A defesa de Ricardo Salgado não desiste de tentar que o ex-banqueiro seja submetido a uma perícia médico-neurológica. O Observador sabe que os advogados enviaram esta segunda-feira um requerimento para o tribunal a pedir a nulidade da primeira decisão dos juízes — que recusaram que este exame fosse feito. Para a defesa, Salgado pode sofrer de uma patologia que o impeça de falar em tribunal.

Existem indicadores nos autos de que o arguido sofre de patologia que o pode impedir de exercer este direito a prestar declarações de forma plena”, lê-se no requerimento apresentado e a que o Observador teve acesso.

Os advogados entendem que a avaliação médica para saber se Salgado sofre de uma anomalia psíquica “não é uma prerrogativa do tribunal, mas sim um direito fundamental do arguido que se impõe ao tribunal”, uma vez que é esta perícia que vai determinar se a alegada patologia o impede ou não de falar — “caso o arguido pretenda exercer este seu direito”, ressalta a defesa. Mesmo que a avaliação conclua que Salgado tem condições para prestar declarações, pode sempre recusar fazê-lo.

A defesa entende que o “facto de o tribunal entender dispensar” Ricardo Salgado “de comparecer no julgamento e considerar que as suas declarações não são imprescindíveis não pode ser confundido com o facto de que a prestação de declarações por parte do arguido é um direito fundamental”. Os advogados defendem que o argumento usado pelos juízes de que “a perícia seria irrelevante quanto à incapacidade do arguido para prestar declarações” é “falacioso”. “O tribunal já determinou que o arguido não necessita de comparecer em julgamento e a tomada de declarações ao arguido não foi considerada imprescindível pelo tribunal”, concluem no requerimento.

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Os advogados de Ricardo Salgado, Francisco Proença de Carvalho (à esquerda) e Adriano Squilacce (à direita) no Campus de Justiça (JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR)

Para defesa, “os pressupostos para a realização da perícia neurológica estão preenchidos, porque existem elementos nos autos que consubstanciam indicadores fortes e sintomas compatíveis” com o “quadro de anomalia psíquica”.

O despacho que indeferiu a aludida perícia requerida pelo arguido omitiu a prática de uma diligência que se pode reputar essencial para a descoberta da verdade e boa decisão da causa, ou mesmo omitiu um ato legalmente obrigatório, incorrendo em nulidade”, lê-se no requerimento.

No despacho em que a perícia foi negada, os juízes defenderam que uma eventual patologia do foro neurológico poderia ser “facilmente demonstrada” através de um atestado médico. Mas os advogados entendem que um atestado “não constitui prova pericial em sentido técnico-processual, mas sim prova documental”. No requerimento, é explicado que o objetivo da perícia não é apenas o de avaliar a conduta do arguido posterior à data dos factos. A avaliação médica recai também “sobre as condições pessoais do arguido à data do julgamento“.

Defesa de Ricardo Salgado alega doença neurológica do ex-banqueiro

O julgamento de Salgado aproxima-se do fim. Depois desta quarta-feira, em que decorre a sexta sessão, segue-se uma última, a 22 de outubro, que servirá para ouvir as três testemunhas que faltam e fazer as alegações finais. Na sessão de terça-feira, os advogados do ex-banqueiro manifestaram-se contra a marcação desta data. Uma das razões prendeu-se com o facto de ainda existir a possibilidade de o ex-banqueiro prestar declarações em tribunal — ao que o juiz Francisco Henriques reagiu: “Se o doutor Ricardo Salgado quiser vir, vem. Se não quiser não vem”. 

Padre não apareceu, mulher de Salgado dispensada. Julgamento perto do fim sem que arguido fale: “Se não quiser vir, não vem”

Ricardo Salgado estava inicialmente acusado de 21 crimes, entre corrupção ativa, branqueamento de capitais, falsificação de documento e fraude fiscal qualificada. Mas a decisão do juiz de instrução Ivo Rosa, a 9 de abril, foi a de o levar a julgamento apenas por três crimes de abuso de confiança, num processo autónomo. Os crimes estão maioritariamente relacionados com a Espírito Santo (ES) Enterprises e envolvem um valor de mais de 10 milhões de euros. O juiz de instrução Ivo Rosa deu como indiciado que esta sociedade offshore, com várias contas bancárias no Banque Privée Espírito Santo, na Suíça, era “controlada pelo arguido Ricardo Salgado e utilizada pelo mesmo para movimentar fundos e realizar pagamentos sem que a sua origem, destino e justificação fosse revelada”.

Em relação a um dos crimes, Salgado terá utilizado a ES Enterprises para transferir cerca de 4 milhões de euros para a Savoices, uma outra empresa offshore da qual o ex-líder do BES era o beneficiário e que tinha conta noutro banco suíço. Um segundo crime está relacionado com transferências que a ES Enterprises fez para Henrique Granadeiro, tendo o ex-líder da PT transferido depois mais cerca de 4 milhões de euros para uma conta no banco Lombard Odier aberta em nome de uma sociedade offshore chamada Begolino, que pertence a Ricardo Salgado e à sua mulher. O terceiro crime diz respeito a cerca de 2 milhões e 750 mil euros que tiveram origem no BES Angola, passaram por uma conta do empresário Hélder Bataglia e acabaram na Savoices de Ricardo Salgado.