A candidatura de Luís Filipe Vieira ainda nem foi oficialmente anunciada, mas a Comissão de Honra — uma extensa lista de nomes que suportará a recandidatura do atual presidente do Benfica — já está a criar problemas, nomeadamente na área política. O nome de António Costa, primeiro-ministro, surge listado entre muitos outros e rapidamente os líderes e partidos da oposição vieram a público criticar o apoio de António Costa a Luís Filipe Vieira. Mas há alguma coisa que impeça António Costa de apoiar publicamente a candidatura de alguém à liderança de um clube de futebol? Viola algum artigo do código de conduta do governo?

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“No fundo, a ideia é: não viola as normas jurídicas em vigor porque o primeiro-ministro não estava a exercer, estava como cidadão”, começa por explicar ao Observador o constitucionalista Jorge Reis Novais, mas a questão é mais profunda que uma mera leitura jurídica da ação de António Costa. “Apesar de um ponto de vista estritamente jurídico poder parecer que não contraria as normas em vigor isso acaba por ser uma mistificação”, considera Reis Novais.

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“Não é a intenção do cidadão António Costa, é o que resulta do ato. Quando publicamente sai não é o cidadão, é o primeiro-ministro e ele sabe disso” e, segundo Reis Novais, é aí que reside a violação das normas. Isto porque, conforme exemplifica, “quando o primeiro-ministro ou o Presidente da República foram à praia para incentivar as pessoas a ir à praia, em termos formais eram cidadãos, mas a ação só tinha significado porque eram primeiro-ministro e Presidente da República. Em termos materiais era o primeiro-ministro e o Presidente da República que ali estavam, a mesma coisa aconteceu agora”

“Em termos estritamente jurídicos funciona, mas num código de conduta — onde a dimensão ética é maior — aí já seria querer enganar as pessoas ao fazer a distinção entre primeiro-ministro e António Costa”, explica ao Observador.

E, pelo menos em 2016, António Costa tinha consciência disso. Depois da polémica “das bofetadas” do então ministro da Cultura João Soares, António Costa reagiu com uma frase que haveria de ficar na memória de muitos durante vários anos: “Já recordei aos membros do Governo que, enquanto membros do Governo, nem à mesa do café podem deixar de se lembrar que são membros do Governo”. Mas parece que em ‘casa de ferreiro espeto de pau’ e, pelo menos para já, António Costa recusa comentar a polémica respondendo que “o assunto nada tem a ver com política”.

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Ao Observador, Jorge Reis Novais classifica o apoio de António Costa a Luís Filipe Vieira como “um ato lamentável e inadmissível”, que não “é para esquecer, mas para lembrar”. “O ato é grave porque acaba por ser uma violação daquele código de conduta que o próprio Governo aprovou para os membros do Governo. Viola o principio da imparcialidade, desde logo relativamente às várias candidaturas e em termos dos vários clubes e, em segundo lugar, é uma violação do princípio do respeito interinstitucional“, nota o constitucionalista.

Toda a gente sabe que nesta altura o presidente do Benfica está ser investigado por uma série de coisas. Quem está a conduzir as investigações não é o Governo, é o poder judicial, mas quando surge a apoiar esta pessoa está a dizer que está tudo bem, na mesma altura em que os processos estão a decorrer”, frisa Reis Novais.

Não sendo possível dissociar, então, a pessoa António Costa do primeiro-ministro, o constitucionalista considera ainda que o primeiro-ministro não cumpre o disposto no número 4 do código de conduta que diz que no exercício das funções, os membros do governo devem “abster-se de qualquer ação ou omissão, exercida diretamente ou através de interposta pessoa, que possa objetivamente ser interpretada como visando beneficiar indevidamente uma terceira pessoa, singular ou coletiva”.

E, neste caso, além de expressar publicamente a preferência por um candidato e um clube de futebol, trata-se do atual presidente do clube que está envolvido em vários processos judiciais e acaba por passar uma mensagem também ao poder judicial, segundo Reis Novais.

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“Um primeiro-ministro está sempre envolvido ou pode vir a estar no futuro a decidir coisas relacionadas com o Benfica e com este presidente. Até que ponto é que as pessoas vão acreditar que quando for chamado a decidir não vai estar influenciado por esta promiscuidade e este envolvimento?”, questiona o constitucionalista.

Jorge Reis Novais considera ainda que a polémica é motivo para que o Presidente da República “diga alguma coisa”, bem como “os vários candidatos a Presidente da República que estão em período pré-eleitoral”.