“Perdi a batalha de usar testes em massa como alternativa ao confinamento.” Dois dias antes de apertar as medidas restritivas na Eslováquia, Igor Matovic, primeiro-ministro, reconhecia a derrota. Desde sexta-feira passada, 11 de dezembro, que o país adotou medidas semelhantes ao resto da Europa: as esplanadas estão fechadas, as aulas de condução acontecem à distância e ninguém entra em hotéis e estâncias de esqui sem apresentar um teste com resultado negativo à Covid-19. Esta quarta-feira, os eslovacos deverão receber piores notícias. Tudo indica que a comissão criada para tomar a decisão irá optar pelo confinamento total do país durante o Natal.

Há pouco mais de um mês, a Eslováquia espantava o mundo quando, em apenas dois dias, testou dois terços da sua população de cerca de 5,5 milhões. A pandemia parecia controlada, a curva baixou, mas os números dos últimos dias estão, de novo, a bater máximos. O que correu mal?

A estratégia da Eslováquia: testou 97% da população e retirou os infetados das ruas para dar “vida mais normal” aos negativos

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Depois da testagem em massa, feita a 31 de outubro e 1 de novembro, o número diário de casos no país caiu. A estratégia, quando resumida numa frase, parecia simples: testar a maior parte da população, retirar os infetados da rua e deixar quem é Covid negativo ter uma vida o mais normal possível. 

Apesar de serem voluntários, algumas decisões políticas garantiram grande adesão à testagem: quem recusasse o teste tinha de cumprir uma quarentena obrigatória de duas semanas enquanto que para se poder ir trabalhar era necessário apresentar o resultado negativo à Covid-19.

Tirar das ruas 51 mil infetados deu frutos: a 31 de outubro registavam-se 2.573 casos diários, duas semanas depois, a 14 de novembro, eram 1.771. Durante o mês de novembro, embora com algumas oscilações, o número de diagnósticos positivos ficou quase sempre abaixo dos 2 mil diários.

Em dezembro, o vento da pandemia mudou de direção e a curva ameaçou uma subida. Confirmou-se. A 12 de dezembro, um dia depois de serem anunciadas as primeiras medidas restritivas, a Eslováquia chegava ao seu pico: 3.707 contágios registados em 24 horas, o maior número jamais contado desde o início da pandemia.

Número de novos casos diários têm batido novos máximos

Ainda esta semana, na quarta-feira (16 de dezembro), os eslovacos vão conhecer as regras para o Natal. Tudo indica que serão apertadas e a imprensa do país avança com alguns dos cenários possíveis. A 21 de dezembro têm início as férias escolares e, dessa data até 10 de janeiro, todo o comércio não essencial deverá estar fechado, não sendo certo que as escolas reabram na data normal. A partir de 28 de dezembro, empresas com mais de 500 trabalhadores terão de fazer testes regulares para despistar casos positivos.

Para já, não se preveem restrições à mobilidade nem recolher obrigatório.

Só testar não chega, é preciso ir mais além

A experiência da Eslováquia, com os seus 3.625.332 milhões de pessoas testadas (cerca de dois terços da população) serviu de inspiração a outro países. No Reino Unido, por exemplo, algumas zonas do país avançaram para a testagem em massa. E deram esse passo influenciados pelos resultados promissores de Bratislava.

O jornal britânico The Guardian noticiava, a 7 de dezembro, que os testes em massa na Eslováquia ajudaram a reduzir a taxa de infeção em 60%. Apesar de o estudo não ter passado ainda pela revisão dos pares (peer review), as primeiras conclusões apontavam para bons resultados da testagem, a par das medidas restritivas para os infetados. Apesar disso, a equipa sublinhava não ser possível atribuir a queda de casos apenas aos testes.

Stefan Flasche, um dos investigadores, comparava o feito da Eslováquia com o ato de atirar um grande balde de água para cima de um fogo: diminuia-o, sim, mas não o apagava.

“No mínimo, ganha-se algum tempo para não ser preciso ter um confinamento de quatro ou cinco semanas”, defendeu Flasche, citado pelo jornal.

Também a revista especializada Lancet Microbe se debruçou sobre este assunto. “Os testes em massa dão-nos a oportunidade de saber onde estamos na pandemia”, afirmou a epidemiologista Anne Wyllie, da Escola de Medicina de Yale. “Torna possível identificar casos e iniciar o processo de rastreamento de contactos, o que nos dá uma boa oportunidade de quebrar correntes de transmissão.”

Já o site especializado Pharmaceutical Technology publicou uma análise à testagem em massa na Eslováquia. Lembrando que a decisão de testar toda a população obrigou a um esforço enorme de recursos humanos — 40.000 pessoas implementaram o programa, entre elas 15.000 profissionais de saúde e 8.000 militares — “é improvável que a Eslováquia volte a executar um programa desta escala”. Assim, defende que, se a curva continuar a subir, o país tenderá a optar pelo confinamento — a decisão que estava a tentar ser evitada através da testagem em massa.

“No geral, a introdução de testes em todo o país na Eslováquia provou ser eficaz na redução inicial da propagação da infeção. No entanto, com os novos casos diários começando a aumentar novamente no país, parece provável que os testes em todo o país sejam apenas uma solução temporária, a menos que essa estratégia seja realizada inúmeras vezes”, lê-se no artigo, que defende que a melhor solução será combinar testes em massa com restrições e algum tipo de confinamento.

A grande questão: como será o confinamento?

Esta quarta-feira tudo deverá ficar claro. A primeira parte do problema, ainda em jeito de rascunho, será tratada pela comissão especial, composta por políticos, especialistas e membros do Governo, criada para dar resposta à pandemia na época natalícia. Em seguida, as conclusões serão discutidas e anunciadas pelo executivo de Igor Matovic, explicou o ministro da Defesa eslovaco, Jaroslav Nad na terça-feira.

Segundo o Ministério da Saúde, e apesar do que tem sido avançado pela imprensa nacional, o recolher obrigatório não está posto de lado.

EU Leaders Summit in Brussels

Igor Matovic diz que aqueles que o ridicularizaram na altura dos testes em massa, agora esperam soluções milagrosas

No Facebook, Igor Matovic queixou-se da mudança de opinião daqueles que foram seus críticos quando avançou com a decisão da testagem em massa. “Aqueles que me lincharam”, escreveu o primeiro-ministro no domingo passado, “pedem agora exceções ao confinamento para quem faça o teste”.

O que “misteriosamente” os seus críticos não perceberam, diz ainda Matovic, é que era exatamente isso que a Eslováquia tinha na altura em que fez os testes em massa — “Confinamento, exceto para quem fez o teste” — e teve resultado negativo. O chefe de Governo aponta ainda o dedo àqueles que eram contra os testes obrigatórios — “Eu jurei publicamente que qualquer testagem seria sempre voluntária” — e que agora pedem que sejam impostos a todos o que viverem nas regiões mais afetadas pela pandemia.

Já esta terça-feira, a presidente da Eslováquia reuniu-se com um grupo de especialistas que anunciaram quais devem ser, no seu entender, as medidas para garantir a segurança no Natal e que passam, entre outras, pelo isolamento e por viver em bolha. Zuzana Čaputová, por seu lado, exortou os eslovacos a serem responsáveis, mostrando-se preocupada com a situação no país e com a resposta do sistema de saúde.

Num momento em que a tensão política é visível no país, Zuzana Čaputová apelou aos partidos da oposição para que não encorajem atos de desobediência civil, já que está em causa não “rivalidade política, mas salvar vidas”. Aos cidadãos pediu que limitem os contactos durante a época natalícia.