A menos de 10 dias das eleições autárquicas a Assembleia da República vai votar a transferência do Tribunal Constitucional para Coimbra, mas o processo só vai ter um resultado final já depois deste ato eleitoral. O PSD assegura que “não prescinde da votação na generalidade”, marcada para sexta-feira, onde o Partido Socialista vai abster-se, bem como o Bloco de Esquerda, faltando apenas o PCP definir o sentido de voto — que já garantiu que não vai ser favorável. Feitas as contas, a proposta tem maioria relativa para poder passar à discussão na especialidade, mas depois necessita de uma maioria absoluta na votação final global para ser aprovada.

Em causa estão as alterações às leis orgânicas que são necessárias fazer para assegurar a mudança do Tribunal Constitucional —  e também do Supremo Tribunal Administrativo e da Entidade de Contas e Financiamento Políticos. A Constituição prevê que alterações a leis orgânicas têm que ser aprovadas por maioria absoluta, ou seja, mesmo que a proposta seja viabilizada na generalidade, os 79 deputados do PSD não chegam para assegurar os 116 votos necessários para que a proposta seja aprovada na votação final global, pelo que este dossier só vai ficar decidido depois das autárquicas, marcadas para 26 de setembro.

Para já, o líder parlamentar do PSD, Adão Silva, adianta ao Observador que os sociais-democratas “não prescindem da votação na sexta-feira”. Sobre esta primeira votação, o deputado socialista Pedro Delgado Alves disse aos microfones da TSF que o PS vai abster-se por “concordar com o princípio de base, a ideia da deslocalização de serviços”. Além disso, acrescenta, “nesta altura, não faz sentido prejudicar o debate”, daí que opte para a abstenção: “Não votaremos contra, mas também não vamos acompanhar com voto favorável esta iniciativa”. Na base da decisão do PS está o calendário eleitoral. Pedro Delgado Alves acrescenta que “por alguma razão, a Assembleia da República, na próxima semana, não tem trabalhos parlamentares. Entendemos que se deve tentar preservar aquilo que é o debate autárquico e o debate nacional”, acusando até o PSD de “enganar o eleitorado local em Coimbra”.

Será também por este motivo que o PSD quer forçar a votação na sexta-feira, abdicando por exemplo de fazer a proposta baixar à Comissão Parlamentar de Assuntos Constitucionais sem a votação na generalidade, com o objetivo de comprometer os restantes partidos com uma posição sobre a descentralização de serviços. A par disso, em Coimbra, o PSD persegue o objetivo de roubar a câmara ao PS, com uma mega-coligação encabeçada por José Manuel Silva e que aparece nas sondagens recentes com reais possibilidades de ganhar.

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O presidente do PSD, Rui Rio, tem aliás puxado este assunto para muitos dos discursos que tem protagonizado nos últimos dias durante o périplo nacional das eleições autárquicas e em particular nos territórios do interior. Já esta quarta-feira criticou o parecer do próprio Tribunal Constitucional, dizendo que “quando era miúdo, em Lisboa dizia-se ‘vou à província’. Com o 25 de Abril fomo-nos concentrando se calhar ainda mais, mas pensei que isso tinha desaparecido. O Tribunal Constitucional estar em Coimbra é como antigamente se dizia estar na província”, considerando esta posição “desprestigiante para o próprio Tribunal” e criticou ainda a postura do PS “que só se verifica por causa das eleições”.

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Apesar de a proposta estar à partida viabilizada nesta fase inicial, com a abstenção do PS — bastam os votos do PSD para uma maioria simples –, os sociais-democratas vão acompanhar com particular interesse o debate. “Vamos tomar nota das posições políticas dos vários partidos para depois encontrar pontos de ligação na discussão na especialidade”, diz Adão Silva ao Observador. Essa discussão na especialidade vai fazer-se já depois das eleições autárquicas.

Rui Rio acredita na viabilização da proposta por parte do Partido Socialista, tendo em conta que António Costa defendeu esta mudança do Tribunal Constitucional para Coimbra em 2018, mas agora este é um trunfo eleitoral que o PS não quer dar ao PSD em vésperas de eleições autárquicas e envolvendo um município com o resultado em aberto e com um dos autarcas mais experientes do PS, Manuel Machado, que lidera também a Associação Nacional de Municípios. Com uma câmara tão simbólica em jogo, a decisão vai ficar mesmo para depois das autárquicas.