Não foi com o dramatismo de Arnold Schwarzenegger, nem com o recurso à frase mítica do filme “Exterminador Implacável” — “I’ll be back” (Voltarei) — que Donald Trump prometeu regressar. Foi à sua maneira, com frases ambíguas, que deixou essa mesma promessa no ar. Primeiro de forma enigmática, ainda no relvado da Casa Branca, depois com mais clareza. “Voltaremos de alguma forma”, assegurou durante o seu último discurso como Presidente dos EUA, depois de já ter prometido um “adeus curto”. De seguida, entrou no Air Force One ao som de “My Way” de Frank Sinatra, enquanto uma pequena multidão via o avião presidencial sumir-se no céu.

Enquanto Trump dizia adeus e prometia o regresso, Joe Biden assistia a uma missa em Washington DC. O primeiro partia para não estar na cidade durante a tomada de posse do seu adversário, o segundo preparava-se para fazer o juramento solene que o tornaria o 46.º Presidente dos Estados Unidos. A ausência de Trump não era segredo e o antigo chefe de Estado foi rápido a assumir que iria romper com essa tradição, tornando-se o quarto Presidente do país a falhar a investidura do seu sucessor.

Assim, esperava-se que a saída do casal Trump da Casa Branca cumprisse um horário rígido de forma a que quando Biden pusesse a mão sobre a bíblia no exterior do Capitólio, já Donald e Melania estivessem na sua nova residência. O local? O resort do bilionário, Mar-a-Lago, em Palm Beach, Florida, um dos estados que entregou os seus votos do Colégio Eleitoral a Trump, e não a Joe Biden.

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O último discurso de Donald Trump antes de partir para a Florida

A saída da Casa Branca foi rápida. O Marine One, o helicóptero presidencial, aterrou no relvado sul e o casal foi rápido a embarcar. Apesar de haver vários jornalistas presentes, Trump não se demorou. Disse ter sido uma honra servir como Presidente dos Estados Unidos e, segundo o correspondente da CNN, prometeu que não seria “um longo adeus”, depois de se despedir dos presentes. Os comentadores das televisões norte-americanas ficaram presos às suas palavras, discutindo o que Trump quereria dizer. Uma meia resposta chegou já na base aérea de Maryland, onde aterrou ao som de “Gloria”, de Laura Branigan.

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Ali, o discurso de Donald Trump manteve o tom habitual, com várias afirmações a pecarem por ser falsas, conforme mostrou o jornal New York Times ao fazer a verificação dos factos ao que foi dito. Uma dessas afirmações foi a de que a sua administração levou a cabo o “maior corte e reforma de impostos da história” dos Estados Unidos, quando, na verdade, ficou muito aquém de outras anteriores.

Apesar disso, as televisões norte-americanas acompanharam o seu último discurso até ao final. A MSNBC ainda ameaçou que só ficaria em direto “enquanto o Presidente conseguir dizer a verdade”, mas acabou por não cortar o som do microfone.

Sem nunca referir o nome de Joe Biden — que também nunca mencionaria o de Trump no discurso da tomada de posse —, Donald Trump desejou sorte à futura administração e colheu créditos de um eventual crescimento económico a que se venha a assistir. Tudo será graças ao trabalho que a sua administração deixa feito. “Decerto terão muito sucesso, têm os alicerces para fazer coisas fantásticas, nós deixamos este país numa posição que nunca antes tinha alcançado”, disse na base Andrews, referindo-se aos futuros “bons números” da economia do país.

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O Marine One no relvado da Casa Branca, onde Trump prometeu que o adeus não será longo

“Lembrem-se quando estas coisas começarem a acontecer, se ninguém mexer no que fizemos… Cuidado, estou a olhar para alguns dados da nossa economia e só posso dizer que é como ver o lançamento de um foguete espacial”, acrescentou.

Trump falou ainda do “milagre da vacina”, como se fosse uma vitória da sua Administração, e congratulou-se com a forma como lidou com a pandemia. No final, antes de entrar pela última vez no Air Force One voltou a lançar a promessa: “Adeus, amamo-vos e voltaremos de alguma forma.”

Em Washington DC, Joe Biden escrevia o seu último tweet antes de assumir a conta oficial do Presidente dos EUA naquela rede social, e de forma a coincidir com a partida do avião presidencial: “É um novo dia na América.” Mas em Maryland, a voz de Frank Sinatra ecoava um melódico “I did it my way” antes de Trump entrar pela última vez no Air Force One rumo à Florida. E assim, à sua maneira, Donald Trump saía de cena.