“I Know This Much is True” é, muito provavelmente, a melhor série que podemos ver no momento. Não na medida em que costumamos procurar a ficção ou o entretenimento em geral – enquanto fuga, evasão, distração – mas precisamente na oposta: a vida na nova minissérie da HBO é tão trágica, tão dura, tão sem esperança, que, quando acaba, uma pessoa se sente aliviada por só estar a viver a maior pandemia do século.

Comecemos pelo princípio. Dominic Birdsey tem um irmão gémeo, Thomas, que é esquizofrénico paranóide. Se o assunto já não seria leve, piora quando Thomas – que, medicado, consegue fazer uma vida razoavelmente normal – tem um surto e amputa a própria mão esquerda com uma faca, numa biblioteca pública, acreditando que com o sacrifício espiará os pecados da América envolvida na primeira Guerra do Golfo e, de acordo com a sua leitura da Bíblia, impedir o Armagedão. A partir daí, Dominic iniciará uma via sacra para tentar libertar Thomas da instituição onde é encarcerado e impedir que o frágil irmão seja largado aos lobos, entre medicações poderosas, loucos mais loucos e a opressão daqueles que deveriam tratar dele.

Esta é a parte leve da história. À medida que vamos avançando na trama e, entre plots paralelos e flashbacks, completando o puzzle do passado, descobriremos pais incógnitos, antepassados monstruosos, violações, suicídios, infanticídios, síndromes de morte súbita infantil, acidentes, discussões, agressões e até, porque não?, maldições das antigas.

[o trailer de “I Know This Much is True”:]

O tópico dos irmãos gémeos tem inspirado, como sabemos, muita ficção através do tempo. Reformulemos: tem sido esfolado. Percebe-se o porquê à partida – além do apelo visual, abre excelentes possibilidades de debater o eterno tema da identidade – mas raramente no final. Do gémeo bom e do gémeo mau da telenovela ao mero pretexto para a exibição da galeria de recursos de um actor à procura da canonização, poucas histórias de gémeos têm, afinal, valido a pena reter na memória.

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É difícil perceber o que possa ter levado a HBO a fazer “I Know This Much is True” senão uma aposta muito pessoal de Mark Ruffalo, também produtor executivo do projecto. Escrita e realizada por Derek Cianfrance (“Blue Valentine”), é uma adaptação do romance homónimo de Wally Lamb, obra cuja grande conquista fora, até aqui, a inclusão nas listas de Oprah Winfrey há mais de 20 anos. O tema dos gémeos e até o das doenças mentais funcionam, na verdade, apenas como iscos para acompanhar o verdadeiro tema da série: a vida do mal-amado Dominic. O gémeo esquizofrénico é encarcerado logo no final do primeiro episódio, para só o voltarmos a ver a espaços, ou nos flashbacks da infância (a única vez em que os Birdsey são interpretados por dois irmãos: os jovens Donnie and Rocco Masihi) ou da juventude (notáveis Philip Ettinger e equipa de efeitos especiais). O impacto das cenas de Ruffalo contra Ruffalo (cujos méritos como actor estão acima de qualquer suspeita) é anestesiado pela sensação de que a CGI resolve hoje tudo demasiado longe dos nossos olhos e apenas nos apresenta a refeição já pronta, sem magia, ocasionalmente sobressaltado pelos momentos em que topamos, à légua, um duplo em cena.

Há um instante em que “I Know This Much is True” vai para se tornar interessante: quando parece sugerir que o irmão que precisa de tratamento é o “normal”; que a “normalidade” pode ser só por si doença e desequilíbrio que chegue – mas o instante passa depressa. Derek Cianfrance não explora realmente as subtilezas humanas que promete e, embora tivesse a sensatez de deixar cair ao menos alguns dos 50 assuntos que Lamb tenta empacotar no livro, abandona, pura e simplesmente, nos últimos episódios, personagens e linhas de história, sem qualquer explicação. E resta dizer que ficamos com a claríssima sensação de que terá havido uma reescrita do argumento após o episódio 4, como se desejassem afastar-se dum final demasiadamente adivinhado (e mais não dizemos porque não queremos fazer spoilers).

Faça-se o elogio do elenco – Rosie O’Donnell, Archie Panjabi, Kathryn Hahn, Imogen Poots, John Procaccino e Rob Huebel, nenhum menos do que ótimo (oportunidade também para rever Juliette ah-os-anos-90 Lewis) – e da banda sonora (uma série que passe Faith No More tem sempre pelo menos um pouco da nossa estima). De resto, chegar ao fim dos seis longuíssimos episódios de “I Know This Much is True” (o último tem a duração de um pequeno telefilme) e voltar à realidade é um alívio. Sim, mesmo a esta realidade.

Alexandre Borges é escritor e argumentista