O presidente da Assembleia da República repudiou esta quinta-feira as ameaças dirigidas a três deputadas e a ativistas por parte de um “grupúsculo de extrema-direita”, condenando os “atos racistas e fomentadores do ódio” e a tentativa de intimidação. As reações chegaram de todos os quadrantes políticos, com o líder do CDS a denunciar “grupelhos de extrema-direita”. Já André Ventura lamenta que as ameaças ao Chega não causem o mesmo alarme.
Três deputadas ameaçadas por grupo neonazi através de email. PJ já está a investigar caso
“A tentativa de intimidar deputados e ativistas políticos reveste-se de gravidade suficiente para que, enquanto Presidente da Assembleia da República, não possa — nem queira — deixar de a condenar, manifestando também todo o meu apoio aos visados”, escreveu Ferro Rodrigues, numa mensagem enviada esta quinta-feira à Lusa.
As deputadas do Bloco de Esquerda Beatriz Dias e Mariana Mortágua, a deputada não inscrita (ex-Livre) Joacine Katar Moreira e mais sete ativistas são visados num email contendo ameaças dirigido ao SOS Racismo.
Afirmando ter tomado conhecimento das ameaças com “enorme sentimento de repúdio”, o presidente do parlamento sublinha que este tipo de atos pode constituir crime e que a situação em concreto, “conforme é público, já está a ser investigada por parte das autoridades judiciárias”.
“Não obstante a gravidade dos acontecimentos, tenho inteira confiança nas deputadas e nos deputados do nosso parlamento, guardiões da nossa democracia, para saber que nunca deixarão os seus atos e as suas opiniões serem condicionadas por vãs tentativas de intimidação por grupúsculos inimigos dos direitos e das liberdades fundamentais”, lê-se na mensagem.
Eduardo Ferro Rodrigues alertou que a “direita populista e extremista está a tentar, em muitas democracias consolidadas, ressuscitar do passado de triste memória uma agenda anti-democrática”.
Solidarizando-se com as deputadas e demais visados, o presidente do parlamento considerou que “este tipo de atos racistas e fomentadores do ódio é ilustrativo disto mesmo, merecendo, por isso, a mais veemente condenação de todos os democratas e da Assembleia da República”.
Ventura fala em “coitadinhos”, horas depois reprova ameaças
Em sentido contrário, o presidente do partido de extrema-direita Chega, André Ventura, desvalorizou as ameaças de morte e lamentou que ninguém fique “alarmado” com as ameaças que ele e o seu partido recebem. “Quando o André Ventura e o CHEGA são ameaçados (que acontece a toda a hora) ninguém fica alarmado. Quando são estes coitadinhos, toda a gente chora e grita. Miserável país!”, escreveu Ventura no Twitter.
Quando o André Ventura e o CHEGA são ameaçados (que acontece a toda a hora) ninguém fica alarmado. Quando são estes coitadinhos, toda a gente chora e grita. Miserável país! https://t.co/1BUMYHGJmD
— André Ventura (@AndreCVentura) August 12, 2020
Após esta primeira reação no Twitter, quase oito horas depois, o líder demissionário do partido populista de direita Chega afirmou que todas as ameaças a deputados ou outros políticos “merecem a mais viva reprovação” do partido e acusou a “extrema-esquerda” de criar o “fantasma do racismo”.
Em declarações à Agência Lusa, André Ventura disse que “todas as ameaças a deputados ou outros agentes políticos merecem a mais viva reprovação do Chega, tenham ou não teor racista”. “Nem o Chega nem eu próprio temos nada a ver, obviamente, com ameaças feitas a deputadas ou a ativistas. Eu combato a extrema-esquerda no parlamento e na rua, não com ameaças”, disse.
Para Ventura, “é a extrema-esquerda e o SOSRacismo quem está a criar este fantasma do racismo em Portugal”, prometendo o “combate” do Chega, “em todas as frentes”, uma vez que o partido ao qual é recandidato a presidente em 05 de setembro quer “direitos e deveres iguais para todos”.“O que não se compreende é que seja preciso esta ladainha do racismo para motivar a intervenção das mais altas figuras do Estado. E quando foram ameaças de morte ao Chega ou ao seu presidente?”, indignou-se.
