“Must win”. Poucas horas antes do jogo 4 da final da NBA, LeBron James não queria adiar mais aquilo que estava destinado a ser seu e dos Lakers. Por isso, e antes da ida para o pavilhão em Las Vegas que tem servido de “bolha” para a fase final da temporada, enviou uma mensagem com apenas duas palavras a todos os companheiros. Deu resultado e, após o encontro, Anthony Davis (que discute com o companheiro o prémio de MVP da final) recordou essa mensagem como fator de inspiração para a equipa. “Queria passar aquela mensagem, queria mostrar o lugar onde estava, o momento que atravessava e o tipo de adversário que tínhamos”, contou o líder da equipa.

“Seguirei o teu legado”. LeBron James despede-se de Kobe Bryant com publicação emotiva

Mesmo sem Dragic e Adebayo, e com uma grande exibição de Jimmy Butler, os Miami Heat tinham colocado esta última eliminatória em 2-1 e poderiam reabrir por completo a discussão caso empatassem a final. Os LA Lakers não tiveram vida fácil, LeBron deu o exemplo ao jogar todo o quarto período sem descansar, Davis foi fundamental no plano defensivo para estabilizar a equipa e o título ficou apenas à distância de um triunfo. Ou seja, aquela equipa que na última época não foi sequer aos playoffs (décimo da Conferência Oeste) encontrava-se a 48 minutos de quebrar um jejum de dez anos sem vitórias e igualar os 17 troféus dos rivais Boston Celtics. Quase “cheirando” a festa que se adivinhava, a equipa decidiu ir a jogo com o equipamento negro com o qual ganhou os quatro jogos em Las Vegas e que foi desenhado por Kobe Bryant. O jogo 5 complicou-se, LeBron não chegou e a festa ficou adiada.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Atirou os papéis, quis falar do coração e prometeu “Mamba 4 Life”: a emoção de LeBron na arrepiante homenagem a Kobe

A ESPN resumiu seis grandes números que mostram o peso de LeBron nos jogos a eliminar. Esta noite, a estrela dos Lakers fazia o 260.º encontro, o que se tornou mais um recorde na carreira por ser o jogador com mais jogos de playoff disputados na história, nunca tendo falhado qualquer compromisso por lesão ou castigo e somando até este jogo 6 quase 11.000 minutos disputados e 7.500 pontos apontados. Na hora da verdade, o base/extremo não costuma falhar. Até pelos números que trazia das partidas anteriores, onde marcou 500 pontos, ganhou 150 ressaltos e fez 150 assistências no playoff pela sexta vez na carreira, algo que antes tinha sido apenas alcançado numa ocasião pelo lendário extremo dos Celtics, Larry Bird. Mais um registo que o coloca entre os melhores dos melhores, sendo que a única coisa que LeBron valorizava era o que conseguia fazer dentro de campo.

Não penso no meu legado mas sim no que fica nos pavilhões. Isso representa muito mais para mim, o que consigo fazer. Como marco, como ando, o que digo. O que me preocupa é a nova geração. Se gostam do meu estilo, é bom; se não gostam, também está bem”, comentara antes do jogo 5 da final.

No entanto, foi percetível há muito que, aos 35 anos, esta era tudo menos uma época igual às outras para LeBron. Pela capacidade que a equipa ganhou com a chegada de Anthony Davis, pela trágica morte de Kobe Bryant, pelas restrições causadas pela pandemia e pelo contexto de tensão social pelos ataques de cariz racial das forças policiais que motivaram inclusive um boicote na NBA, não mais a temporada de 2020 será esquecido. E aquela troca do equipamento secundário roxo para o negro foi feita para tentar recuperar a presença do espírito Mamba de Kobe na equipa que se alastrou a todos, como ficou bem percetível quando Davis fez um triplo decisivo em cima da buzina no jogo 2 e gritou o nome do falecido astro num pavilhão sem público. Ainda assim, não chegou.

Ele, a bola e um cesto. Mas Kobe era mais do que isso. Tanto que até um poema de vida passou a filme (e ganhou um Óscar)

“É sempre especial representar alguém que significou tanto, não apenas para o basquetebol e para o jogo mas obviamente para os Lakers, por mais de 20 anos. Queremos homenageá-lo em campo, é disso que se trata. Estamos sempre a pensar na família Bryant e eles também estão connosco”, recordou LeBron sobre o antigo jogador que nunca teve outra equipa a não ser a californiana ao longo de duas décadas e que ganhou cinco anéis de campeão. “Prometo-te que vou continuar o teu legado. Representas tanto para nós, especialmente para a nação Lakers, e é minha responsabilidade deixar isto para trás e seguir em frente. Por favor, dá-me forças e olha por mim”, tinha prometido o jogador na mensagem de despedida para a antiga referência da equipa, que LeBron tinha destronado na véspera do acidente de helicóptero como terceiro melhor marcador de sempre da NBA.

