A missão da NASA e da SpaceX sobreviveu à fase mais arriscada da epopeia espacial: a reentrada na atmosfera da Terra. O Dragon pilotado por Bob Behnken e Doug Hurley amarou com sucesso na costa da Flórida, levando a primeira missão tripulada do programa comercial norte-americano a bom porto.

É um momento histórico para a exploração espacial, já que é a primeira vez que uma companhia privada comprova ter capacidade para transportar astronautas para o espaço e trazê-lo de volta para a Terra em segurança. É também um momento importante para os Estados Unidos: há 45 anos que nenhuma cápsula americana amarava na Terra.

Há pouco mais de dois meses, estes dois astronautas da NASA tornaram-se os únicos a viajar até à Estação Espacial Internacional a bordo de um módulo privado; e os primeiros a descolar até ao espaço com tecnologia americana e de solo nacional desde 2011. Agora regressaram a Terra.

À chegada dos astronautas à Terra, o engenheiro-chefe da missão deixou claro o significado comercial do momento a que todo o mundo acabou de assistir quando, dirigindo-se a Bob Behnken e Doug Hurley, disse: “Bob e Doug, em nome de toda a equipa de lançamento, obrigado por ter voado com a SpaceX”, imitando as mensagens típicas das companhias aéreas.

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O astrónomo José Augusto Matos, membro da Associação de Física da Universidade de Aveiro, reforça a ideia de que esta missão é “historicamente importante” porque prova que os Estados Unidos conseguem levar e trazer os astronautas para o espaço.

Em declarações à Rádio Observador, o astrónomo diz ainda que esta missão “abre a porta ao turismo à volta da terra” e que daqui a uns anos vai haver viagens na ordem dos 100 mil euros para turistas curiosos pelo espaço.

SpaceX Dragon “abre a porta para viagens à volta da terra. Já comprou bilhete?”

Bob e Doug já saíram do histórico Dragon da SpaceX

Imediatamente após a amaragem, duas embarcações rápidas com pessoal da SpaceX aproximaram-se do módulo. O primeiro barco verificou a integridade da cápsula e testou a área ao redor do Crew Dragon para detetar a presença de vapores potencialmente nocivos para a saúde. Depois disso, a nave espacial foi içada por uma grua e pousada num navio. Enquanto isso, o segundo barco recuperou os paraquedas.

O Dragon foi então levado para um local estável para que a escotilha fosse aberta e os profissionais médicos verificassem o estado de saúde dos astronautas. A abertura da escotilha ocorreu com atraso de alguns minutos porque os técnicos detetaram a presença de um nível demasiado alto de tetróxido de azoto, um químico muito tóxico usado nos propulsores. Quando os valores estabilizaram, os astronautas foram retirados da cápsula.

Enquanto Bob Behnken saía da cápsula, Doug Hurley deixou uma mensagem a toda a equipa da SpaceX que auxiliou a tripulação a regressar em segurança a Terra: “Uma mensagem para quem já tocou no Endeavour. Reservem um momento para apreciar este dia”, disse ele, arrancado uma salva de palmas da sala de controlo na Florida.

Após novos exames médicos iniciais, Bob e Doug serão levados para Houston. Terão de fazer uma quarentena para recuperar a condição física e fazerem alguma fisioterapia, uma vez que a estadia no espaço pode ser dura para os músculos e para os ossos. Já o Dragon fica na Florida para ser examinado pelos especialistas.

A atribulada viagem do Dragon ao reentrar na atmosfera terrestre

Após uma viagem de 19 horas, o momento do “splasdown” — em português, “amaragem” — em que Bob Behnken e Doug Hurley cairam na costa de Pensacola, estado da Flórida, ocorreu à hora marcada: 19h48 de Portugal Continental. Ficou provada a capacidade da SpaceX para transportar astronautas para o espaço.

Depois de ter desprezado o baú de carga, ocorreu então a abertura dos paraquedas do Dragon, que permitiu uma amaragem faseada. Dois deles foram acionados a cerca de 5.500 metros do solo, mas os quatro paraquedas principais só foram abertos quando a cápsula chegou a perto dos 2.000 metros de altitude. Graças a este mecanismo, o Dragon amarou em segurança.

