleições presidenciais de 2016, é um dos participantes do Festival Internacional de Literatura e Língua Portuguesa 5L, organizado pela Câmara de Lisboa para assinalar o Dia Mundial da Língua Portuguesa. Diversas iniciativas programadas há vários meses tiveram de ser canceladas devido à pandemia, incluindo as que decorreriam na sede da UNESCO, em Paris. O Festival 5L deveria acontecer entre 5 e 10 de maio, mas terá agora uma versão mínima exclusivamente online a partir das 15h30 desta terça-feira, com transmissão em direto no Facebook e no site oficial.

[vídeo promocional que a Câmara de Lisboa publicou no Twitter:]

Dia Mundial da Língua Portuguesa

No dia 5 de maio, celebra-se, pela primeira vez em todo o mundo, o Dia Mundial da #LínguaPortuguesa. A partir das 15h30, 11 autores de 8 países irão conversar em direto em lisboa5L.pt. O mundo inteiro está convidado.Programa???? https://lisboa5l.pt/agenda/#lisboa5L #dmlp #Lisboa

Posted by Câmara Municipal de Lisboa on Tuesday, April 28, 2020

Questionado acerca das ondas de choque provocadas pela epidemia na área cultural, Sampaio da Nóvoa sublinhou que a UNESCO “tem responsabilidades” no apoio aos criadores e intelectuais afetados.

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“Temos vindo a tomar iniciativas em todo o mundo, com duas grandes preocupações. Por um lado, em relação às consequências desta crise no património, com vista à preservação. Por outro lado, em relação aos criadores, aos artistas e a todos aqueles que se dedicam a estas atividades. Em Portugal, nos últimos anos, este setor tem tido grande vigor. Temos hoje uma geração de jovens escritores absolutamente notáveis, temos um conjunto de pequenas iniciativas editoriais que acompanho com muito cuidado — a Dois Dias Edições, as Edições do Saguão, o Sr. Teste, por aí adiante. Temos um conjunto de criadores com grande pujança que, infelizmente, estão neste momento em situação muito difícil. Obviamente, temos de mobilizar as energias, os recursos e as políticas públicas que pudermos para tentar que esta crise não crie um corte em relação à energia que Portugal vinha vivendo nos últimos anos”, afirmou o embaixador e representante de Portugal na UNESCO.

Germano de Almeida, Dulce Maria Cardoso, José Eduardo Agualusa, Olinda Beja

A criação de um Dia Mundial da Língua Portuguesa já tinha sido estabelecida em 2009 pela CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa), mas só no ano passado ganhou o reconhecimento oficial da UNESCO. A decisão foi tomada em outubro último e confirmada durante a 40ª sessão da Conferência Geral da UNESCO, a 25 de novembro. ”A língua não é um mero instrumento de comunicação”, justificou a organização. “É portadora de um conjunto de expressões culturais e veicula a identidade, os valores e as visões do mundo. Contém a diversidade cultural e o diálogo entre civilizações.”

A 40ª sessão da Conferência Geral da UNESCO aprovou outros sete Dias Mundiais: da arte (15 de abril), da arte islâmica (18 de novembro), da cultura africana e afrodescendente (24 de janeiro), da engenharia para o desenvolvimento sustentável ( 4 de março), da lógica (14 de janeiro), da matemática (14 de março) e da oliveira (26 de novembro). Ficou escrito que a comemoração do Dia Mundial da Língua Portuguesa “não terá qualquer repercussão financeira no orçamento ordinário da UNESCO”.

A Câmara de Lisboa, que já tinha decidido em meados de 2019 criar um festival anual da língua portuguesa, acabou por se associar a este Dia Mundial e lançou um concurso público que escolheu como organizador José Pinho, proprietário da livraria Ler Devagar e responsável pelo Folio – Festival Literário Internacional de Óbidos.

“Não é uma crise, é uma crise de crises”. Indústria do livro não espera pelo Governo, mas pede-lhe ajuda

A programação deste ano do Festival 5L (“língua, livros, literatura, leituras e livrarias”) consiste em dois debates via internet com 11 autores de oito países. A abertura oficial é às 15h30, hora de Lisboa, com intervenções do presidente da Câmara, Fernando Medina; de Sampaio da Nóvoa e de José Pinho. Mais há mais:

  • transmissão de duas curtas-metragens de Tiago Pereira: A Língua Portuguesa a Gostar dela Própria e Vozes do Português (16h00 e 18h45);
  • debate “Viagens da Língua Portuguesa”, com moderação da jornalista Isabel Lucas e os escritores Ana Margarida de Carvalho (Portugal), António Prata (Brasil), Flaviano Mindela dos Santos (Guiné-Bissau), Germano de Almeida (Cabo Verde), José Eduardo Agualusa (Angola) e Olinda Beja (São Tomé e Príncipe);
  • debate “Literatura de Reconstrução”, moderado pelo jornalista Afonso Borges (Brasil), com Dulce Maria Cardoso (Portugal), Isabela Figueiredo, (Portugal), Ondjaki (Angola), Luís Cardoso Noronha (Timor-Leste) e Mbate Pedro (Moçambique).
Uma feirante última os expositores para a Feira do Livro de Lisboa 2019, no Parque Eduardo VII, em Lisboa, 29 de maio de 2019. JOÃO RELVAS/LUSA

Feira do Livro de Lisboa será mesmo em Agosto? “está dependente das regras sanitárias que vierem a ser impostas”, afirmou a vereadora Catarina Vaz Pinto

Segundo Catarina Vaz Pinto, vereadora da Cultura da Câmara de Lisboa, o festival quer “valorizar a língua portuguesa, a leitura e os autores” e constituir-se como “ponto alto da dinâmica cultural em torno da literatura que a Câmara desenvolve há vários anos através de bibliotecas, da Casa Fernando Pessoa e do apoio às escolas e à Feira do Livro”. Apesar da versão minimal deste ano, por causa do coronavírus, o objetivo futuro é o de juntar várias iniciativas ao longo de cada ano que culminem a 5 de maio. Uma dessas iniciativas, adiantou a vereadora, intitula-se Caixote e prevê já a partir de setembro a participação de alunos do primeiro ciclo ou de famílias com filhos em idade escolar.

75 mil euros para pequenas livrarias da capital

Quanto à realização da Feira do Livro de Lisboa, cuja 90.ª edição deveria começar a 28 de maio e foi adiada em março, continua a ser uma incógnita, segundo Catarina Vaz Pinto. A iniciativa é da Câmara Municipal de Lisboa e da Associação Portuguesa de Editores e Livreiros (APEL). Tem sido descrita como o principal evento cultural da capital e a maior montra do setor livreiro português.

A eventual realização em fins de agosto “está dependente das regras sanitárias que vierem a ser impostas”, disse a vereadora. “Desejamos que aconteça no fim de agosto, é essa a data pré-acordada, mas a realização e o formato têm de ser revistos em função das regras de realização de eventos e do número de pessoas que pode lá estar.”

Catarina Vaz Pinto adiantou também que “já está em marcha” o “fundo de apoio a aquisições” para artes plásticas, arte pública e setor do livro — no quadro das “medidas de apoio” da autarquia conhecidas a 25 de março. “Numa primeira fase, até ao fim de maio, vamos ter 75 mil euros para que a Rede de Bibliotecas Municipais possa adquirir livros junto de livrarias de pequena e média dimensão do concelho de Lisboa. Eventualmente, haverá uma nova fase de aquisições no último trimestre do ano, para abarcarmos livros que venham a ser editados entretanto”, explicou a vereadora.