Conhecida por reinventar os limites da pintura e cruzá-la com uma narrativa poética, Rebecca Quaytman explora a imagem, a memória e diferentes conceitos numa obra que chega pela primeira vez a Portugal esta quinta-feira. “Não sei bem porque demorei tanto a fazer uma exposição no Porto, embora tenha um passaporte irlandês, também nunca fui convidada a expor lá. O mundo da arte é inconstante”, afirma em entrevista ao Observador, acrescentando a maneira como o seu trabalho se aproxima de Portugal. “A forma como relato essa interação do meu trabalho é incluir um capítulo, que foi extremamente importante para mim, inspirado e pintado para um jardim de esculturas botânicas no Brasil, chamado Inothim. Foi o mais perto que consegui chegar pelo menos da linguagem.”

A artista norte-americana parte maioritariamente da fotografia para a questionar, confrontar, e, assim, repensar também a pintura. Interessa-lhe a materialidade do suporte, como serigrafias, padrões óticos ou pequeno trabalho a óleo pintados à mão, e a tridimensionalidade, mas também o movimento e a cor. Desde 2001 que estrutura a apresentação do seu trabalho por capítulos, como se de um livro se tratasse, com gramática, sintaxe e vocabulário próprios. Cada nova exposição corresponde a um novo capítulo de um livro conceptual que vai “escrevendo” através da sua pesquisa e de imagens que inventa, reproduz, analisa, critica, recontextualiza e recria.

“Considero minhas pinturas mais aforísticas do que poéticas, onde expresso algo comumente compreendido e, ao mesmo tempo, incorporar uma contradição ou paradoxo. Acho que a pintura tem a capacidade de fazer tudo o que uma escultura, filme, livro, poema, arquitetura, instalação, artesanato e fotografia podem fazer.”

Nos vários capítulos, Quaytman agrupa as pinturas em ensaios e aos trabalhos novos juntam-se elementos passados, sendo que as únicas duas regras que respeita neste processo são as dimensões e os materiais. Interessa-lhe explorar a relação com o espaço, por um lado, e daí decorre a forma como organiza e relaciona as pinturas de diferentes formatos), mas também a noção de perspetiva.

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“Glenstone Museum, Potomac, Maryland”

“The Sun Does Not Move, Chapter 35” (O sol não se move, Capítulo 35) é a mostra que inaugura esta quinta-feira no Museu de Serralves, no Porto, e onde revisita capítulos anteriores do seu reportório estético. “É muito importante para mim ter a oportunidade que esta exposição oferece de descobrir como os capítulos anteriores podem ser recontextualizados com trabalhos mais recentes e como o título sugere a narrativa tem uma natureza circular ou espiral”, sublinha a artista, acrescentando que as imagens escolhidas operam “num arranjo espacial que impele o espectador a encontrar o seu espaço mediador, sendo provocado não por imagens explícitas ou tácitas, mas por objetos que conduzem o olhar e o movimento no espaço”.

No seu processo criativo, a artista aplica um método e não um sistema, e explica porquê. “Os sistemas funcionam por si próprios, os métodos são um meio para chegar a algum lugar ou algo que é desconhecido no início e depois não passamos sem. Ficaria feliz ao ensinar a pintura através dos seus limites e que outros artistas experimentassem este método.”

Pode a arte e a sua pintura serem também um ato político? “Acredito que isso depende mais da receção das obras do que da intenção das obras. A pintura está historicamente alinhada às estruturas de poder em que se encontra, talvez por causa disso reflita inevitavelmente as suas condições políticas e sociais. Como tal, pode-se dizer que incorpora uma resposta e uma crítica política, sim.”

O feminismo tem ganhado cada vez mais importância no seu trabalho e também ele é um olhar político evidente. “De todos os movimentos políticos que posso pensar, este é o único que tem potencial para ser abraçado por 50% de toda a população do planeta. O patriarcado, aparentemente, levou-nos para perto da extinção.” Sobre as eleições norte-americanas agendadas para o próximo mês de novembro, Rececca Quaytman espera que Joe Biden consiga “uma vitória esmagadora”. “Acho que Biden vai vencer por um resultado esmagadora. Escolhi pensar assim porque não pensar isso geraria apenas medo e desespero. Uma vez eleito, espero que Biden tenha uma saída rápida para esta vida e, finalmente, teremos uma mulher no cargo mais alto, que também é uma pessoa negra. Isso dá-me esperança”, diz, referindo-se à vice-presidente democrata, Kamala Harris.

A atual situação pandémica é para artista um desafio e uma oportunidade de olhar o mundo de novas formas. “Dada a natureza inextricável do capitalismo, é tentador entender a pandemia como a melhor maneira de a terra lutar para afirmar seu poder primário sobre todas as nossas ambições e preconceitos destrutivos.” Segundo Quaytman, a pandemia diz-nos “cale a boca, fique em casa, fique quieto, não faça desporto, perca peso, feche as grades, pare os aviões, resolva a pobreza, melhore a saúde e entenda que nós e o planeta somos um”. “Ao dizer isso, sinta vergonha e seja humilde, porque não sou eu que corro mais riscos. As eleições nos EUA, por exemplo, lembram-me que é importante pensar fora das fronteiras e perceber que a solução está noutro lugar.”

Rebecca foi reconhecida com a sua participação, em 2010, na reputada Bienal de Whitney (Nova Iorque) e, em 2014, na Documenta 14 (Kassel e Atenas). Teve exposições individuais em instituições como o MOCA, (Los Angeles) em 2016, e o nova-iorquino Solomon R. Guggenheim, em 2019. Em 2015 foi aclamada com o importante Wolfgang Hahn Prize, e em 2016 venceu o prémio Robert De Niro Sr, que premeia artistas americanos que contribuam para a excelência e inovação na pintura.

“O sol não se move, Capítulo 35” é uma exposição co-organizada pelo Muzeum Sztuki in Lódz, Polónia, e pela Fundação de Serralves – Museu de Arte Contemporânea, no Porto, patente até 21 de fevereiro de 2021.