“Sinto-me bem por chegar ao meu país”. A frase simples, dita por Jorge Jesus no dia em que aterrou no aeródromo de Tires acompanhado por Luís Filipe Vieira, acabou por marcar o regresso do treinador a Portugal e ao Benfica. De lá para cá, em quase duas semanas, os encarnados golearam o Desp. Aves, venceram o Sporting na Luz e perderam a Taça de Portugal para o FC Porto. Jesus, esse, recuou para os bastidores e viu tudo já a pensar na próxima temporada. Esta segunda-feira, era hora de voltar para o centro dos holofotes.

“Acredito no projeto do presidente e acredito no presidente a 100%. Eu vim para ganhar. Estou habituado a ganhar. Mas também vim para unir a nação benfiquista”, começou por dizer Jorge Jesus esta segunda-feira, na apresentação oficial como novo treinador do Benfica, cinco anos depois de trocar os encarnados pelo Sporting e pouco mais de um após assumir o comando dos brasileiros do Flamengo.

“Não vi para o Benfica para me reformar. O presidente ofereceu-me quatro anos de contrato e eu disse: ‘Não quero, quero um ano’. O presidente disse que eram dois, pelo menos, e eu disse que pronto, fazíamos dois anos de contrato. Não vim para melhorar o contrato salarial. Vim ganhar menos dinheiro do que ganhava no Flamengo. Vim para o Benfica porque acredito num projeto. Acredito nesta nação e acho que tem todas as condições para fazer o Benfica. Para voltar a ter o prestígio internacional que o Benfica já teve”, acrescentou o treinador português, que assinou até 2022.

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A tomar a palavra depois de Luís Filipe Vieira e Rui Costa, Jorge Jesus garantiu que não é “o salvador”. “Quando saí ganhámos tudo, vim agora com essa convicção. Cheguei de um grande clube também. Agradeço o carinho que me deram. Para vir para o Benfica tinha de haver uma causa muito grande: voltar a ganhar, com todos os benfiquistas unidos”, explicou o técnico. “Só uma pessoa e um clube é que me podiam convencer a sair do Brasil e o presidente convenceu-me a voltar a Portugal”, acrescentou Jesus, depois de ser confrontado com as declarações da primeira apresentação no Benfica, em 2009, quando disse que os encarnados iriam “jogar o dobro”, e responder que a equipa vai agora “jogar o triplo”.

Luís Filipe Vieira foi o primeiro a falar, deu a palavra a Rui Costa e depois chamou Jorge Jesus ao púlpito

“Agora vou tentar conquistar outro paraíso. Como é normal, dependemos de resultados. Estamos convictos de que temos capacidade para fazer um grupo muito forte. Não vim para o Benfica, como li em alguns jornais, para fazer uma revolução. Não vou fazer revolução nenhuma. Vou mudar conceitos e vou mudar ideias. Para depois dizer que voltei a outro paraíso”, adiantou o treinador português, que garantiu ainda que é um treinador “muito diferente” daquele que era quando saiu, há cinco anos. “Não sou o mesmo treinador. Sou muito mais treinador, tenho ideias muito mais valorizadas para o Benfica e para o futebol português”, disse Jesus, que sublinhou mais à frente que é “treinador de futebol” e não “treinador de uma equipa”. “Trabalho nas equipas com paixão e morro por elas”, acrescentou.

O treinador português respondeu ainda a uma pergunta sobre o facto de este regresso não ser consensual entre os adeptos encarnados, face à saída para o Sporting em 2015. “Críticas dos adeptos? O que prometo? Só posso prometer aos adeptos o meu trabalho e não estou a chegar como há 10 anos mas sim com muitos títulos que muitos ajudaram a ganhar. Hoje no mundo sou conhecido. Agradeço ao Benfica, ao Flamengo mas também à minha capacidade de trabalho. Acredito que vou dar alegrias. No outro lado do Atlântico ninguém acreditava em mim e quando saí choraram. É o que vou tentar fazer agora no Benfica”, atirou Jorge Jesus, ladeado pelos 10 troféus que conquistou na primeira passagem na Luz.

