Kasper Hjulmand era um dos selecionadores mais novos, com menor currículo e menos conhecidos entre os 24 que marcam presença no Campeonato da Europa. O currículo, esse, ainda não sofreu uma grande alteração. Já a nível de reconhecimento, aí, o cenário é bem diferente. Que mais não seja por ser aquele homem que teve de perceber como agarrar num balneário da Dinamarca arrasado com a situação do companheiro e amigo Christian Eriksen para transformar as fraquezas em forças – e com todo o sucesso conhecido. No entanto, por trás daquele técnico vibrante que gosta de ver parte dos jogos sentados numa geleira está alguém que foi obrigado a crescer (e a aprender) com situações limite no futebol, umas com finais mais trágicas do que outras.

Essa história começou quando era ainda jogador, sempre em clubes modestos da Dinamarca com uma passagem pelos EUA. Depois de se estrear nos seniores com apenas 16 anos pelo Randers Freja, mudou-se em 1992 para o Herlev, equipa da zona de Copenhaga, e fez as malas duas épocas depois para os EUA, onde jogou pelos North Florida Ospreys enquanto estudava, voltando à Dinamarca para o B.93… mas não por muito tempo: aos 26 anos sofreu o primeiro contratempo a sério na carreira, com uma lesão no joelho que o forçou à retirada.

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Não desistiu do futebol nem deixou a paixão pelo jogo, longe disso, e na mesma altura em que tinha de enfrentar a realidade de uma lesão impeditiva de continuar a jogar já preparava o primeiro trabalho como treinador, nas equipas de formação do Lyngby onde esteve até 2006 antes de subir à equipa sénior durante dois anos, até 2008. Prosseguindo sempre os estudos, Kasper Hjulmand nunca se importou de dar passos atrás para procurar dois à frente, algo que aconteceu também no Nordsjælland onde foi adjunto de 2008 a 2011 e técnico principal de 2011 a 2014. E foi nessa passagem que viveu mais um drama no futebol, neste caso com um jogador do plantel.

Durante mais uma sessão de trabalho, e num acontecimento com probabilidade infinitamente pequena de vir a acontecer, um dos elementos do Nordsjælland, Jonathan Richter, foi atingido por um raio no campo de treinos. “Estávamos apenas num treino quando um dos nossos jogadores foi apanhado por um raio. Esteve em coma durante dois meses mas sobreviveu”, recordou recentemente Hjulmand. O antigo médio teve de deixar o futebol como jogador, até porque necessitou de uma amputação de parte da perna esquerda para melhorar de forma substancial, e desempenha hoje funções de diretor executivo do FC Græsrödderne, do quarto escalão.

Foi também essa recordação que fez com que o atual selecionador falasse sobre outra memória negra. “Perdi o meu tio num campo de futebol, sofreu um enfarte. As minhas emoções disparam quando acontecem situações como estas e tive a ajuda de um psicólogo, alguém que me ajudou a superar isso. Mas quem mais me ajuda agora são os membros da minha equipa técnica, somos apenas um”, explicou, citado pelo As, antes de falar também do exemplo do seu adjunto, Morten Wieghorst. “Tenho um assistente fantástico, com a sua própria história incrível de uma doença grave que teve de superar quando estava no Celtic”, lembrou, sobre o ano fora dos relvados do médio ao ser diagnosticado com síndrome de Guillain-Barré que lhe causava fraqueza muscular.

Agora, depois de uma curta passagem pelos alemães do Mainz (2014/15) antes do regresso ao Nordsjælland, voltou a viver uma situação limite na seleção dinamarquesa, onde está desde 2020, com Christian Eriksen, que não corre risco de vida, dá cada vez melhores sinais mas não sabe se poderá voltar aos relvados. E foi nesse hiato antes de voltar ao ativo que o fez aceitar o convite para ser treinador adjunto na academia o Nordsjælland no Gana, já depois de ter feito uma pós-graduação de coaching na Universidade de Copenhaga. Foi em África que voltou ao olhar para o lado mais puro e bonito do futebol. Esta quarta-feira, vai tentar chegar à final do Europeu.