Ao entrar na atmosfera, a cápsula viajava a pouco menos de 28,2 mil quilómetros por hora e atingiu temperaturas de até 1.927ºC. A missão demorou seis minutos a atravessar a atmosfera antes de chegar ao chão. Durante alguns momentos dessa viagem não houve comunicações entre os astronautas e a sala de controlo por causa do plasma que se gera em torno da cápsula. Ao chegar ao mar, o Dragon já iria uma velocidade de apenas 24 quilómetros por hora.

Desacoplagem ocorreu 19 horas antes da amaragem

A desacoplagem do Dragon da Estação Espacial ocorreu às 00h35 de domingo. Logo depois, Doug G. Hurley deixou uma mensagem a Chris Cassidy, que está à frente do laboratório neste momento: “Não te podemos agradecer o suficiente. Foi uma honra e um privilégio fazer parte da Expedição 53 com o Anatoly e o Ivan. Foram uns três meses ótimos, assim como tudo o que fizeram com a tripulação do Dragon neste voo. Também quero agradecer a toda a equipa na sala de controlo em Houston para fazer com que tudo fosse um sucesso”.

A bordo do Dragon que se dirige esta noite para Terra veio também uma bandeira norte-americana, a The Star-Spangled Banner, que estava guardada há nove anos na Estação Espacial Internacional. Foi levada em 2011 pela última tripulação do programa Space Shuttle e pendurada nas paredes do laboratório. Barack Obama, então presidente do país, disse que bandeira só regressaria a Terra quando uma missão descolasse de solo americano. Aconteceu este ano e o desafio será concretizado.

Enquanto a missão Demo-1 na NASA e da SpaceX chega às horas finais, a segunda missão do programa espacial comercial norte-americano já tem tripulação: são Shane Kimbrough e Megan McArthur (NASA), Thomas Pesquet (ESA) e Akihiko Hoshide (JAXA). Devem partir para a Estação Espacial a bordo de um Dragon na primavera do próximo ano.

Missão “provou modelo de negócio” para ir à Lua (e mais além)

Em conferência de imprensa depois da chegada dos astronautas, Jim Brindestine, administrador da NASA, realçou que a missão Demo-2 da NASA e da SpaceX “provou o modelo de negócio” que levará o programa Artemis para a Lua e, mais tarde, a Marte.

“Agora é tempo de capitalizar todos os grandes programas que foram estabelecidos recentemente, em que se incluem o regresso sustentável à Lua no programa Artemis. Vamos à Lua com parceiros comerciais e com parcerias internacionais, vamos usar os recursos da Lua e vamos trabalhar noutro mundo durante longos períodos de tempo, absorver esse conhecimento e ir a Marte. O programa de voo comercial só provou este modelo de negócio”, disse o líder da NASA.

Jim Bridenstine confirmou que “estamos a entrar numa nova era de exploração espacial, onde a NASA já não é o comprador, proprietário e operador do hardware”: “Vamos ser um cliente entre muitos clientes de um mercado comercial robusto de voo espacial tripulado para a baixa órbita terrestre. Queremos ter muitos fornecedores que competem uns com os outros em termos de custo, inovação e segurança; e que aumenta o acesso ao espaço de uma maneira que nunca existiu antes. Isto é só o início”.

Também Gwynne Shotwell, presidente da SpaceX, olha para o futuro que se abre com esta missão: “Isto foi uma missão extraordinária, um dia extraordinário para a NASA, SpaceX e, com toda a sinceridade, para todos os americanos e toda as pessoas interessadas nos voos espaciais. Isto é só o início de uma aventura de levar pessoas regularmente para baixa órbita terrestre, para a Lua e, por fim, a Marte”.

Em conferência de imprensa, a líder da SpaceX considerou que “devemos celebrar este dia, celebrar o regresso do Bob e do Doug”, mas “também devemos pensar nisto como um trampolim para fazer coisas ainda mais difíceis com o programa Artemis e, claro, a viagem para Marte”.