Uma família tradicional portuguesa abastada adota um jovem brasileiro com o objetivo de encontrar nele um dador compatível com a filha mais nova, Francisca, que está doente. Para o receber e apresentar à sociedade, a família organiza uma festa, uma espécie de baile de debutantes, para celebrar os seus supostos 15 anos, mas o momento é interrompido por episódios “trágicos e misteriosos”.

A história da “Festa de 15 Anos”, do encenador Mickaël de Oliveira e do dramaturgo brasileiro Diego Bagagal, começou a ser desenhada em 2015, devido à pandemia sofreu atrasos e várias alterações, mas no essencial manteve-se. “Não é um espetáculo com uma base teórica muito grande, antes pelo contrário. Penso que não há nada para pensar, já foi tudo muito pensado, estamos agora num momento de ação”, começa por explicar o encenador Mickaël de Oliveira ao Observador.

No entanto, há temas abordados em cima do palco, e também fora dele, como a as hierarquias sociais, familiares, culturais e teatrais, as questões de género, o preconceito ou até mesmo a relação que os portugueses têm com as antigas colónias e o seu património. “O que queremos fazer com essa herança? Lançamos algumas pistas em relação a uma hipótese de perdão e de devolução. São pistas, o espetáculo não pretende resolver qualquer tipo de problema.

Habituados a trabalhar juntos, Mickaël de Oliveira e Diego Bagagal, que aqui se apresenta também como ator, construíram uma narrativa inspirada no cinema de terror, graças ao contributo do realizador Simão Cayatte, e provaram que Portugal e Brasil não estão assim tão longe. “Esta parceria é a ponte do icebergue de um diálogo entre pessoas que nasceram em países diferentes que procuraram descolonizar através do afeto e do respeito artístico”, sublinha o ator e dramaturgo brasileiro, acrescentando que a peça é “um momento filosófico”, que mistura a realidade e o horror. “Esse horror que está no olhar da nossa sociedade quando pensa esses temas. As pessoas aterrorizam-se primeiro até entenderem que tudo é mais simples do que parece.”

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Quase todos os atores, de Albano Jerónimo e Jani Zhao, de Luís Araújo a Mafalda Lencastre, são tratados pelo seu nome verdadeiro, “uma espécie de vontade de tornar a coisa mais prática para os ensaios”. “Os nomes das personagem são um pouco irrelevantes, nunca acreditei muito neles, não entendo porque se dão nomes a personagens. Aqui optamos por não o fazer, à exceção do jovem brasileiro que é adotado. Ele é uma entidade, uma personagem e uma voz surpresa, queria assinalar essa diferença na dramaturgia do próprio espetáculo”, explica o encenador Mickaël de Oliveira.

O atual contexto pandémico alterou o processo criativo, mas não apagou a ideia original. “Antes da pandemia, o espetáculo tinha três horas, agora tem 1h40. Tivemos que refazer completamente o final, mas tudo isso consta na peça. Uma coisa, é as alterações virem da sala de ensaios, outra coisa, é estarmos completamente condicionados por um mundo que não facilita a comunicação, o toque, o encontro, que são tudo características do teatro”, sustenta o encenador.

Já para Diego Bagagal, que já se tinha mudado definitivamente para Portugal quando Jair Bolsonaro foi eleito, a pandemia obrigou-o a um isolamento forçado, onde descobriu o poder da melancolia na criação de um personagem. “Ela trouxe-me uma solidão positiva para construir esta personagem, que também chega pela primeira vez a um continente. Levou-me a uma certa melancolia.

A “Festa de 15 Anos” estreia esta quinta-feira no Teatro Carlos Alberto, no Porto e fica em cena até domingo. No início do próximo ano, passará também por Loulé, Guimarães e Ovar. O preço dos bilhetes é de 10 euros.