A paixão pelos animais começou quando Mário Ferreira, veterinário há dez anos, tinha apenas seis anos e já resgatava animais, mas foi em 2019 que viu o seu percurso mudar quando decidiu ir para a Síria por conta própria. Agora, o Líbano tornou-se o país que o português visita com mais frequência para ajudar animais.

“Ir para zonas de conflito e/ou onde houve alguma catástrofe foi ideia minha. Surgiu da minha cabeça e partir de aí pus as minhas ideias em prática e fui”, explica em entrevista ao Observador.

O veterinário de 36 anos conta que desde cedo entendeu que queria ajudar. Foi na Síria e no Líbano que encontrou a sua missão, motivada pela constatação de que “há uma quantidade enorme de organizações que ajudam as pessoas neste tipo de situação, mas para os animais não há nada”.

Entre as muitas vezes que viajou para o Líbano para resgatar animais, uma das mais marcantes foi depois da explosão do porto de Beirute. “Estava um caos. Havia manifestações e tratei de vários animais na rua”, conta Mário. “Cheguei até a receber mensagens que me diziam para sair de onde estava porque poderia haver tiros.”

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Olhando para trás, para todas as situações que passou longe do conforto do seu país, Mário não se arrepende das suas escolhas e considera a experiência “desafiante, mas também gratificante”.

Pessoas sem nada, cães abandonados – quem ajudar primeiro?

No meio do caos foi impossível ignorar a “miséria” que estava à sua volta, por isso o veterinário acabou por ajudar também pessoas e ainda hoje envia medicamentos para o Líbano.

Eu sou humano. A primeira coisa que me passa pela cabeça, quando vejo a situação que algumas pessoas estão a passar, é a miséria humana. Obviamente que custa ver pessoas sem nada. Mas depois tenho de ser lógico e entender que há muitos meios para ajudar as pessoas — as organizações são incontáveis —, mas os animais não têm qualquer ajuda”.

Tendo já perdido a conta da quantidade de vezes que saiu de Portugal para ajudar animais, o veterinário afirma que a situação no país também não é a ideal. “Apesar de vivermos num país europeu, a realidade animal cá ainda é muito má”, existem várias organizações, mas “o respeito pelos animais continua longe de ser atingido”.

Porquê o Líbano, nesse caso? A situação “é bem pior”, e não existe nenhuma lei que proteja os animais, ao contrário do que acontece em Portugal. “Se nem há condições para as pessoas, os animais acabam por ficar não em segundo plano, mas em vigésimo.”

Há uma grande quantidade de animais de rua. Agora, com a crise que o Líbano atravessa, as pessoas estão a abandonar o país e a deixar para trás os seus animais. Consequentemente, isto cria um aumento de animais na rua — animais estes que cresceram em casas e não se sabem orientar fora delas e sem ajuda de humanos.Por isso é que é importante colaboração”, esclarece.

A situação dos animais do Líbano não tem solução fácil, pois são dificilmente adotados por libaneses. Há organizações estrangeiras — do Canadá, dos Estados Unidos e da Suíça — que promovem adoções, já que “as pessoas de lá só costumam adotar cães pequenos, peludos e de raça”.

Mário explica que ter animais no Líbano “é muito difícil”, pois é impossível sustentá-los mesmo que se tenha boas condições de vida — os medicamentos e a alimentação são caríssimos. “Se cá a ração de cão mais barata de vinte quilos pode ser custar 10 euros, lá está a custar 80 euros”, o que faz com que a organização BETA tenha de comprar ração através da Alemanha.

BETA – Beirut for the Ethical Treatment of Animals (Beirute pelo Tratamento Ético dos Animais, numa tradução livre) foi a organização que o veterinário escolheu integrar. Conheceu-a através das redes socais e assim que entrou em contacto entendeu que seria a escolha certa.

O mesmo não aconteceu quando decidiu ir para a Síria pela primeira vez por contra própria, sem apoio de nenhuma organização. “O país estava instável e o abrigo [para os animais] tinha de ser escondido. Foi uma situação bastante diferente daquela que vivi no Líbano, mas nunca tive medo.”

“O que faço nestes países é do mais gratificante que há porque posso juntar o meu lado humano e o meu lado profissional”, acrescenta.

“Uma desgraça.”  A luta para resgatar animais no Afeganistão

Mário considera-se “corajoso” e “destemido”, mas confessa que não tem quaisquer planos ir viajar para o Afeganistão, pois não vê qualquer “futuro” no país.

O que está a acontecer no Afeganistão é uma desgraça. A organização que eu conheço e que está lá — a NOWZAD — está a tentar retirar todos os animais e não consegue. Neste momento esperam que voos de carga sejam a solução”.

O fundador da associação NOWZAD, Paul ‘Pen’ Farthing, angariou fundos para transportar 140 cães e 60 gatos, além de 68 trabalhadores, num Airbus A330, mas deparou-se com entraves do Governo britânico. Depois das críticas públicas contra Ben Wallace, ministro da Defesa do Reino Unido, o ex-militar da Marinha Real Britânica obteve entretanto luz verde, anunciou o ministro no Twitter.

Isto depois de, dois dias antes, Ben Wallace ter afirmado que a prioridade seria retirar cidadãos britânicos e refugiados de Cabul nos voos da Força Aérea e que o resgate dos animais teria de esperar.

Não é preciso colocar-se em risco para conseguir ajudar 

Mário apela à ajuda de todos para a proteção animal e para dar um melhor futuro dos animais — sejam libaneses ou portugueses. Não é preciso viajar até uma zona de conflito para o fazer.

“Quem quiser ajudar os animais no Líbano pode entrar em contacto comigo ou com a associação BETA. Todas as ajudas são bem-vindas — se alguém tiver medicamentos dos seus animais que acabou por não usar até ao fim, envie! E quem quiser enviar medicamentos para pessoas, contacte-me também.”

Para ajudar os animais em Portugal, é possível fazê-lo através da página de Facebook do seu abrigo — Refúgio Animal Angels, onde estão cães, gatos, aves e até animais de quinta que o veterinário resgata em território nacional e que estão à espera de serem adotados.