O presidente da Liga de Bombeiros Portugueses (LBP), Jaime Marta Soares, revelou ter tomado conhecimento que restos de um lote de vacinas — destinadas a idosos, mas que acabaram por sobrar — de uma viatura acidentada foram utilizados na vacinação de bombeiros do distrito de Setúbal. Ao Observador, explicou que se tratavam de 166 doses de vacinas que foram administradas aos bombeiros de Palmela, Sesimbra e Setúbal — uma decisão que considera “anárquica”.

Não ponho em causa a desonestidade, nem a transparência. Ponho em causa que essa atitude ia criar desaguisado no seio dos bombeiros. Os restantes bombeiros de Setúbal ficaram revoltados com aquela situação”, explica ao Observador.

Marta Soares adiantou que, ao saber do sucedido, contactou o coordenador da taskforce do Plano de Vacinação da Covid-19, que lhe explicou que as 166 doses que restaram “não se podiam estragar”. No dia seguinte, foi-lhe comunicado que “já havia 450 vacinas para vacinar todos os bombeiros do distrito de Setúbal“.

Eu não quero que os bombeiros sejam os restos dos outros. Nem que [estas situações] viessem a dar azo a que o compromisso fosse desvanecendo. As 15 mil vacinas [para os bombeiros], nas prioridades imediatamente a seguir aos lares, são para respeitar.”, afirmou ainda Marta Soares

Ouvido pela agência Lusa, Marta Soares, fala em “compadrio político” e “numa desvergonha sem dimensão”, que está a colocar “bombeiros contra bombeiros”. “Quem o fez não terá sido para prejudicar o seu colega, mas deixaram-se envolver numa teia que permite limpar a face da incompetência, da descoordenação e da falta de rigor e desonestidade, no mínimo, intelectual”, sublinhou.

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Para Jaime Marta Soares, o ministério da Administração Interna, que tutela os bombeiros, devia perguntar ao Ministério da Saúde “como é que isto é possível”, defendendo um plano “uno e indivisível” a iniciar com a máxima “urgência possível”. “Desde sábado e hoje que andam a oferecer vacinas para segunda-feira, mas então o que é isto, que desnorte é este?”, questiona o dirigente, que na sexta-feira exigiu “transparência e rigor” ao Governo sobre a vacinação contra a covid-19 daquele setor, acusando o processo de ser anárquico e pretender “dividir os próprios bombeiros entre filhos e enteados”.

Vacinação em alguns corpos de bombeiros do distrito de Coimbra motiva duras críticas

O presidente da Federação dos Bombeiros do Distrito de Coimbra (FBDC) considerou “uma vergonha” que já existam bombeiros vacinados no distrito, quando a maioria das corporações não sabe a data da vacinação dos seus operacionais.

Isto é uma verdadeira vergonha e um escândalo o que está a acontecer. Infelizmente, mais uma vez, se vem provar que o sistema das cunhas funciona e que não há uma política a nível distrital para resolver estas coisas”, criticou Fernando Carvalho à agência Lusa.

O dirigente diz que não tem “mais adjetivos para qualificar aquilo que se está a passar a nível distrital”. Segundo Fernando Carvalho, “haverá eventualmente quatro ou cinco corpos de bombeiros do distrito que têm alguns elementos vacinados, mas a maioria não tem”.”Como é que foram vacinados alguns elementos de corpos de bombeiros e não foram vacinados outros? Temos de saber, dentro de cada concelho, a quem é que o Ministério da Saúde delega as vacinas, a quem as entrega”, questionou, escusando-se a revelar nomes.

O Comandante de Operações Distrital de Coimbra da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil, Carlos Luís Tavares, disse à agência Lusa que o processo de vacinação dos bombeiros ainda não começou e que se aguarda a qualquer momento que tenha início.

Assumindo que tem conhecimento de que algumas corporações já têm elementos vacinados, o responsável frisou que “há um processo de vacinação dos bombeiros que é para avançar todo ao mesmo tempo”. “Se há corporações vacinadas não sei como o fizeram, porque o processo não passou por nós”, sublinhou Carlos Luís Tavares, considerando que se existem sobras o “mais lógico” seria informar a Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil, que, por sua vez, entraria em contacto com os comandantes distritais que as “distribuíam por todos”.

Miguel Baptista, presidente do município de Miranda do Corvo, que há cerca de três meses tem vivido com muitas restrições por causa da pandemia da covid-19, considera a situação “inacreditável”, agravada pelo facto de ter sido “aplicada a profissionais que não efetuam transporte de doentes covid-19”. Para o autarca, as sobras [de vacinas] não devem ser desperdiçadas, mas devia existir uma articulação entre a autoridade de saúde e o Comando Distrital de Operações de Socorro “para que fosse feita uma distribuição justa pelos bombeiros que estão na linha da frente”.

“O distrito é pequeno, pelo que o tempo de transporte permitia distribuir as sobras por um número maior de corporações, de forma justa e equilibrada, o que não terá sido feito”, sublinhou à agência Lusa Miguel Baptista.