A demonstração de respeito e fairplay protagonizada por Messi e Neymar há cerca de semana e meia, depois da final da Copa América, mascarou um facto inegável na realidade do futebol sul-americano: os argentinos odeiam perder com os brasileiros e os brasileiros odeiam perder com os argentinos. Ainda assim, a apesar do abraço entre os antigos colegas de equipa no Barcelona em pleno Maracanã, entre os sorrisos de um e as lágrimas de outro, o futebol sul-americano não precisou de mais do que a tal semana e meia para voltar a sublinhar esse facto inegável da sua realidade.

Esta terça-feira, o Boca Juniors foi eliminado pelo Atl. Mineiro nos oitavos de final da Taça Libertadores, na decisão por grandes penalidades, e o jogo acabou por prolongar-se bem para lá do apito final do árbitro — acabando mesmo por terminar já na esquadra. Mas, puxando a fita atrás, as duas equipas chegaram à segunda mão com tudo por decidir, depois de um nulo na primeira partida na Argentina, e iriam discutir a presença nos quartos de final no Brasil, no Mineirão. E tudo começou a azedar ainda dentro do relvado.

Aos 17 minutos da segunda parte, Marcelo Weigandt abriu o marcador. O golo, porém, acabou anulado depois de o árbitro recorrer ao VAR para assinalar um fora de jogo de um elemento do Boca Juniors — algo que levou o conjunto xeneize à loucura, tanto jogadores como equipa técnica, num desagrado com a arbitragem que explodiu após o apito final. O jogo acabou por terminar novamente empatado sem golos e, de acordo com os regulamentos da Libertadores, não teve prolongamento e saltou imediatamente para as grandes penalidades. Aí, o Atl. Mineiro marcou três, o Boca Juniors só marcou um e a equipa do ex-FC Porto Hulk tornou-se o primeiro conjunto brasileiro a eliminar o histórico emblema argentino nos penáltis na maior competição de clubes da América do Sul.

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Eliminado o Boca Juniors, onde atuam o ex-Sporting Marcos Rojo e o ex-Benfica Lisandro López, soltou-se a confusão. No túnel de acesso aos balneários e depois de o Atl. Mineiro fazer a festa no relvado, os jogadores argentinos insurgiram-se contra a equipa de arbitragem, que procurou refúgio no balneário dos brasileiros. Nos vídeos que surgiram nas redes sociais, é possível ver os elementos xeneizes a arremessar garrafas de água, grades de proteção e até um bebedouro, entrando em confronto físico e direto com os polícias e seguranças que procuravam conter os avanços do grupo. Nas mesmas imagens, o presidente do Atl. Mineiro aparece a tentar proteger-se também através do arremesso de garrafas de água, à entrada do balneário dos brasileiros, e Rojo surge a agarrar num extintor e a ponderar atirá-lo, sendo de imediato travado pelos colegas, sendo depois filmado a dar um soco num segurança.

A Polícia Militar, que entretanto havia sido chamada ao local, acabou por conseguir acabar com a confusão através do uso de gás pimenta, com alguns jogadores a correrem de regresso ao relvado para fugir do fumo do túnel e voltar a respirar. De forma natural, com os ânimos já mais serenos, a Polícia Militar brasileira declarou a intenção de deter vários elementos do Boca Juniors: algo que acabou por não acontecer depois de negociações entre a cúpula do clube argentino e as autoridades, numa conversa com mediação de Sérgio Coelho, o presidente do Atl. Mineiro. Assim, oito pessoas do Boca Juniors foram identificadas — os jogadores Javier Garcia, Carlos Zambrano, Carlos Izquierdoz, Marcos Rojo e Sebastián Villa, o treinador de guarda-redes Fernando Gayoso, o adjunto Leandro Somoza e o dirigente Raúl Cascini — e toda a comitiva foi encaminhada para a 6.ª Delegacia Regional da Polícia Civil, em Belo Horizonte, onde os elementos em causa responderam por lesão corporal, agressão e depredação de património público.

Numa fase inicial, a Polícia Militar ainda propôs que apenas os elementos identificados fossem transportados para a esquadra, para que a restante comitiva pudesse rumar ao aeroporto e apanhar o voo de regresso à Argentina que estava previamente agendado. Mas o treinador do Boca Juniors, Miguel Ángel Russo, acabou por decidir que a equipa só deixaria o Brasil quando estivesse completa, optando pela concentração de todo o grupo da esquadra de Belo Horizonte. Aí, elementos da segurança do Mineirão e do departamento de logística do Atl. Mineiro também prestaram depoimentos, ainda que não tenham sido identificados.

Entretanto, o Boca Juniors ainda não fez qualquer declaração oficial sobre o episódio. O Atl. Mineiro, por sua vez, já emitiu um comunicado sobre o sucedido. “Após o jogo, os atletas do Boca desceram o túnel e foram para o vestiário dos visitantes. Poucos minutos depois, jogadores e comissão técnica da equipa argentina saíram do local e, em bloco, partiram em direção ao vestiário dos árbitros. Seguranças do Galo [Atl. Mineiro] e Mineirão tentaram, sem sucesso, contê-los. Os argentinos decidiram, então, invadir o vestiário do Galo, onde estavam jogadores, comissão e diretoria. Até o presidente Sérgio Coelho tentou impedir a invasão para proteger os profissionais do Atlético. No caminho, atacaram todos os que encontraram pela frente, além de quebrar bebedouros e grades de proteção. A PM [Polícia Militar] chegou depois de algum tempo e afastou os agressores com gás pimenta. Depois de longa negociação, intermediada pelo presidente Sérgio Coelho, a delegação argentina foi à delegacia para o registo do boletim de ocorrência por depradação de património e agressão. Ninguém será detido”, pode ler-se na nota do clube brasileiro.