Os supermercados e hipermercados vão deixar, a partir desta segunda-feira, de poder vender artigos de decoração, têxtil para o lar, roupa, brinquedos, livros e artigos de desporto – estes são alguns dos produtos cuja venda será proibida pelo decreto do Ministério da Economia que deverá sair nas próximas horas. O Governo começou por defender que as lojas teriam mesmo de retirar os artigos das prateleiras mas, segundo apurou o Observador, voltou atrás depois de o setor se insurgir contra a impraticabilidade dessa decisão. A associação das empresas de distribuição garante o cumprimento “escrupuloso” das medidas e que as lojas vão recorrer a formas “criativas” de evitar a venda desses produtos, como o uso de fitas de delimitação, baias, cortinas e o fecho de corredores.

Como o ministro da Economia já confirmou na conferência de imprensa dada na quinta-feira, a partir das 00h do dia 18 de janeiro, esta segunda-feira, os estabelecimentos de comércio a retalho que comercializem mais do que um tipo de bem e que poderão continuar abertos nas próximas semanas não podem vender, em espaço físico, os bens “tipicamente comercializados nos estabelecimentos de comércio a retalho encerrados ou com a atividade suspensa” pelo decreto que estabeleceu as regras do novo confinamento geral.

Pedro Siza Vieira levantou o véu sobre alguns dos produtos, em concreto, que deixariam de poder ser vendidos nas lojas físicas mas remeteu os detalhes para o despacho que se prevê ser publicado ainda esta sexta-feira. O despacho proíbe a venda de “mobiliário, decoração e produtos têxteis para o lar; jogos e brinquedos; livros; desporto, campismo e viagens; vestuário, calçado e acessórios de moda“.

Na prática, porém, como é que as lojas garantem que esses produtos não são vendidos? O Ministério da Economia começou por determinar que os produtos não podiam sequer estar nas lojas – Siza Vieira falou, mesmo, em “retirar os produtos”. Mas, de acordo com o que apurou o Observador, a versão final do despacho (que ainda não foi publicada) contém uma outra formulação: “os operadores económicos devem retirar os produtos cuja comercialização não é permitida, ocultar a sua visibilidade ou isolar as áreas de venda respetivas, ficando impedido o seu acesso aos consumidores“.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Governo cedeu. Supermercados não têm de retirar os produtos, apenas “ocultar”.

Já esta tarde, em declarações ao Observador, Gonçalo Lobo Xavier, diretor-geral da APED, comentou que “o Governo ponderava obrigar a retirar os produtos, mas a APED explicou que, do ponto de vista operacional, isso seria impossível porque não há armazém nem espaço, pelo que as superfícies vão ser criativas na forma como vão cumprir“.

Além de obrigar a usar espaço de armazém que não existe em boa parte das lojas, retirar os produtos obrigaria a que as superfícies pedissem às suas equipas de funcionários que, após o encerramento no domingo e antes da abertura na segunda-feira, transferissem uma grande quantidade de produtos das prateleiras para que não pudessem estar no seu lugar habitual. Assim, em alternativa, os super e hipermercados admitem recorrer a baias e fitas de delimitação, podem fechar-se corredores e usar-se cortinas para tapar os produtos que, pese embora esta legislação, podem continuar a ser vendidos “ao postigo” ou através dos canais online.

A APED contrapôs, porém, que estas medidas “vão agravar a limitação de acesso a certas categorias de produtos por parte dos cidadãos que habitam em zonas de baixa densidade populacional e, por consequência, com baixo nível de oferta de serviços”. Isto porque “há zonas do país onde não há outra oferta de produtos e de certas categorias, que não a fornecida pelos estabelecimentos de retalho alimentar e que esse facto vai limitar a democratização do acesso à cultura e aos bens”. Por outro lado, “ainda há um número significativo de cidadãos que não têm acesso a equipamentos eletrónicos que permitam a realização de compra de bens à distância”.

“Uma medida errada” do Governo, defende a CIP. Livreiros “estrangulados”

Limitar a venda destes artigos é, “no entender da CIP – Confederação Empresarial de Portugal, uma medida errada“. Em comunicado divulgado esta sexta-feira, a confederação liderada por António Saraiva foi dura:

A medida em causa vem, por um lado, privar ou dificultar o acesso dos consumidores a um leque alargado de bens. Por outro lado, vem causar maiores danos económicos às empresas portuguesas que têm nos super e hipermercados um importante canal de comercialização da sua produção, bem como a todas as cadeias de valor associadas a esses mesmos produtos”, lamenta a CIP.

A CIP diz que “reconhece os problemas que esta medida pretende obviar”, mas “criar mais constrangimentos às empresas portuguesas, maiores disrupções nas cadeias de valor, maiores dificuldades aos consumidores não será, certamente, a melhor forma de mitigar esses problemas“. “Por outro lado, esta medida está longe de proteger os pequenos comerciantes que foram obrigados a encerrar os seus estabelecimentos, deixando abertos outros canais de comercialização, como as plataformas eletrónicas”, acrescenta a CIP.

A CIP apela ao Governo que pondere seriamente os custos e benefícios que esta medida comporta, tendo em conta o interesse global da economia portuguesa, e que reequacione, com racionalidade, equilíbrio e bom senso, melhores formas de acautelar os legítimos interesses do pequeno comércio a retalho”, remata.

Em declarações à Rádio Observador, esta sexta-feira, o presidente da APEL (associação que representa os editores e livreiros) disse “repudiar totalmente” o anúncio feito pelo ministro da Economia. “Aquilo que fizeram foi impedir a venda de livros neste país”, afirmou João Alvim.

“As livrarias, em conjunto com a grande distribuição, representam 90% das vendas neste país. Ao encerrarem as livrarias da forma como fizeram, ao impedir a grande distribuição de vender livros, isso significa que não há forma de adquirir livros exceto online ou ao postigo, que tem uma expressão reduzida”, alega João Alvim, acrescentando que este “é um setor que, direta e indiretamente, representa 500 milhões de euros por ano e neste momento está completamente estrangulada“.

Num ponto de vista diferente, João Vieira Lopes, presidente da CCP – Confederação do Comércio e Serviços de Portugal –, mostrou concordar: “É uma decisão lógica dentro da defesa da concorrência entre todos os formatos de comércio”, disse esta sexta-feira o responsável, na SIC Notícias, lembrando que medidas semelhantes foram tomadas em outros países europeus.