História, por King LeBron James: passa registo de Kobe Bryant e torna-se terceiro melhor marcador de sempre da NBA

O primeiro match point passou ao lado e com muita conversa no final à mistura comparando LeBron com Jordan: devia a estrela da equipa ter passado a Danny Green para o triplo falhado que valeria o triunfo mas que, ao não cair, deu a vitória aos Miami Heat por 111-108, tal como aconteceu em títulos anteriores dos Chicago Bulls com John Paxson ou Steve Kerr a assumir a última bola, ou o melhor era ter arriscado para fechar a final? O número 23 optou pela primeira e, mesmo após perder, não se arrependeu. “Se virmos a jogada, consegui levar dois defesas pela linha de lance livre e encontrar um dos nossos atiradores sozinho para ganhar o título. Confiei nele, confiamos nele, simplesmente não caiu”, defendeu LeBron, em mais uma atitude de líder na defesa de um companheiro de equipa que chegou a receber ameaças de morte por não ter convertido aquela que podia ser a bola do título.

Essa prova que os Lakers podem ter dois dos melhores jogadores da competição e mais alguns elementos de bom nível mas que ganham mais também pelo espírito de grupo e entreajuda que foram mostrando ao longo da época. E isso ficou bem patente nos seis minutos iniciais do primeiro período: LeBron James agarrou na equipa e entre afundanços, jogo interior e tiros de fora marcou metade dos pontos; Danny Green, depois de ter falhado um triplo sozinho do canto, não perdeu a confiança, arriscou de novo e marcou. As possíveis marcas do jogo 5 estavam ultrapassadas, começava a batalha do jogo 6 com uma equipa dos Heat a “pedir” mais apoio para um desgastado Jimmy Butler e uns Lakers a quererem evitar um cenário de “negra” que poderia colocar o título em perigo.

Apareceu, como não poderia deixar de ser, LeBron James. Que, só nos dez minutos jogados no primeiro período, marcou nove pontos, ganhou cinco ressaltos e fez três assistências, colocando os Lakers na frente por 28-20. Mais do que o sucesso e eficácia ofensivas, a equipa de Los Angeles colocava uma intensidade defensiva muito forte que deixou os Heat à mercê da eficácia que conseguissem ter no tiro exterior, algo que nem os regressos de Adebayo e Dragic conseguiu inverter. E essa tendência manteve-se até ao intervalo, que chegou com uma vantagem de 28 pontos (64-36) com um grande Rajon Rondo a juntar-se a Anthony Davis para fazer toda a diferença. De um lado, Butler e Crowder somavam oito pontos cada; do outro, Davis e Caldwell-Pope iam nos 15 cada, Rondo nos 13 e Lebron já alcançara 11 pontos, nove ressaltos e seis assistências. Os Heat estavam fisicamente “presos por arames” e os Lakers aproveitaram para conseguir a segunda maior diferença de sempre ao intervalo numa final.

Qualquer recuperação seria uma das mais incríveis histórias na final da NBA mas nem sequer um esboço dessa façanha foi mostrado: com os Lakers a manterem sempre a intensidade competitiva entre mais erros em termos ofensivos e os Heat a manterem as percentagens de lançamento mais baixas dos últimos seis encontros, faltava só confirmar um título que se tornara (ainda mais) inevitável num jogo que chegou ao final do terceiro período com 87-58 e LeBron apenas uma assistência do triplo duplo. Esse registo foi obtido pouco depois, ficando com 26 pontos, 14 ressaltos e dez assistências – 28.º em playoffs, a dois do recordista Magic Johnson –, numa espécie de cereja no topo do bolo numa noite de festa onde a formação de Miami teve ainda um esboço de reação com Bam Adebayo em destaque mas sempre muito longe da equipa de Frank Vogel, que fechou o jogo com 106-93. E, como não poderia deixar de ser, LeBron James ganhou o troféu de MVP da final que terminou com o quarto título da carreira pela terceira equipa diferente depois de Miami Heat (2012 e 2013) e Cleveland Cavaliers (2016).