Título: De quase nada a quase rei
Autor: Pedro Sena Lino
Editora: Contraponto
Páginas: 624
Preço: 22,20€

A capa da nova biografia do Marquês de Pombal (Contraponto)

A importância de Pombal na História Portuguesa tende a dificultar o surgimento de verdadeiras biografias sobre o Marquês. De facto, qualquer historiador que se debruce sobre a segunda metade de setecentos, diante da alteração das estruturas do ensino, diante da cidade nova construída após o terramoto, diante do surgimento das “Companhias” empresariais e da profunda alteração nos papéis da corte, se sente tentado a estudar, mais do que Pombal, o Pombalismo.

É a essa abrangência que se propõem mesmo os mais conhecidos estudos sobre o marquês: de Lúcio de Azevedo a Borges de Macedo, do excelente Como interpretar Pombal?, organizado pela Brotéria, à biografia de Dom José escrita por Nuno Gonçalo Monteiro, o que está em causa é sempre, mais do que o Homem, o choque de civilizações.

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Neste sentido, a biografia escrita por Pedro Sena-Lino é uma bênção. É menos arrojada que todas as obras anteriores, menos centrada nos conflitos entre as estratégias de poder iluministas e tridentinas, tem menos substância teológica, nas suas ramificações políticas, com pouca atenção às subtis consequências do Jansenismo, da Jacobeia ou do Jesuitismo, não é uma História das mentalidades, mas é uma segura e proveitosa biografia.

Metade da obra é dedicada ao tempo de Pombal pré-governo, nas suas embaixadas em Londres e em Viena; e se há algumas opções estilísticas duvidosas, como o paralelo excessivo, dada a falta de ligação entre o compositor e Pombal, com Handel, ou uns pequenos arremedos poéticos, a verdade é que o estudo que o autor fez da vida diplomática de Pombal é muito útil. Nele se descobre já uma tendência pombalina protecionista, numa espécie de reação aos abusos ingleses provocados pelo tratado de Methuen, e uma compreensão clara do papel de Companhias como a Companhia das Índias na organização da economia ultramarina.

Sena-Lino estudou bem os problemas políticos da Inglaterra e da Áustria setecentistas, o que nos permite perceber a influência de Pombal num e noutro caso. Se, em Londres, Pombal procurou aproveitar as tensões entre Inglaterra e Espanha para realçar a importância dos portos portugueses na estratégia inglesa, procurando assim devolver poder negocial a uma economia pátria dominada pela Inglaterra, na Áustria esteve embrenhado na difícil relação entre Teresa de Habsburgo, concentrada em recuperar os territórios que, pela Sanção Pragmática, lhe eram devidos, enquanto jogava com o renitente apoio de Roma, a quem interessava o governo católico da Europa, mas a quem a força do Sacro-Império também funcionara sempre como uma espécie de entrave.

É claro que Sena-Lino não pode clarificar o que é confuso, pelo que a ação de Pombal, preso entre os combates de fações, com Alexandre Gusmão de um lado e Marco António de Azevedo Coutinho do outro, com as instruções contraditórias de um governo apostado em conseguir as boas graças de um lado, mas familiarmente ligado aos Áustrias pelo outro, nem sempre é fácil de perceber; no entanto, é-nos dado um contexto político suficientemente pormenorizado para que as cartas usadas como fonte principal se percebam no seu sentido lato, para lá das meras trocas de favores. Percebe-se o feitio ambicioso de Pombal, a sua vontade de estar no centro dos acontecimentos, Sena Lino, embora mais centrado na política, dá-nos a informação necessária para perceber a articulação entre a vida social e a vida política (o casamento com uma Daun, por exemplo, não será alheio à influência que Pombal ganhará junto da Rainha Austríaca) e, embora a narrativa seja demasiado linear para nos dar um robusto ambiente da época, o aparecimento de algumas personagens que transcendem a política, de Cleland ao Cavaleiro de Oliveira, trazem alguma frescura ao livro.

Os grandes mistérios da vida de Pombal, como a sua nomeação para a Academia, que de certa forma catapultará a sua carreira, ou a chamada ao governo não são esclarecidos nem se apresentam hipóteses propriamente sólidas de resolução dos enigmas; Sena-Lino cinge-se ao que é certo, ao parentesco com Marco António e consequente amizade com Dom Luís da Cunha, concentrará as fações políticas em dois ou três agentes mais conhecidos e com mais influência, o que facilita o acompanhamento das polémicas e dos jogos de poder, e com isso faz uma biografia segura do Marquês.

Esta espécie de reserva torna menos interessante e ao mesmo tempo mais útil a parte da biografia que trata do período de Pombal enquanto governante. Menos interessante porque Sena Lino mais uma vez procura cartografar a acção política, as grandes acções do gabinete do risco ou o difícil processo dos Távoras, mas sem lhes dar o alcance ideológico e histórico que merecem. Isto é, Sena-Lino está a biografar Sebastião Carvalho e Melo, pelo que mais depressa analisa as decisões de Pombal de um ponto de vista psicológico, de acordo com as suas ambições e os seus interesses, do que de um quadro mais geral. Pouco nesta obra nos elucida sobre a figura do valido em geral, mas muito nos é dado sobre as relações familiares do Marquês, sobre a sua ideia do país e do modo de fortalecer a sua posição diplomática, fora de princípios gerais, mas decantado de uma espécie de experiência negocial, habituada a fazer uso dos sinais de poder e a usar com frieza todo o tipo de vantagens.

Fazia, sem dúvida, falta um registo biográfico do Marquês, fora dos libelos acusatórios ou abonatórios que, entre o período do seu governo e a Primeira República, foram mais ou menos constantes. Quem esperar encontrar aqui uma obra de grande fôlego sobre os intrincados problemas do poder despótico, com as discussões teóricas de Verney e Teodoro de Almeida, Ribeiro Sanches ou Matias Aires, quem quiser ver em Pombal o epítome do valido moderno, no delicado equilíbrio entre Bodin e Voltaire, o grande estratega de um Império colonial que percebe pela primeira vez de que forma é que Portugal se pode proteger da falência do mare clausum, não encontrará aqui o que procura, mas encontrá-lo-á, com maior ou menor competência, em quase tudo o que se vem publicando sobre Pombal. Quem quiser perceber como chegou ao poder este fidalgo de segunda, cuja maior ambição da família seria a resolução de um rocambolesco problema com um morgado, terá aqui o livro certo. Sena-Lino dá-nos, em passos seguros, a caminhada executiva de Pombal, mostra-nos as suas ideias, as suas ambições e as suas competências, de tal forma que a sua chegada ao poder, embora surpreendente, já não nos parece tão envolta em trevas quanto antes.