A ideia de uma imunidade de grupo, quando se fala no novo coronavírus, “é uma fantasia… isso não existe para este tipo de vírus“, diz William Haseltine, um dos cientistas mais experientes e influentes dos EUA. “É uma fantasia. E uma fantasia perigosa, que já levou a um número extraordinário de mortes na Suécia”, lamenta o especialista, que pede que se “elimine esse conceito do nosso vocabulário e do nosso pensamento“. Mas não é por isso que devemos voltar fechar as economias, antecipa o cientista, porque boa parte do “mundo em que vivemos foi construído quando vivíamos cada dia com a possibilidade de o amanhã não existir” e quando uma infeção poderia, para muitos, significar a morte.

Estes são alguns dos avisos de William Haseltine, um antigo professor de Harvard com uma carreira de mais de 50 anos ligada às ciências e à promoção do acesso aos cuidados de saúde. Em entrevista à Bloomberg TV, o cientista nascido em 1944 recorda que no início da sua carreira “os antibióticos estavam a surgir, a penicilina tinha sido descoberta… Mas antes de isso acontecer, quando estávamos a construir as nossas cidades, os nossos caminhos de ferro, habituámo-nos a viver com a possibilidade de o amanhã não existir”. “Toda a gente sabia que uma infeção podia levar à morte“, lembra Haseltine, considerando que “voltámos a essa era“.

O tal regresso a uma era passada “é, aliás, algo que muitos de nós [cientistas] prevíamos, isto é, que a dada altura surgisse uma doença que nos levasse para o período pré-antibióticos”. Por outras palavras, a pandemia Covid-19 não irá levar ao “fim do mundo”: “O seu mundo pode acabar [se morrer da doença], mas a Humanidade prossegue e as economias continuam“.

Construímos boa parte do mundo em que vivemos antes de haver vacinas e antibióticos. Vamos prevalecer, mas vamos pagar um preço. O que falta perceber é exatamente que preço é que as nossas sociedades e as nossas autoridades estão dispostas a pagar”, diz William Haseltine.

Vacina? Mais provável é surgirem terapias eficazes

Na análise de William Haseltine, há que relativizar o otimismo de que poderá em breve ser desenvolvida uma vacina, mas os seus cerca de 50 anos de experiência levam-no a avisar que não será assim tão simples. “Podemos ter sorte, é verdade, acertar à primeira” numa vacina eficaz e segura, “mas o mais provável é que não seja nem totalmente eficaz nem, em simultâneo, totalmente segura”.

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Haseltine recorda que foi “apupado” quando disse, em 1986, que não estaria no horizonte uma vacina contra o HIV. Com esta doença diz ter “menos certezas, porque é uma doença que está entre o HIV e o poliomielite”.

Ou seja, “as pessoas conseguem recuperar, conseguem gerar resposta imunitária, podem ficar temporariamente imunes mas, depois, os coronavírus voltam sempre: O mesmo vírus, no próximo ano, afetando a mesma pessoa”. Por isso é que não existe imunidade de grupo nesta pandemia, uma ideia que tem norteado a intervenção das autoridades de saúde em países como a Suécia.

Este é um vírus que se adaptou ao nosso sistema imunitário. Tem cerca de 20 ferramentas que usa para contrariar a nossa resposta a ele. Será que essas ferramentas vão ser usadas? Será que essas ferramentas impedem que seja possível ter uma vacina? Talvez, são demasiadas perguntas.”

“As boas notícias vão chegar”. Mas provavelmente não são uma vacina

“Se eu tivesse de apostar, hoje, sobre o que é que virá primeiro – medicamentos eficazes ou uma vacina – daria cerca de 50% de probabilidade de haver uma vacina segura e eficaz e daria 90% de probabilidade de haver terapêuticas profiláticas e tratamentos eficazes para tratar os doentes e evitar que aqueles que estão infetados fiquem mais doentes”, diz William Haseltine.

O cientista antecipa que “poderemos ter uma vacina, mas não saberemos imediatamente quão eficaz ela é. E, sem dúvida, não saberemos em seis meses se é segura… Mas, quando se fala em medicamentos, estou razoavelmente confiante de que teremos uma forma de ajudar aqueles que estão doentes e aqueles que estão numa fase inicial da infeção, evitando que fiquem muito pior”.

Ou seja, na ótica de William Haseltine, “quase toda a atenção está focada nas vacinas mas vamos ver que nos próximos dois, três meses haverá muita atenção em torno de uma vasta gama de medicamentos, incluindo medicamentos que foram desenvolvidos desde a crise SARS e do MERS” e que podem ajudar a combater a doença mas que não são uma vacina. “As boas notícias vão chegar“, aponta.

Até lá, as pessoas “que dizem que estão à espera de ter uma vacina segura e eficaz, antes de voltar a viajar, por exemplo, poderão ter de esperar muito tempo. “Mais vale pensar em como tornar as viagens mais seguras, como fazer com que as companhias aéreas sentem as pessoas mais afastadas, que se certifiquem que o ar é limpo – e eu, se viajar, vou usar uma máscara N95 e proteção ocular, para certificar que não infeto o meu vizinho e certificando-me que a companhia aérea assume a responsabilidade de zelar pela minha segurança”.

Para já, o cientista salienta, porém, que é “totalmente errado” dizer-se que a pandemia está controlada (nos EUA) e que só existem “pequenos solavancos” localizados, como algumas autoridades norte-americanas têm dito.

Ainda não saímos da primeira vaga, portanto ainda é cedo para falar de uma segunda vaga. Estamos a ver uma vaga prolongada. como um tsunami, que vem, vem e vem”.

“Subimos a um planalto mas confirmou-se que demoraríamos muito tempo a baixar desse planalto”, diz o cientista, acrescentando que “agora parece que estamos a subir a um nível mais elevado desse planalto”, por isso “é absolutamente incorreto falar em ‘pequenos solavancos’, é totalmente errado, é só o que se pode dizer“, lamenta William Haseltine.