A Confederação Europeia de Sindicatos considera que a Cimeira Social do Porto será “um ponto de viragem fundamental” para a implementação do Pilar Europeu dos Direitos Sociais, mas adverte que “ainda existem dúvidas” quanto ao compromisso político nesse sentido e defende: “o Pilar Europeu dos Direitos Sociais deve tornar-se “numa das bússolas para a governação europeia”, podendo mesmo vir a ser “mencionado nos Tratados”, associado à economia social de mercado”.

O secretário-geral da Confederação Europeia de Sindicatos (ETUC, na sigla em inglês), Luca Visentini, frisa que o plano de ação apresentado pela Comissão Europeia em março para a implementação do Pilar Europeu dos Direitos Sociais é “muito bom”, mas “ainda existem dúvidas sobre o compromisso e vontade dos estados-membros para garantir que este plano de ação se torne realidade”.

“Ainda nos está a faltar um compromisso claro dos estados-membros e é por isso que consideramos que a Cimeira do Porto será um ponto de viragem fundamental” para a implementação do Pilar Social, sublinha, em entrevista à Lusa.

A ETUC espera, por isso, que todos os chefes de Estado e de Governo dos 27 estados-membros da União Europeia (UE) “possam participar presencialmente” na Cimeira, agendada para 7 e 8 de maio, pois “uma cimeira destas em formato ‘online’ não terá sucesso”.

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Luca Visentini recorda a Cimeira Social de Gotemburgo (Suécia), em 2017, na qual estiveram presentes “todos os primeiros-ministros, exceto Angela Merkel (chanceler alemã), o que não enviou uma boa mensagem para a Europa e para os trabalhadores europeus”.

“Desta vez gostaríamos mesmo de ver todos pessoalmente e de ter a possibilidade de falar com eles sobre as necessidades sociais da Europa”, afirma o responsável da ETUC, que marcará presença na Cimeira.

Para Luca Visentini, “o verdadeiro desafio que estará em jogo” na Cimeira Social do Porto será precisamente “garantir que todos os estados-membros e os parceiros sociais se comprometam a implementar o plano de ação” do Pilar Europeu dos Direitos Sociais.

A ETUC decidiu, por isso, organizar o que designou como “uma Cimeira de Sindicatos” na véspera da Cimeira Social, a 6 de maio, também no Porto, na qual prevê apresentar as suas propostas e ideias sobre a implementação do Pilar Social ao primeiro-ministro, António Costa, e à ministra do Trabalho, Ana Mendes Godinho.

Esta será “uma boa ocasião” para “dar um impulso” às exigências dos sindicatos a nível europeu, assinala, sobretudo numa altura em que os parceiros sociais, incluindo a ETUC, estão a negociar com a presidência portuguesa do Conselho da UE “os conteúdos da declaração conjunta que deverá ser aprovada no final da Cimeira”.

“É claro que vamos tentar garantir que o compromisso que sairá desta cimeira seja um compromisso forte”, garante o responsável.

Além da assinatura da declaração conjunta no final da Cimeira Social, em 7 de maio, “será também muito importante que o Conselho informal de chefes de Estado e de Governo, que se realiza no dia seguinte, adote a mesma declaração.

Caso contrário, “haverá uma contradição entre as duas Cimeiras”, o que poderá “prejudicar a possibilidade de ter um verdadeiro compromisso por parte de todos”, adverte.

Pilar Social deve ser “bússola” para a governação económica

A Confederação Europeia dos Sindicatos defende também que o Pilar Europeu dos Direitos Sociais deve tornar-se “numa das bússolas para a governação europeia”, podendo mesmo vir a ser “mencionado nos Tratados”, associado à economia social de mercado.

“Gostaríamos mesmo de ver o Pilar Europeu dos Direitos Sociais mencionado nos Tratados”, associado à economia social de mercado, que “ainda não foi colocada em prática”, sublinha Luca Visentini, acrescentando que esta seria “uma conquista muito importante” para a ETUC.

Embora os 20 princípios estipulados no Pilar Europeu dos Direitos Sociais, que visa colocar a dimensão social no centro das políticas da União Europeia (UE), sejam “muito positivos”, a ETUC sublinha que “sem ações concretas para a implementação, não apenas por parte da UE, mas também dos estados-membros, estes princípios continuarão a ser princípios — bonitos em papel, mas sem resultados concretos na prática.”

Em relação ao plano de ação para a implementação do Pilar, Luca Visentini sublinha a importância da definição de “três metas principais para sustentar a convergência social”, nomeadamente ter pelo menos 78% da população em idade ativa empregada, pelo menos 60% dos adultos em ações de formação todos os anos e retirar pelo menos 15 milhões de pessoas do risco de pobreza.

Mas, argumenta, estas metas só serão atingidas “se houver vontade” política e se forem definidas “ações concretas” para as implementar, sobretudo tendo em conta o instrumento financeiro “NextGenerationEU” (Próxima Geração UE), dotado de 750 mil milhões de euros para ajudar a colmatar a crise provocada pela pandemia de Covid-19 e que pode promover “a criação maciça, intensa, de empregos de qualidade”.

Para o responsável, “é muito importante” que este pacote financeiro não resulte no que “aconteceu na crise financeira de 2008 ou 2009, com a chamada ‘recuperação sem emprego’, onde as empresas se reiniciaram, mas não se criaram empregos estáveis e de qualidade”.

Desta vez precisamos mesmo de fazer o oposto. Precisamos de garantir que, quando a recuperação arrancar, teremos realmente uma ‘recuperação rica em empregos’, neste caso, com a criação de empregos estáveis e de qualidade”, defende.

Mas “nem todas as iniciativas são suficientemente ambiciosas no plano de ação”, assinala o responsável, apontando para “o facto de não haver uma proposta de diretiva para legislação forte para estabelecer um quadro para salários mínimos a nível nacional nos países europeus”.

“Apenas é mencionada uma recomendação, o que para nós não é suficiente”, vinca, acrescentando que “sem um quadro obrigatório da parte europeia, será muito difícil impulsionar os estados-membros a adotarem decisões a nível nacional” sobre a definição de salários mínimos.

A solução, segundo a ETUC, passa pela criação de “uma combinação de diferentes instrumentos que podem variar consoante as diferentes práticas dos estados-membros” e que possa garantir que “todos possam ter uma vida decente através do seu rendimento ou através de medidas de segurança social”.

Não quer dizer que exista uma solução que sirva para todos. É sobre criar um quadro que permita a cada estado-membro colocar as ferramentas adequadas em prática de acordo com as diferentes práticas nacionais e configurações dos sistemas de proteção social nacionais”, esclarece.

A Cimeira Social do Porto é considerada pelo Governo como o evento “central” da presidência portuguesa do Conselho da UE, que decorre neste primeiro semestre do ano.

O evento reunirá os chefes de Estado e de Governo, parceiros sociais e representantes das organizações de sociedade civil para chegar a um consenso político sobre a implementação do Pilar Europeu dos Direitos Sociais, um conjunto de 20 princípios que visa contribuir para o progresso social através do apoio a mercados de trabalho e sistemas de proteção social justos e funcionais.