Um cientista alemão, em 2012 considerado o “pseudocientista do ano”, conseguiu em junho publicar dois artigos em revistas que acabaram, depois, por os retratar após a validade e metodologia terem sido duramente criticadas por outros cientistas. Os estudos, um dos quais chegou a ser referido publicamente pelo Presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, alegavam que as vacinas contra a Covid-19 matavam quase tanto quanto a própria doença e que era perigoso levar as crianças a usarem máscara facial.

No final de junho, Harald Walach publicou na revista científica Vaccines um estudo onde alegava que as vacinas contra o novo coronavírus matam duas pessoas por cada três que salvam. Após a publicação, demitiram-se vários membros do conselho editorial da revista, incluindo o virologista austríaco Florian Krammer e a imunologista britânica Katie Ewer – por essa altura, o artigo já tinha sido replicado incontáveis vezes por movimentos anti-vacinas.

Vários dias depois, a 2 de julho, a revista retratou a publicação do estudo, reconhecendo que era errada a metodologia usada por Walach, cujos cálculos partiram de uma base de dados dos Países Baixos que incluía todos os problemas de saúde observados depois da vacinação, mesmo que não tivessem qualquer ligação com a vacina. Uma especialista neozelandesa chamada Helen Petousis Harris – que também se demitiu do conselho editorial mas voltou após a retratação – comentou: “Se os dados que se analisam são lixo, as conclusões que obtêm também serão lixo”.

Walach recusou a ideia de ser um negacionista da pandemia ou um ativista anti-vacinas: “Sou um cientista“, alegou, dizendo-se “vítima do politicamente correto” e garantindo que os dados em que se baseava eram corretos. Isto apesar de ser evidente pelos dados mundiais da vacinação e a subsequente prevenção de mortes e internamentos hospitalares que as contas de Walach não fazem qualquer sentido.

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Mas essa não foi a única pesquisa controversa que Walach publicou naqueles dias. A 30 de junho, surgiu na revista JAMA Pediatrics um outro trabalho da sua autoria que argumentava que era perigoso levar as crianças a usar máscara facial porque a consequência disso era que elas estariam a inalar quantidades acima do normal de dióxido de carbono.

Segundo essa pesquisa, que também seria retratada duas semanas depois, bastavam alguns minutos para que uma criança (saudável) com máscara inalasse quantidades perigosas de dióxido de carbono, por inspirar ar que acabara de ser expirado. O estudo foi criticado por várias razões, desde logo pela validade do mecanismo usado para medir as quantidades de dióxido de carbono na máscara e, além disso, não houve medição dos níveis de oxigenação sanguínea das crianças.

Fact Check. Alunos de máscara respiram níveis tóxicos de dióxido de carbono?

“Após a publicação, foram levantados vários problemas científicos em torno da metodologia usada no estudo”, escreveram os editores do JAMA Pediatrics na nota de retração que agora está colocada na página do estudo. Terá sido dada oportunidade aos autores do estudo (liderados por Walach) para contra-argumentarem mas “eles não apresentaram provas convincentes” para invalidar as críticas.

Harald Walach é um psicólogo de 64 anos que não tem qualquer formação na área da virologia ou em pesquisa sobre vacinas. Defensor de homeopatia, foi considerado “pseudocientista do ano” pela Sociedade para o Pensamento Crítico da Áustria. Além das duas retratações em revistas científicas, uma universidade polaca à qual Walach estava ligado também decidiu, agora, cortar quaisquer afiliações com o psicólogo alemão.

Após ter tido conhecimento desse estudo, no Brasil o Presidente Jair Bolsonaro falou publicamente nas consequências do uso da proteção facial, dizendo que poderia causar “irritabilidade, dor de cabeça, dificuldade de concentração, diminuição da perceção de felicidade, recusa a ir para escola ou creche, desânimo, vertigem e fadiga” nas crianças.

A comunidade científica está, agora, a questionar como foi possível que estudos com metodologias tão frágeis puderam ser publicados em revistas da especialidade. No primeiro caso, está a ser apontado que a revista Vaccines é editada por um grupo chamado MDPI, um gigante empresarial fundado pelo químico chinês Shu-Kun Lin – o grupo publica mais de 330 revistas científicas que podem ser lidas gratuitamente.

Numa dessas (muitas) outras publicações, chamada Nutrients, houve em 2018 uma demissão em massa de editores que alegaram que o MDPI os pressionava a aceitar estudos com fraco mérito científico. E uma razão para isso poderá ser o facto de os autores terem de pagar o equivalente a apenas cerca de 1.500 euros para publicar um artigo na revista. Ou seja, a editora tem incentivos para publicar o maior número de artigos que puder, algo que foi apontado pela revista Science quando a polémica estalou (e que foi negado pelo MDPI, que tem sede na Suíça).