PCP pede “intervenção determinada e firme de combate à intolerância”
O PCP defende uma “intervenção determinada e firme de combate à intolerância” levada a cabo por “forças reacionárias e populistas”, na sequência das ameaças contra ativistas e três deputadas. “A ação fascizante que se desenvolve há anos, que tem no racismo uma expressão, é inseparável da promoção dada a forças reacionárias e populistas”, refere o partido.
Segundo a visão dos comunistas, “a situação exige uma intervenção determinada e firme de combate à intolerância e às ações de confronto com valores e princípios democráticos e com a própria Constituição da República”.
“É essa acção pela democracia, esse combate ao racismo e à xenofobia que o PCP faz com toda a determinação e com a autoridade de décadas de intervenção política que o testemunham. O PCP foi e é contra o racismo (como foi e é contra o colonialismo) não por uma questão de moda mas por princípio e convicção. Insinuar o contrário é insultuoso. Tanto mais quanto recorrendo à mentira se procura atribuir ao PCP afirmações de ausência de racismo em Portugal que nunca foram proferidas.”
PS acredita que “não basta atirar leis para cima dos problemas”
A vice-presidente da bancada parlamentar do PS, Constança Urbano de Sousa, considerou “intoleráveis” as ameaças de que foram alvo três deputadas e outros sete ativistas e defendeu a necessidade de “aplicar com determinação” as leis existentes. “Este tipo de acontecimentos são intoleráveis na sociedade portuguesa. Nós já temos um quadro legislativo exigente e robusto e este tipo de situações deve ser rapidamente investigada pelas autoridades competentes”, salientou a deputada socialista, em declarações à agência Lusa.
No entender de Constança Urbano de Sousa, “não basta atirar leis para cima dos problemas”, até porque “o quadro legislativo vigente é bastante exigente”. “E, por isso, as autoridades competentes têm que os investigar com celeridade, eficácia, de forma a também ter aqui uma atitude preventiva porque são situações que não se podem tolerar”, reiterou.
“Não podemos construir a democracia com quem nela não acredita”, diz PSD
O presidente da concelhia de Lisboa do PSD insurgiu-se também contra o racismo e a xenofobia e defendeu que o seu partido “jamais, em momento algum, poderá alimentar sequer a ideia de normalizar discursos extremistas. Em nota enviada à comunicação social, com o título “Basta!”, Luís Newton condena a propagação de “discursos de ódio e manifestações como as de sábado em Lisboa, à porta da SOS Racismo”, considerando que “radicalismo gera radicalismo” e há, “cada vez mais, discursos populistas e extremistas que produzem ódios e divisões de parte a parte”.
“Em momentos destes, os políticos não podem permitir incertezas. Tal como em Lisboa e no país critiquei a terrível decisão do PS de incluir numa solução de Governo partidos extremistas [da esquerda], também agora tenho de ser claro a dizer que o partido fundado por Sá Carneiro [PSD] jamais, em momento algum, poderá alimentar sequer a ideia de normalizar estes discursos”, sublinhou.
“Não podemos construir a democracia com quem nela não acredita. O PSD é um partido que sempre teve como valores não negociáveis o respeito pela democracia, pela diferença, pela pluralidade e pela dignidade humana. Nunca poderá aceitar ou compactuar com propostas políticas que ponham em causa estes valores. Se considero inaceitável que o PS esteja refém da extrema-esquerda, também não poderei aceitar que o PSD esteja refém da extrema-direita”, conclui Newton.
CDS-PP fala em “grupelhos de extrema-direita” e espera que “criminosos sejam detidos”
Também o líder CDS-PP condenou esta quinta-feira qualquer tipo de ameaça de caráter racista, considerando que o discurso de extrema-direita é alimentado pelos movimentos de extrema-esquerda e criticou a “normalização” de “discursos bárbaros” por “alguns partidos”.
“Nos últimos tempos alguns partidos têm infelizmente insistido em normalizar e acomodar discursos bárbaros e investido numa guerrilha extremista no seio da nossa vida política e comunitária. O resultado está à vista”, criticou Francisco Rodrigues dos Santos, numa nota enviada às redações e publicada nas redes sociais.
