É uma crítica recorrente que o Conselho das Finanças Públicas (CFP) tem feito ao Ministério das Finanças, dirigido por João Leão: a entidade queixa-se que não recebe informação suficiente para calcular os efeitos de algumas medidas aprovadas pelo Governo. E neste caso, “pese pese a sua atempada solicitação” e sucessivas “insistências”, o CFP diz-se “impedido” de calcular, na ótica dos compromissos, os impactos das alterações ao Orçamento do Estado para 2021 feitas na discussão na especialidade.

“A não divulgação de uma conta das administrações públicas para 2021 em contabilidade nacional compatível com o Orçamento do Estado aprovado pela Assembleia da República impede a quantificação do impacto orçamental de novas medidas aprovadas em sede parlamentar”, indica a Análise ao Orçamento do Estado Aprovado para 2021 publicada esta quarta-feira pelo CFP. É a primeira vez que a entidade presidida por Nazaré da Costa Cabral faz este tipo de trabalho.

O CFP afirma ainda que também é impedida a avaliação “de alterações a medidas que já constavam da proposta de Orçamento do Estado para 2021 apresentada pelo Governo” na ótica contabilística que conta para Bruxelas.

A entidade nota, sobretudo, que, em contabilidade pública (ótica de caixa), as alterações orçamentais “resultaram num impacto marginal”, que o quantifica em 10 milhões de euros, excluindo ativos e passivos financeiros, “e apenas 3,2 milhões de euros tiveram impacto no saldo em contabilidade orçamental pública”. Por outras palavras: a despesa que o parlamento adicionou ao Orçamento do Estado para 2021 – com a introdução ou reformulação de medidas na especialidade – representa um impacto de apenas 3,2 milhões de euros na ótica de caixa. Mas o Conselho das Finanças Públicas salienta que não conseguiu calcular a ótica de compromissos, por falta de informação das Finanças.

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“Dada a dimensão e expressão financeira de cada uma das medidas de despesa aprovadas, e no seu conjunto, surpreende, pois, este resultado pouco significativo, o qual pode ter ficado a dever-se ou à sobrestimação da despesa na proposta inicial do OE, ou seja, antes de efetuadas as alterações, ou à eventual subestimação da mesma despesa na versão aprovada”, considera a instituição independente.

“Neste caso é paradigmático o caso da Segurança Social, cujos mapas não sofreram qualquer alteração não obstante as alterações aprovadas na AR”, assinala o organismo independente de escrutínio das contas públicas.

“De uma forma ou de outra, surgem dúvidas quanto à confiabilidade dos mapas, iniciais ou finais”, considera o CFP.

Objetivo de fiscalização comprometido por falta de informação

O objetivo de fiscalização, salienta o Conselho das Finanças Públicas, ficou assim comprometido. “Infelizmente, este objetivo aparece em grande medida frustrado pela insuficiência da informação que foi enviada pelo Ministério das Finanças, pese a sua atempada solicitação por parte do CFP e insistências realizadas”.

A instituição liderada por Nazaré da Costa Cabral refere ainda que “a referida falta de informação atinente à ligação entre a contabilidade orçamental pública (ótica de caixa) e a contabilidade nacional (ótica de acréscimo) impediu o conhecimento, nesta última ótica contabilística, do saldo das administrações públicas para 2021 compatível com o OE aprovado”. Ou seja, é impossível ao CFP calcular se o défice estimado por João Leão para este ano, incluindo já todas as medidas que resultaram da negociação na especialidade, é acertado ou não.

“Este tipo de apreciação tornou-se ainda mais necessário no quadro atual da crise que estamos a viver, pois importa aferir bem e especificar o impacto das medidas aprovadas de combate à pandemia, não apenas sobre as rubricas de despesa nos mapas orçamentais respetivos (ou seja, em contabilidade pública), mas acima de tudo as suas consequências em termos agregados e de contas nacionais”, refere o organismo independente.

“O CFP nota que todas estas dificuldades no acesso à informação (e na qualidade da informação prestada) se têm vindo a acentuar desde o transato ano de 2020, tal como oportunamente assinalado quer no seu relatório sobre o programa de estabilidade, quer no relatório sobre a proposta de OE para 2021”, refere ainda no documento.

O organismo independente afirma tratarem-se de “falhas no respeito pelo princípio da transparência orçamental constante do artigo 19.º da Lei de Enquadramento Orçamental e em especial no cumprimento de deveres de informação previstos nos artigos 73.º e 74.º da mesma Lei”.

“A pandemia e as circunstâncias de exceção não podem ser usadas para justificar toda e qualquer fragilização dos mecanismos de escrutínio público e democrático”, refere o CFP.