O médico epidemiologista que lidera o combate à covid-19 nos EUA considera que é preciso “evitar os confinamentos gerais” porque criam “fadiga da Covid” na população, o que já está a acontecer “no mundo inteiro”, e “são devastadores do ponto de vista económico”. Numa conferência virtual nesta terça-feira, ao responder a uma pergunta do Observador sobre os danos colaterais dos confinamentos, Anthony Fauci acrescentou que “estrategicamente os confinamentos existem para quando os serviços de saúde se aproximam do limite”, mas “não são uma solução permanente”.

O Dr. Fauci (como é popularmente conhecido nos EUA) intervinha através de videochamada a partir do estado de Maryland, numa das iniciativas preparatórias da quarta edição da conferência bienal HIV Research for Prevention (HIVR4P), que acontece em formato virtual a partir de 27 de janeiro sob organização da International AIDS Society, com sede em Genebra, na Suíça. Depois de uma comunicação inicial em que comparou a epidemia da sida à pandemia da Covid-19, o epidemiologista respondeu a perguntas de vários jornalistas.

“Quando se decide um confinamento, é preciso que os governos subsidiem restaurantes, bares, toda a economia, sob pena de esmagarmos os negócios”, analisou Anthony Fauci. “Por isso mesmo, é muito importante que o Governo federal dos EUA liberte pacotes de ajuda de biliões e biliões de dólares. Ainda assim, esperamos sempre evitar confinamentos totais. Devemos concentrar esforços em medidas de saúde pública”, insistiu.

Isso, porém, é mais difícil em países como o Estados Unidos, admite, por causa do “problema da polarização”: “A utilização de máscaras ou o evitar aglomerações tornaram-se questões políticas. É preciso tirar a política deste assunto e tentar que as pessoas respeitem as medidas de saúde pública. Se isso acontecer, penso que não precisaremos de confinamentos.”

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Auxiliado por gráficos e citações, o imunologista apontou semelhanças entre a pandemia da Covid-19 nos EUA e a epidemia do HIV. Os tratamentos para a Covid-19 que já foram aprovados pela autoridade americana do medicamento (FDA), caso do remdesivir na fase inicial da doença, e outras terapêuticas em fase de ensaios clínicos, aproximam-se do que considerou ter sido o êxito dos medicamentos antirretrovirais para a sida, nos anos 80 e 90. “A investigação em torno do HIV ajudou na descoberta de tratamentos para a Covid-19, sem sombra de dúvidas”, notou Fauci.

Por outro lado, sugeriu que as vacinas já desenvolvidas ou em desenvolvimento para a Covid-19 — dos laboratórios Moderna e Pfizer-Biontech (método mRNA), Astrazeneca e Janssen (vetores de adenovírus) e Novax e Sanofi (proteínas recombinantes) — podem acelerar uma vacina para o HIV. “Se tudo correr bem, a partir daqui podemos dar um impulso para uma vacina para o HIV”, disse. No entanto, sublinhou: “Quando estivermos a ver a Covid-19 pelo retrovisor, continuaremos a ter pela frente o HIV.”

“No último ano não houve um só dia em que não tenha estado a trabalhar”

Segundo Fauci, a “considerável resistência à vacinação tem de ser resolvida através de um enorme esforço” e uma das formas de “convencer as pessoas” é a de “mostrar em público que há quem tenha fé na segurança e eficácia das vacinas” para a Covid-19, dando como exemplo o facto de o presidente eleito Joe Biden e a vice-presidente eleita Kamala Harris se terem vacinado frente às objetivas dos jornalistas.

“Nunca nos livraremos desta ameaça até termos a larga maioria da população vacinada, 70 a 80%, para conseguirmos imunidade de grupo. Até lá, temos de continuar a utilizar máscaras e a seguir as medidas de saúde pública recomendadas”, declarou. “Dentro de um ano ou dois, teremos vacinas para todos os países do mundo e conseguiremos erradicar este problema tal como fizemos com o sarampo ou a poliomielite.”

Anthony Fauci completou 80 anos a 24 de dezembro. Dirige desde 1984 o Instituto Nacional de Alergias e Doenças Infecciosas dos EUA. É visto como um dos mais credíveis imunologistas e epidemiologistas americanos e tem sido conselheiro para a saúde de todos os presidentes desde Ronald Reagan.

Polémico desde sempre, saltou para a ribalta devido ao papel central no combate à epidemia do HIV/sida, quando foi responsável por decisões orçamentais na investigação de tratamentos para a doença. Contestado na década de 80 por suposta lentidão na resposta à epidemia , agora é alvo inúmeras teorias da conspiração e passou os últimos meses a ser desacreditado pelo presidente Donald Trump, que chegou a considerar “desastrosas” as intervenções públicas de Fauci e admitiu afastá-lo do combate à Covid-19 caso ganhasse as eleições.

Trump admite despedir Fauci após as eleições

Num tom mais pessoal, Fauci disse esta terça-feira que “a enorme dimensão do problema” é aquilo que o motiva a continuar a trabalhar na pandemia. “Sem exagero, e não peço que tenham pena de mim, posso dizer que no último ano não houve um só dia em que não tenha estado a trabalhar, nem um. Às vezes, 18 horas por dia. Não quero o estatuto de herói, é uma obrigação. Há uma coisa que não deixei de fazer: todos os dias vou correr com a minha mulher. Antes da pandemia, corria de dia e agora vou à noite, porque passo o resto do tempo em reuniões.”