No final da apresentação, ficou a ecoar uma das últimas frases do treinador: “Vamos fazer uma grande equipa. Vamos arrasar”. Mas antes de Jesus tomar a palavra, falou então Luís Filipe Vieira. “Hoje começa um ciclo novo no Benfica. Juntamos novamente os três aqui [Jesus, Vieira e Rui Costa]. Curiosamente todos nós somos bairristas e o Benfica na realidade é o povo. Jorge, temos de dizer que iremos fazer tudo o que esteja ao nosso alcance para que a família benfiquista seja feliz nos próximos anos. Como todos sabem, como todo este pais, iremos ter muitas dificuldades. Mas de certeza que, se o Benfica estiver bem, se estiver a conquistar tudo o que tem de conquistar, a grande maioria deste país estará feliz. Desejamos-te as boas vindas. Esperamos voltar a ter a hegemonia completa do futebol português e queremos ganhar na Europa”, disse o presidente encarnado, que não escondeu a boa disposição já depois do final da apresentação.

Mas horas antes de o técnico comparecer no Benfica Campus, o clube da Luz já tinha assinalado o regresso na newsletter diária, referindo que estará “um grande treinador” à frente de um plantel que será “muito bem apetrechado”.

“Um grande treinador, um plantel muito bem apetrechado”: o anúncio do dia 1 de Jesus (sem alusões ao túnel na final da Taça)

“Queremos ganhar sempre, nunca nos acomodamos nem viramos a cara à luta. Damos o melhor de nós para contribuirmos para o acréscimo de títulos e troféus ao nosso vasto e glorioso palmarés. E, felizmente, reabituámo-nos a vencer regularmente, algo que não acontecia desde a década de 80 do século passado, o que muito nos orgulha e satisfaz, mas ainda mais nos responsabiliza. Não surpreende, portanto, que, no final de uma época em que vencemos somente a Supertaça, se tenha decidido enveredar por outro caminho, não obstante o destino pretendido — ganhar, ganhar e ganhar — se mantenha. Impunha-se uma reação rápida à derrota e ela aí está, com o regresso de Jorge Jesus para iniciar um novo ciclo. Trata-se de um técnico indiscutivelmente competente com provas dadas em vários clubes, nomeadamente no Benfica, pelo qual se sagrou campeão três vezes, celebrando o bicampeonato 31 anos depois do anterior”, podia ler-se na comunicação do Benfica, publicada no site oficial do clube.

Já Jorge Jesus, através das redes sociais, também assinalou o dia da apresentação. Com uma montagem em que surge no Estádio da Luz, com a presença do símbolo do clube e da característica águia, o treinador português partilhou a expressão “De muitos, um”, em referência à frase latina E Pluribus Unum, que é o lema do Benfica.

Jorge Jesus regressa então à Luz e ao Benfica cinco anos depois da polémica saída para o Sporting. Nessa primeira passagem pelos encarnados, o treinador português chegou em 2009, depois de ter orientado principalmente União de Leiria, Belenenses e Sp. Braga e para substituir Quique Flores. Foi campeão nacional na época de estreia, para além de ter conquistado a Taça da Liga, e em 2014 e 2015 garantiu o bicampeonato que escapava ao Benfica desde os anos 80. Venceu a Taça da Liga noutras quatro ocasiões, ganhou uma Taça de Portugal e uma Supertaça e ainda chegou a duas finais europeias consecutivas, perdendo a Liga Europa primeiro para o Chelsea e depois para o Sevilha.

No Sporting e em três temporadas, Jesus conquistou uma Supertaça e uma Taça da Liga, deixando Alvalade depois do ataque à Academia, na sequência da final da Taça de Portugal perdida para o Desp. Aves e enquanto o clube vivia um período de convulsão interna sem precedentes. Esteve cerca de meio ano no Al-Hilal da Arábia Saudita, onde venceu a Supertaça, e no final de maio de 2019 anunciou que tinha aceitado o desafio de cruzar o Atlântico para orientar o Flamengo. No Rio de Janeiro e de forma surpreendente, ganhou o Brasileirão, a Supertaça, a Recopa e o Carioca — para além da Taça Libertadores, que escapava ao clube desde 1981. Chegou ainda à final do Mundial de Clubes, onde perdeu com o campeão europeu Liverpool, e renovou contrato no início do passado mês de junho por mais uma época, depois de a hipótese de uma saída para um grande clube da Europa ter ficado gorada. O convite do Benfica, aliado ao receio alimentado pelo estado da pandemia no Brasil, trocaram-lhe as voltas: Jorge Jesus está de regresso ao futebol português.