Poderá ser pela pandemia ou não, mas a verdade que esta edição dos Jogos Olímpicos em Tóquio tem demonstrado que os atletas olímpicos — relembrando aos mais distraídos — também são feitos de carne e osso. Se o judoca Jorge Fonseca, com a sua medalha de bronze, resolveu visar grandes marcas desportivas na vitória, a prateada olímpica Patrícia Mamona lembrou que chegaram a dizer-lhe que não devia ir para o triplo salto por ser demasiado pequena. Ora, na madrugada desta segunda-feira, Marta Pen, atleta portuguesa dos 1500 metros, também tinha algo para dizer.

Não porque tivesse conseguido a terceira medalha portuguesa, mas porque não tinha conquistado um lugar na semifinal, depois de ter sido eliminada na fase de qualificação. Triste, com voz tremida e lágrima no olho, a atleta do Benfica garantiu que estava “orgulhosa” da sua prestação mas nada satisfeita com o que lhe tinha acontecido. Nem sempre o objetivo passa por ter medalhas — é estar lá, ponto final. “Por uma coisa externa, não fui capaz de conquistar aquilo de que era capaz. Nos 1500 metros, é normal haver este tipo de situações, claro que é sempre mais difícil gerir quando é connosco. Estou bastante orgulhosa da minha preparação até aqui, queria um resultado para poder mostrar, porque não interessa se somos os reis nos treinos, é preciso chegar à pista e fazer”, disse à RTP.

Pois bem, mas o que aconteceu? A portuguesa foi “bloqueada” já na fase final da prova pela marroquina Rababe Arafi, quando Marta Pen seguia para o sprint. Situação normal nesta competição, daquelas que ninguém conta, especialmente quando se está cinco anos a trabalhar para chegar aquele palco, com uma pandemia pelo meio, e com uma grande vontade de fazer melhor do que a sua primeira prestação em Jogos Olímpicos (Rio de Janeiro, 36º lugar) — mais um sexto lugar nos europeus de 2018. Desta vez, chegava a um décimo lugar que sabia a muito pouco.

Meio mundo a dormir, mas Marta Pen estava bem desperta, insatisfeita, a achar, sem dizer, que o que lhe tinha acontecido nada mais era do que uma injustiça. O Comité Olímpico Português protestou, já com os primeiros títulos noticiosos a ditar o afastamento da portuguesa que começou a correr graças ao desporto escolar, com o seu pai a pensar “que o atletismo não era para miúdas”.

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Bate o relógio nas seis da manhã e eis que, no início da derradeira semana dos JO, a chuva que se fez cair no estádio olímpico de Tóquio deu ali umas tréguas para uma atleta que, inconformada, parecia já ter aceitado o seu destino: afinal, Marta Pen vai estar nas semifinais dos 1500 metros. Foi, afinal, ouvida. E um dos momentos pelos quais mais trabalhou está mais perto de acontecer.

Marta Pen, que divide a sua vida entre Portugal e os Estados Unidos, treinou muito. Tanto, que chegou a usar parques de estacionamento para bater recordes pessoais neste último ano em que a Covid-19 se infiltrou nas nossas vidas. Não quer ser uma Carla Sacramento, referência portuguesa maior neste desporto, não. Na próxima quarta-feira, a partir das 11h00 (portuguesas), a atleta benfiquista vai, sim, querer um lugar na final de sexta-feira, sem acidentes.