O BCE anunciou esta quinta-feira uma redução do ritmo mensal das compras de dívida ao abrigo do programa (flexível) de estímulos que foi lançado em resposta à pandemia, conhecido pela sigla PEPP. Mas “a senhora não está a retirar estímulos“, garantiu a presidente Christine Lagarde, adaptando uma conhecida citação de Margaret Thatcher para se referir a si própria e ao Conselho que lidera. O banco central, que como se esperava não mexeu nas taxas de juro diretoras, antecipou, também, que as taxas de inflação possam superar “moderadamente” o objetivo do BCE (de 2%) durante algum tempo – mas as causas do aumento recente da inflação são “temporárias“.

Após o anúncio desta decisão, na habitual conferência de imprensa do BCE, Christine Lagarde indicou que “a fase de retoma, no âmbito da recuperação económica na zona euro, está cada vez mais avançada“. “Até ao fim do ano, a produção económica deverá ultrapassar os níveis pré-pandemia”, antecipou a presidente do BCE, lembrando a importância de uma vacinação que fez com que “as economias, em grande medida, reabriram”. Por outro lado, as variantes do novo coronavírus, como a Delta, “podem, ainda, atrasar a reabertura total das economias”.

As novas previsões do BCE apontam para um crescimento económico de 5% neste ano de 2021, contra os 4,6% anteriormente previstos. Depois, tendo em conta este 2021 mais positivo, a taxa anual de crescimento prevista para 2022 baixa ligeiramente, de 4,7% para 4,6%. Em 2023, estima o banco central, o Produto Interno Bruto, ou PIB, deverá aumentar mais 2,1% (tal como estava previsto anteriormente).

O banco central que gere a política monetária da zona euro tem dois programas de compra de dívida a correr em simultâneo: em primeiro lugar, o programa conhecido como APP, que já antes da pandemia estava a intervir no mercado obrigacionista europeu; em segundo lugar, o PEPP, que foi lançado em março de 2020 para garantir condições financeiras acomodatícias no início desta crise. É neste segundo programa que o BCE anunciou que vai diminuir a intensidade da intervenção.

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O soundbyte que Lagarde trouxe na algibeira: “a senhora não está a retirar estímulos”

“Com base na avaliação conjunta das condições financeiras e das perspetivas de inflação, o Conselho do BCE considera que as condições de financiamento favoráveis podem ser mantidas com um ritmo mais lento de compras líquidas de ativos, ao abrigo do Programa de Compras de Emergência Pandémica [mais conhecido pela sigla anglo-saxónica PEPP] do que nos dois trimestres anteriores“, indicou o BCE em comunicado emitido esta quinta-feira, dia da reunião periódica do banco central.

Quando questionada na conferência de imprensa sobre esta decisão, Christine Lagarde lançou imediatamente uma frase-chave que trazia na algibeira: “The lady isn’t tapering“. Isto é, referindo-se a si própria, Lagarde garantiu que “a senhora não está a retirar estímulos”, ou seja, não está a proceder ao chamado “taper“, a expressão anglo-saxónica que na gíria dos mercados financeiros está relacionada com uma redução gradual dos estímulos à economia. Trata-se, apenas, de “recalibrar” o ritmo de compras para os próximos três meses.

A tirada será uma adaptação de uma famosa frase dita em 1980 por Margaret Thatcher, ex-primeira-ministra britânica: “The lady’s not for turning“.

Ao abrigo do APP, vão continuar as compras de títulos de dívida – onde se incluem as Obrigações do Tesouro português – a um ritmo de 20 mil milhões de euros por mês. Essas são compras que vão continuar “enquanto for necessário para reforçar o impacto acomodatício da política monetária” e deverão “acabar pouco tempo antes de o BCE começar a subir as taxas de juro”, retirando-as de zero, no caso da taxa diretora, ou de valores negativos, como acontece com a taxa dos depósitos.

Por outro lado, no que diz respeito ao PEPP, o Eurossistema vai continuar a realizar compras líquidas “num envelope total de 1.850 mil milhões de euros, pelo menos até março de 2022 e, em todo o caso, até que julgue que a fase crítica do coronavírus terminou”. Porém, sendo este um programa “flexível”, nesta fase o BCE considera que é possível reduzir o valor mensal das compras sem desestabilizar os mercados de dívida.

Numa primeira reação, apesar de ter sido anunciada uma redução das compras mensais, as taxas de juro de países como Portugal e Itália continuam a baixar nos mercados. A taxa a 10 anos da dívida portuguesa está em 0,233%, menos três pontos-base do que na véspera, ao passo que a dívida italiana – um dos principais barómetros sobre a pressão dos mercados sobre a dívida dos países da chamada periferia da zona euro – está com juros a 10 anos em 0,71%, menos cinco pontos-base do que na quarta-feira.

“Período transitório” em que inflação estará acima de 2%

Relativamente ao controlo da inflação, que é o mandato único do BCE, comunicado indica que “o Conselho do BCE antecipa que as taxas de juro se mantenham nos níveis presentes, ou mais baixos, até que o Conselho veja a inflação a atingir 2%, bem antes do fim do horizonte de projeção e de forma duradoura pelo resto do horizonte de projeção”.

O BCE admite, porém, um “período transitório” em que a inflação pode estar “moderadamente acima do objetivo” de 2%. A taxa de inflação anual da zona euro acelerou, em agosto, para os 3,0%, face aos 2,2% de julho e aos -0,2% do mesmo mês de 2020, segundo uma estimativa rápida do Eurostat divulgada no final de agosto.

BCE pode subir taxas de juro mais rapidamente do que os mercados estão a prever, diz membro do banco central

O mandato do BCE concentra-se não na taxa de inflação passada mas, sim, nas expectativas de inflação a médio prazo, pelo que a política não tende a reagir a momentos de subida ou descida causada por efeitos transitórios. Mas alguns especialistas, em ambos os lados do Atlântico, têm alertado que a inflação que está a verificar-se não é apenas causada por efeitos transitórios relacionados com o efeito-base (a comparação com o ano passado, muito influenciado pela pandemia) e a comparação com o choque económico que a Covid-19 causou há um ano.

Escassez de mão-de-obra, subida dos preços das matérias-primas, dificuldades no fornecimento de vários produtos (como a crise dos chips, ou semicondutores, por exemplo) e o efeito de uma poupança acumulada no pico da pandemia que, agora, está a levar a um aumento do consumo. Estes são alguns dos fatores que estão a ser apontados pelos especialistas como aqueles que estarão a levar à subida dos índices de preços – se estes efeitos serão apenas transitórios ou mais duradouros é um debate intenso que tem existido nos últimos meses.

O risco é que a inflação, caso seja mais duradoura do que o previsto, se entranhe nas expectativas de subida dos preços. Aí, no cumprimento do seu mandato (único) e para evitar o risco de uma espiral de inflação, o BCE poderá ter de subir as taxas de juro e acabar mais cedo do que o previsto com as compras de dívida que têm sido decisivas, por exemplo, para a redução dos custos de financiamento do Estado português, bem como das empresas e famílias.