Para o Francisco Rodrigues dos Santos, “grupelhos de extrema-direita – alimentados pelo discurso radical de sinal contrário dos movimentos de extrema-esquerda – com as suas agendas racistas, xenófobas e violentas, não podem ser tolerados em Portugal”. Rodrigues dos Santos aditou ainda que “uns e outros, que instrumentalizam estes fenómenos para sua afirmação, apesar de representarem uma franja ultra-minoritária da nossa sociedade” devem ser “corajosamente reprimidos e censurados”.
“Espero que quem tão covardemente ameaça e atenta contra a dignidade de qualquer pessoa – portugueses anónimos, deputados ou dirigentes associativos – seja rapidamente apanhado pela Polícia Judiciária e levado à justiça”, acrescentou o líder centrista na nota.
“Ao contrário de quem constantemente despreza politicamente e incita ao ódio contra as nossas forças de segurança, e que hoje reconhece a sua importância, o CDS, como qualquer cidadão sensato, percebe que as polícias cumprem exemplarmente o seu dever de assegurar a nossa Liberdade e proteção”, aponta, acrescentando que é nas autoridades que em situações deste tipo “reside a esperança de que os criminosos serão detidos e que pagarão pelos seus actos”.
PAN apela às autoridades que assegurem proteção dos visados
Também o Pessoas-Animais-Natureza (PAN) repudiou esta quinta-feira as ameaças a deputadas e ativistas e a manifestação “tipo ‘ku klux klan'”, no sábado, em frente à sede da associação SOS Racismo, e pedindo punição “exemplar” para “crimes de ódio”.
“Os recentes acontecimentos que envolveram uma manifestação tipo ‘ku klux klan’ à porta da sede da SOS Racismo e o envio de ameaças anónimas às deputadas Beatriz Gomes Dias, Joacine Katar Moreira e Mariana Mortágua, e a dirigentes e activistas do movimento associativo antirracista, merecem o veemente repúdio e condenação do PAN”, salienta o partido numa nota enviada aos jornalistas.
O PAN, que “manifesta a sua total solidariedade para com todos e todas as visadas por estes acontecimentos”, apela também “às autoridades competentes para que assegurem a adequada proteção das pessoas e entidades visadas e que se empenhe para assegurar a efetiva aplicação do quadro legal existente, punindo de forma rápida e exemplar todos os intervenientes nestes graves e preocupantes crimes de ódio”.
“Estes acontecimentos, e outros que têm ocorrido nos últimos meses, inserem-se numa escalada de violência, de ódio e de intolerância promovida por uma corrente ultraminoritária e com uma visão ultrapassada de Portugal e dos seus valores que não só não espelha a visão da larguíssima maioria da população, como afronta os princípios estruturantes da nossa democracia e da nossa constituição”, vinca o PAN.
Na ótica do partido, “Portugal, como país democrático que é, não pode tolerar que os direitos de participação de qualquer cidadão sejam postos em causa como sucedeu nestes casos, não pode tolerar que certos setores procurem promover os seus ideais por meios violentos e atentatórios dos direitos fundamentais”.
Os destinatários do e-mail eram ameaçados se não abandonassem o país. “Informamos que foi atribuído um prazo de 48 horas para os dirigentes antifascistas e anti-racistas incluídos nesta lista, para rescindirem das suas funções políticas e deixarem o território português”, lê-se no e-mail em causa, a que a Lusa teve acesso.
No e-mail, refere-se que se o prazo for ultrapassado “medidas serão tomadas contra estes dirigentes e os seus familiares, de forma a garantir a segurança do povo português” e que “o mês de agosto será o mês do reerguer nacionalista”.
Com data de 11 de agosto, a mensagem de correio eletrónico foi enviada a partir de um endereço criado num ‘site’ de e-mails temporários para o SOS Racismo, e é assinada “Nova Ordem de Avis” – Resistência Nacional”.
O Bloco de Esquerda confirmou na quarta-feira ter tomado conhecimento do teor das ameaças e adiantou que as duas deputadas do partido vão apresentar queixa ao Ministério Público.