O PSD de Rui Rio vai votar contra o Orçamento do Estado para 2021 (OE2021). A decisão  só vai ser anunciada dentro de cinco dias, mas o Observador sabe que está tudo pronto para atirar o Governo para os braços de Bloco de Esquerda e PCP: António Costa terá mesmo de viabilizar o documento à esquerda ou ser consequente com o que prometeu e apresentar a demissão.

No final de setembro, em entrevista ao Expresso, o primeiro-ministro deixou claro que no dia em que este Governo dependesse do PSD, estaria acabado. “Se sonham que vão colocar o PS na condição de ir negociar com o PSD a continuação do Governo, podem tirar o cavalinho da chuva, pois não negociaremos à direita a subsistência deste Governo”, descartava.

A verdade é que a resposta de Costa tinha uma segunda parte: “Não vou pedir ao PSD que vote contra nem que se abstenha”. Uma ideia que voltou a repetir esta sexta-feira em entrevista ao Público. Nas entrelinhas: se Rui Rio, por livre iniciativa, decidisse viabilizar o Orçamento era com ele; o primeiro-ministro não mexeria um músculo para esse efeito.

Mas essa hipótese, sabe o Observador, não consta dos planos de Rui Rio. A ideia é mesmo votar contra o Orçamento do Estado e esperar que António Costa descalce a bota que decidiu calçar. A tese que circula no núcleo duro do líder social-democrata é a de que se o casamento à esquerda correu bem na saúde — em tempos de bonança económica, leia-se — tem de se aguentar na doença. Leia-se: o PS terá de enfrentar a crise económica e social que atravessa o país e que tem tudo para piorar antes de começar a melhorar.

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A importância do calendário

Num cenário de grande imprevisibilidade à esquerda, o momento escolhido para anunciar a decisão — quarta-feira, 21 de outubro, nas jornadas parlamentares do partido — ganha especial importância. O PSD dirá que vai votar contra o Orçamento do Estado antes de Bloco de Esquerda (25 de outubro) e do PCP (que não fechou qualquer data, mas prometeu lutar até à votação na generalidade, agendada para 28 de outubro).

Ora, se Rio anunciasse o sentido de voto depois dos parceiros de esquerda do Governo, de pouco ou nada serviria no caso de Bloco e/ou PCP permitissem a viabilização do Orçamento. Neste cenário, a posição do PSD seria pouco mais do que irrelevante.

No caso de a esquerda complicar definitivamente  a vida ao Governo, tudo seria ainda pior: a aprovação do Orçamento estaria nas mãos de Rui Rio e a pressão seria tremenda — sobretudo porque o líder social-democrata sempre tentou fazer valer como imagem de marca a ideia de que põe o interesse nacional acima do interesse partidário.

Tomando a decisão antes — e a decisão passará pelo chumbo — o PSD vai colocar a pressão toda do lado da esquerda, que terá de decidir ‘sim ou sopas’: ou dá a mão ao Governo (e tornam-se corresponsáveis pela goveranção) ou ficam de fora e são vistos como irresponsáveis.

A ideia é assinalar, em cada oportunidade, a fragilidade da maioria de esquerda no Parlamento. “Com o país como está, esta gente está a dar um péssimo exemplo. É de uma irresponsabilidade inqualificável”, critica um membro do núcleo duro de Rio. No Parlamento, Duarte Pacheco, vice-presidente da bancada parlamentar do PSD, não escondia, aliás, algum divertimento com a tensão na aparentemente defunta ‘geringoça’. “Já vimos zangas de namorados e fins de casamentos católicos com menos violência do que aqueles que os senhores estão aqui a proporcionar”, ironizou o social-democrata.

E se…?

Nem sequer foi a primeira vez que o PSD deu sinais de que estaria disposto a chumbar de pronto o Orçamento. Também no final de setembro, em entrevista à TVI, Nuno Morais Sarmento foi particularmente duro para com António Costa. “O PS está ‘ó tio, ó tio!’ para aprovar um Orçamento decisivo”. Ainda antes de António Costa o entregar, o vice-presidente do PSD dizia taxativa que o PSD nunca daria a mão ao primeiro-ministro.  “É um cenário que não se coloca. [Se as negociações à esquerda falharem] infelizmente o primeiro-ministro terá de apresentar demissão”, sentenciou o social-democrata.

Daí para cá, no entanto, muita tinta foi escrita sobre as linhas vermelhas do Bloco (que sozinho, com uma abstenção, pode aprovar o Orçamento do Governo) e sobre as hesitações do PCP. Pelo meio, houve ainda os recados de Marcelo Rebelo de Sousa e os puxões de orelha presidenciais a Rui Rio.

Nada disso, ainda assim, fez mudar a estratégia dos sociais-democratas. Essencialmente, por um motivo: ninguém está a levar a sério o drama existencial da ‘geringonça’, em particular os ultimatos do Bloco de Esquerda. Existe a profunda convicção, entre vários membros da direção do PSD, de que o Orçamento vai mesmo passar e que tudo isto não passa de uma ópera bufa.

E se o Orçamento não passar? Não há respostas fechadas precisamente por ser um cenário a que se atribui pouca fiabilidade. Mas existe um entendimento comum: tal como está desenhado, este Orçamento não pode levar o ‘sim’ do PSD. Teria de ser feito de raiz — recorde-se que se o documento chumbar, Costa tem, em teoria, de apresentar um novo — ou ser muito trabalhado para merecer a atenção de Rui Rio.

Seja como for, essa é uma questão que não se coloca agora: é António Costa quem tem uma crise política em mãos; e é ele que tem de desatar o nó. Rui Rio, esse, vai assistir de cadeirinha até 28 de outubro.