“Prenda de anos de sonho? Marcar outro golo aos ingleses, desta vez com a mão direita”. Diego tem as prioridades muito bem estabelecidas. A prenda de anos mais apetecível, a única que provavelmente lhe falta, é voltar a marcar o golo da “Mão de Deus” a Inglaterra. Repetir o momento dos quartos de final do Mundial de 1986 mas desta vez com a outra mão. Diego faz esta sexta-feira 60 anos. E continua a ter as prioridades muito bem estabelecidas.

Nesta entrevista à France Football, precisamente por ocasião do aniversário, Diego Armando Maradona confessou que o seu “maior orgulho” é “ter dado felicidade às pessoas com uma bola de futebol”. “Tenho a sensação de ter dado prazer e diversão a todas as pessoas que vinham ver-me ao estádio e que me viam pela televisão”, acrescentou. Aos 60 anos, 23 depois de ter terminado a carreira, Maradona continua igual. E continua a fazer tudo o que pode para permanecer um ídolo, um exemplo, um Deus.

Futre. “O Maradona mudou-me a vida em 1986”

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E a maior prova disso é a sobrevivência da Igreja Maradoniana, um movimento de culto criado em 2001 por fãs acérrimos do antigo jogador que continua a existir e a ter atividades e projetos. E para esta Igreja, de forma natural, esta sexta-feira é Natal. “Queríamos estar em Nápoles para celebrá-lo mas a situação está complicada aqui [Argentina], por causa da Covid-19. As autoridades ordenaram o isolamento social e não vamos fazer nada em nome de Diego que possa prejudicá-lo. Este ano 5.9 d.D [depois de Diego] foi muito particular. Celebraremos o Natal maradoniano e esperamos que o 60 d.D seja melhor”, explicou Hernán Amez, o fundador do movimento, à Folha de S. Paulo.

Sem possibilidade de realizar o habitual encontro presencial e as típicas “missas” dedicadas à memória e à carreira de Maradona, todas essas manifestações terão de ser este ano virtuais e através das redes sociais — e sempre pela saúde do argentino, como refere Hernán Amez, já que o antigo jogador vai passar o dia de aniversário em isolamento profilático depois de o guarda-costas ter testado positivo. Amez, que tem 51 anos, viu Maradona jogar; mas muitos dos seguidores desta Igreja fundada quatro anos depois do fim da carreira de El Pibe nem sequer o viram nos relvados.

Diego Maradona - El Grafico Sports Archive

O Mundial de 1986, no México, acabou por ser o auge da carreira do jogador argentino

Maradona teve o pico da carreira nos anos 80, entre a conquista do Mundial de 1986 e os títulos pelo Nápoles que fazem dele um ícone na cidade italiana. As últimas exibições de alto nível do argentino, provavelmente, terão sido em 1990, no Mundial de Itália, onde ainda levou a seleção à final, perdendo com a Alemanha de Matthäus, Völler e Klinsmann. Passaram 30 anos desde esse Campeonato do Mundo e muitos dos que hoje admiram Maradona nem sequer o viram jogar. Mas é esse um dos trunfos do antigo jogador: a capacidade de continuar a ser um ídolo, um exemplo, um Deus.

A treinar o Gimnasia de la Plata desde setembro do ano passado, Maradona arrasta multidões sempre que se desloca para ir jogar a qualquer outro estádio — não necessariamente para verem o Gimnasia mas sim para verem Maradona. Na véspera do jogo contra o Newell’s Old Boys, clube que o argentino defendeu durante poucos meses nos anos 90, centenas de adeptos esperaram horas à porta do hotel do agora treinador para o verem e receberem com bandeiras, tarjas e cânticos. Quando entrou em campo, em vez do habitual banco de suplentes, Maradona tinha um trono junto à linha lateral. 

Outro exemplo foi a visita do Gimnasia à Bombonera, o estádio do Boca Juniors, na última jornada do Campeonato. Maradona terminou a carreira no clube de Buenos Aires, em 1997, e a vitória nessa derradeira ronda acabou por significar a conquista do título por parte dos xeneize: o argentino, claro, foi visto como um amuleto da sorte. “Eu diria que este Maradona é mais ídolo do que o Maradona de 1986. Por tudo o que passou depois, como o Mundial de 1990, o do Maradona rebelde, e o Mundial de 1994, que é o do Maradona trágico… Ele foi driblando todas as mortes e isso converteu-o numa personagem mais forte do que já era”, explica Andrés Burgo, autor do livro “El Último Maradona”, também à Folha.

Os altos e baixos do argentino, entre a dependência de substâncias, as críticas com menos filtro e os problemas de saúde, tornaram-no um ídolo acessível. “Um Deus sujo, um Deus terreno, que é imortal”, como explica Eduardo Galeano, jornalista uruguaio. Esta sexta-feira, numa ação coletiva, 156 antigas e atuais estrelas do futebol internacional deram os parabéns e desejaram felicidades a Maradona através de vídeos publicados nas redes sociais. Cristiano Ronaldo, Mourinho, Maldini e Van Basten estiveram no grupo mas acabou por ser uma das mensagens mais curtas, a de Zidane, a ecoar um pouco por todo o mundo. “Maradona, aconteça o que acontecer, nós adoramos-te muito. 1986 está gravado aqui [na cabeça] para sempre. O melhor, o melhor, que já vi na vida. Cuida-te. Envio-te um abraço muito grande. Vejo-te em breve”, disse o treinador do Real Madrid.

Aconteça o que acontecer, Maradona será sempre um ídolo, um exemplo, um Deus.