A Irlanda considera “improvável” que o acordo comercial UE-Mercosul seja concluído durante a presidência portuguesa do Conselho da União Europeia e insiste em garantias de que a desflorestação da Amazónia vai ser travada.

“Penso que é improvável que seja concluído durante a presidência portuguesa, mas seguramente gostaríamos de ver progressos, progressos positivos”, afirma o ministro dos Assuntos Europeus da Irlanda, Thomas Byrne, em entrevista à Lusa à margem de uma visita a Lisboa.

Apontada como uma prioridade pela presidência portuguesa, a conclusão do acordo comercial, alcançado em junho de 2019 entre a UE e os países do Mercosul (Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai), após duas décadas de negociações, está atualmente em fase de tradução e revisão jurídica, finda a qual, com um acordo político dos 27, os países de ambos os blocos deverão ratificá-lo.

No entanto, vários Estados-membros, entre os quais a Irlanda e a França, além de eurodeputados e organizações da sociedade civil, têm manifestado fortes reservas à ratificação do acordo, invocando preocupações relativas à sua compatibilidade com o cumprimento do Acordo de Paris e ao impacto que terá para o aquecimento global, apontando nomeadamente a desflorestação da Amazónia.

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“Temos preocupações e precisamos de ter a certeza de que não ficamos de braços cruzados perante o que está a acontecer na floresta amazónica neste momento, que nos preocupa profundamente”, frisa o ministro irlandês. “Queremos garantias em relação às questões ambientais, particularmente em relação à Amazónia”, vinca.

Sublinhando que a Irlanda é “fortemente favorável, e beneficia, do comércio livre” e que para Dublin “quantos mais acordos de comércio livre existirem, melhor”, Thomas Byrne aponta contudo que o país está igualmente empenhado na proteção do ambiente e dos recursos naturais.

O ministro admite que o setor agropecuário irlandês, que deverá ser fortemente afetado pelo esperado aumento significativo das exportações de gado bovino dos países do Mercosul, “está preocupado”, mas assegura que não é essa a principal reserva irlandesa ao acordo.

Os nossos produtores ficam sempre preocupados quando falamos de importações de produtos de carne em particular, mas eu vejo sempre os acordos comerciais como uma oportunidade para os nossos produtores. Os produtos que a Irlanda exporta, especialmente em termos de carne, são produtos ‘premium’, de qualidade realmente elevada, não são carne vulgar vendida muito barata”, afirma.

Nesse sentido, prossegue, “os acordos comerciais são uma oportunidade de aumentar os mercados para a carne” irlandesa e, no final, o consumidor decidirá”, acrescenta.

“Mas não podemos ficar numa situação em que preocupações ambientais que são fundamentais para o nosso planeta possam simplesmente ser deixadas de lado e esquecidas. Precisamos de garantias fortes em relação a isso para concluir este acordo comercial”, insiste, apontando que essas preocupações “são muito fortes” na opinião pública irlandesa.

Irlanda conta com Cimeira Social presencial com forte sinal de esperança e mudança

A Irlanda acredita que a Cimeira Social que a presidência portuguesa da UE organiza em maio, no Porto, vai realizar-se em formato presencial e que servirá para enviar aos europeus um “forte sinal de cooperação, esperança e mudança”.

“Estou muito impressionado com o empenho da presidência portuguesa na Europa Social, revemo-nos nesses valores que todos partilhamos. Penso nos europeus, em tratarmos adequadamente as pessoas”, afirma Thomas Byrne.

“A agenda é muito importante, mas penso que, como estão as coisas, em termos de pandemia, a Cimeira vai realizar-se em formato presencial e vai enviar um forte sinal de cooperação, de esperança e de mudança”, acrescenta.

Thomas Byrne assegura que o governo irlandês está alinhado com os objetivos da Cimeira e vai “trabalhar para assegurar que possa ser alcançado um acordo” sobre o plano de ação do Pilar Europeu dos Direitos Sociais proposto pela Comissão Europeia, incluindo a proposta de diretiva sobre um salário mínimo europeu.

A diretiva conta com o apoio de Dublin, que tem implementado um salário mínimo nacional elevado e “orgulha-se muito disso”, e a Irlanda conta “ser muito útil” no trabalho para chegar a um acordo sobre a questão na UE.

“Será difícil, porque nem todos pensam da mesma forma. O princípio da subsidiariedade é importante, também para a Irlanda, e vai talvez ser uma dificuldade prática para alguns países”, admite.

Mas, frisa, a Europa Social trata de questões “com que as pessoas se identificam” e se os líderes europeus forem capazes de “mostrar que trabalham para todos os cidadãos”, o resultado da Cimeira pode também ser “uma resposta ao populismo”.

“Temos aqui uma oportunidade de reavaliar a agenda global” com o foco na Europa Social, conclui.

A Cimeira Social, marcada para 07 e 08 de maio no Porto, é considerada pelo Governo português “o coração” e “momento alto” da presidência portuguesa do Conselho da UE e visa chegar a um acordo político dos 27 sobre o plano de ação para a implementação do Pilar Europeu dos Direitos Sociais, um documento que tem por objetivo colocar as políticas sociais no centro das transições climática e digital, motores da recuperação económica e social.