O Presidente da República vai utilizar o seu magistério de influência para pegar, em parte, nas rédeas do combate à pandemia. Meia hora depois de tomar a vacina para a gripe sazonal na companhia da ministra da Saúde, Marcelo Rebelo de Sousa vai receber esta segunda-feira Marta Temido em Belém, naquela que é a primeira de um conjunto de dezenas de audições que o chefe de Estado vai fazer a personalidades da área da saúde e, dias depois, da área da economia. Marcelo Rebelo de Sousa, sabe o Observador, quer forçar uma “convergência” para uma resposta comum à pandemia, tal como existia em março. O objetivo do Presidente é que se chegue a um “consenso” quanto à visão do andamento da pandemia e quanto às medidas que devem ser tomadas. E aí, já avisou, nada está excluído: nem medidas mais restritivas, nem um novo estado de emergência.

Seja qual for a decisão mais à frente, Marcelo Rebelo de Sousa quer uma resposta única e consensual na sociedade portuguesa. O Observador sabe que o Presidente está preocupado com o facto de haver dois grupos de opinião entre estes vários agentes: um grupo que pede medidas muito mais radicais e outro “desconfinante” que se preocupa mais com a economia e a situação económico-social. A estes junta-se ainda um terceiro grupo, mais pequeno, mais preocupado com as restrições de liberdades. Ora, perante tudo isto, Marcelo vai exigir consenso e uma resposta comum.

O Presidente da República tem demonstrado que é sensível aos argumentos dos que pedem mais restrições e a prova disso é que na sexta-feira admitiu “medidas mais restritivas”. Mesmo não tendo um poder executivo, o Presidente deixou um aviso claro de que quando tiver de agir em conjunto com o primeiro-ministro, assim o fará: “As pessoas têm que pensar que se isto arranca num galope, se há um agravamento brutal da situação, o que não desejamos, tudo o que tiver que ser decido, é decidido.”

Marcelo disse também na mesma ocasião que “há graus progressivos de intervenção” e todos querem evitar o “grau muito elevado” que Portugal já experimentou devido às “consequências psicológicas, económicas, sociais” que tem na vida das pessoas. Ainda assim, deixou a porta aberta para que — num caso extremo de esgotamento do Serviço Nacional de Saúde — se avance para medidas já aplicadas noutros países como o “recolhimento obrigatório” ou mesmo para uma nova situação de “estado de emergência”, que permita, precisamente, apertar a malha das medidas.

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Na mesma linha de “o que tem de ser feito, será”, o Presidente veio também no sábado admitir maiores desequilíbrios nas contas públicas se assim for necessário para responder à pandemia. Marcelo Rebelo de Sousa admitiu mesmo que o défice possa vir a aumentar para contratar novos profissionais de saúde: “Se se chegar à conclusão de que é preciso reforçar o orçamento da saúde, não estou a ver nenhum partido a dizer que não, por muito que isso custe sacrificar uma ou outra área ou, neste ano que é muito especial, em termos de subida do défice”.

Marcelo Rebelo de Sousa deu mesmo uma nova roupagem à frase do ex-Presidente Jorge Sampaio para dizer que “a vida nem começa nem acaba no défice”. E acrescentou: “O défice é muito importante, mas se for provado que, efetivamente, é preciso mais uns tantos zero vírgula qualquer por cento pela urgência de reforço do orçamento da saúde e os partidos entenderem que assim deve ser, pois assim deve ser”. Recorde-se que a Comissão Europeia permitirá em 2021 que os défices não estejam de acordo com o tratado orçamental. Ou seja: pode ir além dos 3%. O Governo prevê 4,3%, mas, por as regras europeias estarem suspensas, pode ir mais longe.

Paralelamente, o Presidente não quer também descurar a economia e é por isso que também vai ouvir agentes económicos.

Marcelo começa com Temido na Saúde e termina com economia

Vão ser dezenas de audições e num tempo recorde, porque, para Marcelo, tempo será sinónimo de mais eficácia na resposta à pandemia. O que o chefe de Estado está a preparar é uma espécie de megareunião do Infarmed, mas realizada em Belém, dividida em várias sessões e só na presença do Presidente da República.

O próprio chefe de Estado revelou este domingo quais são algumas das várias das personalidades que pretende ouvir nesta ronda de audiências e que inclui “o atual bastonário e os ex-bastonários da ordem dos médicos, depois bastonários de outras áreas ligadas à saúde, depois antigos bastonários, depois antigos ministros da saúde, depois naturalmente também sindicatos e confederações patronais“.

Bastonários da Ordem dos Médicos: resposta do SNS a todos os doentes é insuficiente, é preciso envolver privados

Além de sindicatos e confederações patronais, Marcelo Rebelo de Sousa, sabe o Observador, admite ouvir outras figuras da área da economia, que irão sendo agendadas à medida que as reuniões vão sendo realizadas. Isto, claro, só depois das reuniões de saúde.

Além da procura de um consenso, outra das preocupações do Presidente é o facto de o SNS começar a entrar em esforço, e de haver queixas de que não há uma estratégia concertada para que os privados respondam a situações em que o público é obrigado a marginalizar por força da pandemia. Este foi, aliás, um dos alertas dado pelo atual bastonário da Ordem dos Médicos e cinco antecessores seus numa carta aberta escrita no jornal Público, onde escrevem que “é vital que haja uma mudança imediata de rumo na estratégia do SNS”, num alerta de que “o SNS está novamente exposto a uma disrupção grave no seu funcionamento”.

Para os subscritores da carta este é “o momento do SNS liderar uma resposta global, envolvendo, de acordo com as necessidades dos doentes, os setores privado e social, que permita aumentar o acesso a todos os cuidados de saúde com uma resposta inequívoca a todos os doentes (covid, não-covid e gripe sazonal)”.

O Presidente da República, desde o início da pandemia, tem perguntado várias vezes se os privados estão a ser aproveitados e espera que sejam utilizados na medida do que for necessário.