A Quinta do Crasto, no Douro Superior, na mesma família há mais de 100 anos, tem um total de 140 hectares, 80 deles dominados por vinha. Entre as milhares de videiras que ajudam a compor a propriedade há um conjunto em particular que tem sido alvo dos mais intensos estudos de maneira a preservar uma herança centenária. Falamos da vinha Maria Teresa, assim batizada em homenagem à primeira neta de Constantino de Almeida, fundador da Quinta do Crasto no ido ano de 1918, de onde nasce um dos topos de gama da casa — a colheita mais recente é o Vinha Maria Teresa 2017, apresentado no mercado há algumas semanas, e que assinala o culminar de um projeto de investigação chamado Pat Gen Vineyards.

O nome é difícil, atesta desde logo o enólogo Manuel Lobo, mas vem a propósito do objetivo pretendido: estudar o património da vinha. Mais difícil foi a implementação do mesmo. Tudo começou em 2009 quando, numa reunião de produção, uma pergunta saltou aguçada para o centro do debate: o que plantar na vinha Maria Teresa agora que algumas videiras estavam a morrer? A uma questão destas nunca seria dada uma resposta fácil, por mais variedades de castas que passassem pela mente do responsável de enologia. Touriga Nacional? Touriga Franca? Tinta Roriz? “Isto na altura fez-me confusão. Estamos, afinal, a falar de uma vinha centenária, de um património fantástico e único”, desabafa Lobo. No dia seguinte fez-se luz: se não sabiam o que é que lá está, iam passar a saber e, para isso, era preciso estudar. E muito.

A Quinta do Crasto, no Douro Superior, está na mesma família há mais de 100 anos © DR

A base do projeto Pat Gen Vineyards está assente numa ideia aparentemente simples, isto é, tentar plantar exatamente no mesmo sítio uma planta com o mesmo genótipo assim que morre uma videira na vinha Maria Teresa. O primeiro passo tomado pela equipa foi o da classificação visual das castas, feita com o contributo de técnicos “de larga experiência na região do Douro”, que trabalharam em tempos na Casa do Douro. Tal implicou trabalhar em 4,7 hectares de vinha com cerca de 32 mil plantas. O que aconteceu foi uma questão de incoerência entre o que era classificado na vinha e o que era confirmado em laboratório: “Os resultados dos laboratórios muitas vezes vinham incoerentes com aquilo que víamos na vinha, com aquilo que nós próprios íamos lá confirmar”. A isso acresceu a dificuldade na localização das videiras. “Era difícil voltar lá e não nos engarmos. Tivemos de reformular isto e perdemos aqui quase quatro anos.” A densidade das videiras era grande e a margem de erro também.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Admitida a regressão, a equipa resolveu começar tudo do zero. Para tal fizeram um levantamento exaustivo de todos os “pontos de plantação, de todas as videiras, de todas as falhas, de todas as parcelas e de todos os bardos… Só há uma forma de o fazer, ou seja, um levantamento por georreferenciação”, atesta o enólogo. “Temos um software específico que nos permite tratar de todos estes dados.” A georreferenciação, que Manuel Lobo equipara a um levantamento topográfico como acontece, por exemplo, nas obras públicas, permite a definição de um ponto e, consequentemente, de uma coordenada GPS. “Nós temos ali à volta de 32 mil pontos. Imagine o que é andar ali 32 mil vezes a tirar pontos… é uma loucura, parece uma neverending story. É um trabalho minucioso.”

O vinho está à venda por 200 euros © DR

O esforço por detrás desta dedicação é o cuidar e preservar a multiplicidade da vinha centenária. Até à data já foram identificadas 54 variedades (do Moscatel Galego Roxo à Malandra, ao Moreto e ao Bastardo). “Acima de tudo, a nossa maior urgência era não perder material vegetativo. Se o estudo não fosse feito, e fôssemos perdendo material, não conseguiríamos perpetuar o mapa genético da vinha”, garante. À georreferenciação, que permite ter uma noção sólida do que realmente existe na vinha e quais os pontos a intervir, seguiu-se a classificação visual e, agora, estão na fase comprovação genética. Atualmente, a equipa consegue multiplicar as variedades existentes em dois patamares na base inferior da vinha e posteriormente irão focar-se na saúde das videiras.

Não há muitas vinhas centenárias no Douro, confirma o enólogo. Desta nasce, desde 1998 e só em anos considerados excecionais, o vinho Vinha Maria Teresa — não há muitos monovinha no mercado, mas esta é uma tendência crescente no país. O rótulo em questão procura ser uma fiel reprodução do terroir, com o enólogo Manuel Lobo a garantir que quem manda é mesmo a vinha. “Só tenho de garantir que consigo colocar dentro da garrafa toda a identidade que a vinha transmite.”

Vindo de um ano atípico, que historicamente deu origem à vindima mais precoce de sempre da Quinta do Crasto, o Vinha Maria Teresa 2017 “tem todas as condições para ser um vinho cheio de concentração, com ótima frescura e ótima acidez”. O seu criador fala ainda em aromas muito finos e na capacidade para evoluir bem em garrafa durante largos anos. São menos de 7 mil garrafas, cada uma por 200 euros.